Filosofia – Pensadores e Obras

ato humano

A lei do “maior proveito com menor esforço” é uma constante universal cósmica, que pode ser encontrada na Físico-química, na Biologia e também na esfera psicológica, ética, sociológica, como na econômica. Para alguns é chamada de “lei da economia”, e como pode ser aplicada em todas as esferas das coisas cósmicas é uma lei universal, cuja validez, no entanto, poderíamos procurar, embora não o façamos imediatamente.

Mas a economia, que nos interessa examinar, é a social, a economia humana, também chamada política por muitos, ou seja a do ser humano em sociedade, a que se refere à consecução com o menor esforço possível de bens aptos a satisfazerem plenamente, cada vez mais, as necessidades humanas. O fato econômico pode, de certo modo, ser considerado fora do âmbito antropológico, como o germinar de plantas que darão frutos. Mas se o ato da colheita pelo homem é um ato econômico, o germinar das plantas e darem frutos são fatos da Biologia, da Fisiologia e da Botânica. Mas, na verdade, consideram-se como fatos econômicos todos os fatos cósmicos que podem ser incluídos no âmbito da Economia; ou seja, que se referem ao homem em função da produção e da satisfação das necessidades. Deste modo, o estudo dos atos humanos torna-se imprescindível para a compreensão fundamental da Economia, o que comprova, de modo decisivo, que a inclusão, pelos antigos, da Economia na Ética, como ciência ética, tinha a máxima validez, como ainda veremos.

Embora muitos não gostem de aceitá-lo, e outros em suas atitudes ponham-no em dúvida, o ser humano distingue-se essencialmente dos animais. Possui aquele uma inteligência, que o leva a realizar atos que os animais não são capazes de fazê-lo. A racionalidade, no sentido clássico do termo, distingue essencialmente o homem de os animais, e só, e apenas, se pode chamar de ato humano aquele que não é animal.

O ato humano, para ser tal, é mister que seja deliberado pela vontade, do contrário não se distingue do ato irracional, próprio dos animais. A vontade pode deliberar, realizá-lo ou permiti-lo. E essa deliberação consiste na escolha fundada numa cognição. Constituem-no, portanto, a voluntariedade, a cognição e a liberdade. A cognição dá-lhe as notas, o saber sobre a matéria do ato; a vontade, a capacidade de escolha e de resolução, e a liberdade, a capacidade de pôr ou não em execução o ato.

Caracteriza o ato propriamente humano a cognição que voluntariamente realiza ou não um ato frustrável. A frustrabilidade é um aspecto de máxima importância. Ora, o que também caracteriza o ato ético é a frustrabilidade. Se observarmos os fatos físico-químicos, neles não encontramos frustrabilidade espontânea qualquer. Não vemos o hidrogênio, ora proceder deste modo, ora daquele, quando as condições circunstanciais são as mesmas. Não há frustrabilidade nos fatos da Físico-química. Mas, os há nos fatos éticos. A frustrabilidade permite-nos até construir uma divisão das ciências: aquelas em que há frustrabilidade, o que é próprio das ciências culturais, pois estas, tendo como objeto material os atos humanos, incluem-na; e as ciências da infrustrabilidade, que são as naturais, como a Físico-química, a Biologia, a Fisiologia, etc. Há frustrabilidade onde o homem se realiza como homem, porque pode ele, pela sua vontade, impedir a atualização de possibilidades.

Quando um animal opõe uma barreira à água que corre, e a represa, para seu benefício, realiza um ato instintivo e animal, mas a construção de uma barragem num rio, a construção de uma catedral, o erguimento de um arranha-céu são atos de vontade e testemunham a vontade.

E há um ponto importante, onde a frustrabilidade encontra-se com a infrustrabilidade no campo da Economia. É na Técnica. E tal se dá, porque, nesta, a vontade humana atua, pondo a infrustrabilidade física a proceder de modo a atingir determinados fins. Este tema de magna importância nos permitirá achar o ponto de encontro entre a liberdade e a necessidade.

Deve-se distinguir o ato humano, como foi definido acima, do ato não deliberante, realizado pelo homem, como os atos fisiológicos em geral e o ato incapaz de deliberação por parte do homem, como o ato de um ébrio.

Chama-se, na Ética, de ato elícito aquele que se realiza imediatamente pela vontade como sua causa. Diz-se que um ato humano da vontade é perfeito, se procede do homem agente com a cognição correspondente, acompanhada da disposição da vontade; imperfeito, quando falta a plena deliberação da vontade ou do conhecimento da coisa.

É importante, no ato humano, o elemento cognoscitivo, sem o qual o referido ato não é completo, por lhe faltar o que é essencial, que é a nota da cognição prévia do que é deliberado pelo intelecto. No elemento cognoscitivo, incluem-se a advertência, que é a atenção da mente à coisa, a deliberação, pelo qual se inquire qual o ato que deve ser proposto e, finalmente, o império, o poder, a ordem de executá-lo.

No ato humano, é essencial uma cognição prática antecedente, que pode ser ora formal, ora judicativa, ora reflexa.

