Filosofia – Pensadores e Obras

estado de natureza

(in. State of nature; fr. État de nature; al. Naturzustand; it. Stato di naturd).

Condição do homem, antes da constituição da sociedade civil, segundo a doutrina do contratualismo. Já em Platão, no III Livro de Leis, encontra-se a noção da condição em que os homens ficaram depois da destruição de suas cidades por enormes catástrofes: “Esta é a condição dos homens depois da catástrofe: uma terrível e ilimitada solidão, a terra imensa e abandonada; mortos quase todos os animais e os bovinos, sobrou apenas um pequeno grupo de cabras, qual mísero resto, para que os pastores recomeçassem a vida” (Leis, III, 677 e). Esta não é a descrição de uma condição idílica, assim como não foi idílica a condição que Hobbes atribuiu ao estado de natureza, a guerra de todos contra todos: “Enquanto vivem sem um poder comum ao qual estejam sujeitos, os homens encontram-se na condição que chamamos de guerra, e tal guerra é de um homem contra o outro” (Leviath., I, 13). Isto acontece porque, sendo iguais por natureza, os homens também têm os mesmos desejos, e desejando as mesmas coisas procuram preponderar uns sobre os outros (Ibid.). A fundação do Estado, de um poder soberano, é o único meio para sair da condição de guerra, própria do estado de natureza.

Por outro lado, na Antiguidade, Sêneca exaltava o estado de natureza como uma condição perfeita do gênero humano. Na nonagésima Epístola a Lucílio, Sêneca descreve a idade de ouro, em que os homens eram inocentes, felizes e viviam com simplicidade, sem buscar o supérfluo. Além disso, não tinham necessidade de governo e de leis porque obedeciam aos mais sábios. Mas, em certo momento, o próprio progresso das artes levou à avidez e à corrupção, contra as quais se tornou necessária a instituição do Estado. A exaltação do estado de natureza tornou-se tema recorrente na filosofia do séc. XVIII; sua expressão máxima está na obra de Rousseau. Opondo-se a Hobbes, Locke já havia considerado o estado de natureza como um estado de perfeição: é “um estado de perfeita liberdade, em que cada um regulamenta suas próprias ações e dispõe de suas posses e de si mesmo como bem lhe aprouver, dentro dos limites da lei da natureza, sem pedir permissão a ninguém, nem depender da vontade de ninguém” (Second Treatise on Governement, II, 4). Mas foi Rousseau quem mais exaltou a perfeição do estado de natureza, argumentando que nessa condição o homem obedece apenas ao instinto, que é infalível (De l’inégalité parmi les hommes, I).

“Tudo que sai das mãos do Criador é perfeito, tudo degenera nas mãos do homem”: era assim que Rousseau começava o Emílio. No próprio Rousseau, porém, essa exaltação do estado de natureza contrasta com o valor atribuído ao estado civilizado, com base no contrato social; na realidade, em Rousseau a noção de estado de natureza constitui o critério ou a norma para julgar a sociedade presente e delinear um ideal de progresso. Após Rousseau, Kant entendia por estado de natureza “aquele em que não há justiça distributiva alguma” (Met. der Sitten, I, § 41). E Hegel mostrava o equívoco de se ter inventado o estado de natureza como condição de fato na qual valesse o direito natural; isso por se interpretar a expressãodireito natural” no sentido de direito existente na natureza, e não de direito determinado pela natureza da coisa (Enc., § 502). A partir de Hegel, a noção de estado de natureza deixou de interessar aos filósofos, mas permaneceu como noção à qual o homem comum recorre de bom grado, sendo também utilizada pelas doutrinas políticas utopistas, que frequentemente projetam o estado de natureza como uma perfeição do futuro, e assim fazem também, algumas vezes, as imaginações fantásticas da ficção científica. [Abbagnano]