(in. Contractualism; fr. Contractualisme, al. Kontraktualismus; it. Contrattualismo). Doutrina que reconhece como origem ou fundamento do Estado (ou, em geral, da comunidade civil) uma convenção ou estipulação (contrato) entre seus membros. Essa doutrina é bastante antiga, e, muito provavelmente, os seus primeiros defensores foram os sofistas. Aristóteles atribui a Licofron (discípulo de Górgias) a doutrina de que “a lei é pura convenção (syntheke) e garantia dos direitos mútuos”, ao que Aristóteles opõe que, nesse caso, ela “não seria capaz de tornar bons e justos os cidadãos” (Pol, III, 9, 1280 b 12). Essa doutrina foi retomada por Epicuro, para quem o Estado e a lei são resultado de um contrato que tem como único objetivo facilitar as relações entre os homens. “Tudo o que, na convenção da lei, mostra ser vantajoso para as necessidades criadas pelas relações recíprocas é justo por sua natureza, mesmo que não seja sempre o mesmo. No caso de se fazer uma lei que demonstre não corresponder às necessidades das relações recíprocas, então essa lei não é justa” (Mass. cap., 37). Carnéades emitiu concepção semelhante no famoso discurso sobre a justiça que proferiu em Roma. “Por que razão teriam sido constituídos tantos e diferentes direitos segundo cada povo, senão pelo fato de que cada nação sanciona para si o que julga vantajoso para si?” (Cícero, De rep., III, 20).
Eclipsado na Idade Média pela doutrina da origem divina do Estado e, em geral, pela comunidade civil, o contratualismo ressurge na Idade Moderna e, com o jusnaturalismo, transforma-se em poderoso instrumento de luta pela reivindicação dos direitos humanos. As Vindiciae contra tyrannos, publicadas pelos calvinistas em 1579, em Genebra, retomam a doutrina do contrato para reivindicar o direito do povo a rebelar-se contra o rei sempre que ele descurar dos compromissos do contrato original. No mesmo espírito, João Altúsio generalizou a doutrina do contrato, utilizando-a para explicar todas as formas de associação humana. O contrato não é só contrato de governo que rege as relações entre o governante e seu povo, mas é também contrato social no sentido mais amplo, como acordo tácito que fundamenta toda comunidade (consociatio) e que leva os indivíduos a conviver, isto é, a participar dos bens, dos serviços e das leis vigentes na comunidade (Política methodice digesta, 1603). Hobbes e Spinoza puseram a doutrina do contrato a serviço da defesa do poder absoluto. Assim Hobbes enunciava a fórmula básica do contrato: “Transmito meu direito de governar-me a este homem ou a esta assembleia, contanto que tu cedas o teu direito da mesma maneira” (Leviath., II, 17). Essa, diz Hobbes, é “a origem do grande Leviatã ou, com mais respeito, do Deus mortal a quem, depois de Deus imortal, devemos nossa paz e defesa, pois por essa autoridade conferida pelos indivíduos que o compõem, o Estado tem tanta força e poder que pode disciplinar à vontade todos para a conquista da paz interna e para a ajuda mútua contra os inimigos externos” (Ibid., II, 17). Por sua vez, Spinoza julga que o direito do Estado constituído pelo consenso comum só é limitado por sua força, que é o “poder da multidão” (Tractatus politicus, 2, 17).
Mais frequentemente, porém, o contratualismo é empregado para demonstrar a tese de que o poder político é necessariamente limitado. Nesse sentido foi entendido por Grócio, Pufendorf e especialmente por Locke, que o usou para defender a revolução liberal inglesa de 1688. Dizia Pufendorf: “Se consideramos uma multidão de indivíduos que gozam de liberdade e de igualdade natural, e querem proceder à instituição de um Estado, é preciso antes de mais nada que esses futuros cidadãos façam um pacto no qual manifestem a vontade de unir-se em associação perpétua e de prover, com deliberações e ordens comuns, sua própria salvação e segurança. Esse pacto pode ser simples ou condicionado: tem-se o primeiro quando alguém se obriga a participar da associação, seja qual for a forma de governo aprovada pela maioria; o segundo, quando se acrescenta a condição de que a forma de governo será aprovada por ele mesmo” (De iure naturae, 1672, VII, 2, 6). Por sua vez, Locke fala do contrato como acordo entre os homens para “unirem-se numa sociedade política”; por isso, define-o como “o pacto que existe e deve necessariamente existir entre indivíduos que se associam ou fundam um Estado” (Two Treatises of Government, 1960, II, § 99). Criticado por Hume, o contratualismo encontrou em Rousseau uma interpretação que, substancialmente, equivaleu a sua negação. De fato, o contratualismo pressupõe que os indivíduos como tais tenham “direitos naturais” a que renunciam, para adquirir outros, com o contrato social. Rousseau considera que os indivíduos como tais são absolutamente desprovidos de direitos e que só os têm como cidadãos de um Estado. Os homens, diz Rousseau, tornam-se iguais “por convenção e direito legal”; por isso, “o direito de cada indivíduo ao seu estado particular está sempre subordinado ao direito supremo da comunidade” (Contrato social, 1762,1, 9). Para Rousseau, o contrato originário afigurava-se mais como um meio de “legitimar” o vínculo social do que como realidade (Ibid., 1,1); a mesma coisa foi nitidamente afirmada por Kant: “O ato pelo qual o próprio povo se constitui em Estado, ou melhor, a simples ideia desse ato, que por si só permite conceber sua legitimidade, é o contrato originário segundo o qual todos (omnes et singult) no povo renunciam à liberdade externa para retomá-la imediatamente como membros de um corpo comum” (Met. der Sitten, I, § 47). Hoje, dificilmente a ideia fundamental de contratualismo, na forma elaborada pelos escritores do séc. XVIII, pode ser considerada um instrumento válido para compreender o fundamento do Estado e, em geral, da comunidade civil. Contudo, entre os séculos XVI e XVII, a ideia contratualista teve notável força libertadora em relação aos costumes e tradições políticas. Hoje, com o uso que as ciências e a filosofia fazem de conceitos como convenção, acordo, compromisso, a noção de contrato talvez pudesse ser retomada para a análise da estrutura das comunidades ! humanas, com base na noção da reciprocidade de compromissos e do caráter condicional dos acordos dos quais se originam direitos e deveres. [Abbagnano]