Assim, tal é evidente, porque o ato humano é o que decorre do apetite (petere ad, pedir para) racional, e implica, necessariamente, uma deliberação sobre a conveniência ou inconveniência da sua realização. Essa cognição deve ser formal, porque o objeto desejado deve ser formalmente conhecido; deve ser judicativa, porque deve ser julgada a conveniência ou inconveniência da prática do referido ato; reflexa (refletir), porque o agente é cônscio da sua ação, e sabe que escolhe realizar o que está sob o domínio da sua vontade.

Na judicação, há também apreciação de valores, valorações de várias espécies.

Para que o ato humano se realize plenamente, não é mister que haja um conhecimento perfeito da coisa, pois de um conhecimento confuso pode-se realizar um ato humano perfeito. Uma cognição confusa, que é vencível, não impede uma deliberação perfeita da vontade, como também uma atenção meramente virtual não impede o ato humano.

Examinemos, pois, os elementos essenciais deste ato:

1) o elemento voluntário. Voluntário é o que procede de algum modo de princípio intrínseco, sob o conhecimento intelectual do fim. Esta é uma definição clássica, cuja justificação é a seguinte: ela procede de algum modo, e pode ser indireta, imediata, e formalmente, ou mediata, e denominativa, positiva ou negativamente; se não é de origem intrínseca, seria extrínseca, de outro que não o agente; sem a cognição intelectual do fim, e o ato seria cego e não humano, como o expusemos.

Para que algo seja voluntário, é mister que seja conhecido e realizado pelo intento próprio do agente.

Diz-se que o ato de vontade é livre, quando esta é determinada sob a razão indiferente, com poder de não agir o que age, ou de agir de outro modo de o que age. Liberdade não significa absoluta espontaneidade de ação, de determinação, como querendo dizer que para ser livre um ato é mister que não tenha uma causa, um motivo, uma razão, um porquê. Essa maneira de considerar a liberdade é própria de autores modernos, que nunca compreenderam devidamente os estudos realizados pelos grandes filósofos do passado, sobre matéria de tanta, importância. Liberdade não significa desvinculação total, mas apenas a capacidade, a potência de indiferentemente agir ou não agir, ou de agir de modo outro que o que se realiza. Mas, no agir corno se age, encontra-se toda a conexão de causa e efeito, que dá a necessidade hipotética ao ato realizado. Assim, em quem atua, decidindo-se a fazer isto em vez daquilo, encontraremos, em sua causação, os motivos causais de tal ação, como encontraríamos, também, motivos causais, se o seu ato fosse outro, pois este homem, que delibera agora aproveitar seu tempo para estudar, ou para distrair-se, estudando mais tarde, permite que encontremos, era seus motivos, suficientes razões para ambas resoluções. A liberdade está em poder ele deliberar de um ou de outro modo, de aceitar, por um ato deliberativo e

de vontade, as razões que julgou deveriam predominar, pelo sopesar de razões que o levou a seguir este e não aquele caminho.

É a coação que impede a realização da vontade, e também a necessidade do consequente determinado previamente.

Mas, o ato só é humano quando livre.

Contudo, o ato humano pode estar sujeito a defeitos. E estes decorrem de determinadas causas, que influem na cognição. Temos, por exemplo, a ignorância, que é o defeito habitual da ciência no sujeito capaz, uma privação de ciência, uma simples nesciência, ou uma ciência não devida. Mas, a ignorância pode ser vencível ou invencível. A primeira ainda pode ser absoluta ou relativamente invencível, pois a criança, enquanto tal, ignora, invencivelmente, em relação à sua idade e capacidade, mas essa ignorância é vencível pelo adulto, também relativamente. Diz-se vencível, aquela que o pode ser no determinado estado em que é considerado o sujeito, que dela padece.

Influi, ainda, na volição humana, a concupiscência, que é a desordenada habitualidade do apetite humano dirigido ao ato contra a razão, que pode aumentar o poder executivo do ato ou não. Temos ainda o medo, que é a trepidação do ânimo ante o que lhe sucede de mal ou possa suceder, que, por sua vez, exerce uma modificação no poder desviador do ato humano.

Temos, ainda, as paixões, que são os movimentos apetitivos da virtude em busca do bem, ou adversativos, do mal, que tendem para o maléfico. As paixões podem exercer um papel muito grande na vontade humana, diminuindo o seu poder de deliberação. Também os hábitos exercem uma influência importante na realização dos atos humanos, porque são eles unia constante inclinação para determinados atos, podendo aumentar ou diminuir a vontade.

Por causas extrínsecas, o ato humano pode sofrer restrições pela violência, que é a moção procedente de princípio extrínseco que sustem a vontade. O exercício da violência pode ser vário e também a sua ação pode sofrer graus, influindo, por sua vez. gradativamente, na vontade.

Há, também, o obstáculo à execução do ato humano, tais como os que oferecem o caráter e o temperamento de uma pessoa, como nos mostram os atuais estudos da Caracterologia, que podem minorar ou exaltar o impulso da volição. Há, ademais, outros obstáculos de ordem patológica, que decorrem de uma anômala disposição da natureza humana, quer de ordem física, quer de ordem psíquica, como o histerismo, a epilepsia, a psicastenia. a neurastenia, etc.

Não pode haver um ato moral sem que seja ele um ato humano. Só o homem, ou só um ser inteligente e livre, pode ter uma vida moral.

Ora, o ato ético, é um ato humano, que deve ser cumprido por razões de conveniência em bases justas, ato frustrável pela vontade humana como realizável por ela. [MFSDIC]