Filosofia – Pensadores e Obras

essência

A natureza própria a uma coisa; conjunto de suas características constitutivas. — A noção de essência opõe-se, num primeiro sentido, a de “acidente”: é o que constitui o fundo de uma realidade, o caráter essencial de uma coisa. Diz-se, por exemplo, que a justiça é, em essência, rigorosa, isto é, “por definição”. Se fosse caridosa não seria mais a justiça. Num segundo sentido, a essência (a natureza ou características de um ser) opõe-se à “existência” (o fato de ser). Essa última oposição, que se refere a santo Tomás, e à distinção que ele havia estabelecido entre a “metafísica”; que estuda as características ou a natureza do mundo e de Deus, e a “ontologia”, que estuda o fato da existência, é extremamente frequente na filosofia existencialista: esta opõe a essência do homem, a ideia que podemos ter de nós mesmos, à sua existência, que se reduz à livre iniciativa da liberdade. Quando Sartre escreve que, para o homem, “a existência precede a essência”, sublinha não ser a vida do homem determinada de antemão e sim que ela se faz continuamente à medida de nossas livres decisões voluntárias. [Larousse]


A essência constitui primeiramente o pólo oposto à existência. Assim como a existência responde à questão “se” um ente existe, a essência responde à questão “que” é um ente; por isso a essência se denomina também quididade (do latim: quidditas). No aspecto que estamos considerando, referimo-nos à essência individualmente determinada, ou seja, ao núcleo substancial do ente em sua concreta individualização (p. ex., “este” homem Pedro), porque o universal, enquanto tal, não pode existir. A essência do finito, como finita que é, permanece aquém da plenitude do ser, nunca compreende mais do que um setor de suas possibilidades, ao passo que a essência de Deus abarca a plenitude infinita do ser: Ele é “o” próprio Ser (ipsum esse). Consequentemente, a essência de Deus exclui toda distinção relativamente à existência; ao invés, o finito caracteriza-se por esta distinção, na qual a essência, como potência subjetiva, e o ser (a existência), como ato, constituem (como princípios do ser) o finito.

Numa segunda acepção, o termo denota o fundo essencial interno das coisas, em oposição à sua forma (configuração) exterior. Aqui, a essência é o ser próprio ou verdadeiro das coisas, que produz, sustenta e torna inteligível a forma aparente das mesmas. Propriedades opostas diferenciam entre si os dois domínios. Enquanto a forma aparente está sujeita à individualização, à mudança e, portanto, à ausência de necessidade, a essência aparece como algo superior à individualização, algo permanente e necessário. A doutrina platônica das ideias entusiasmou-se, ao interpretar esta dualidade; e os sistemas filosóficos continuaram sempre discrepando neste particular. O conceptualismo absorve ou volatiliza a essência no fenômeno tornando, por isso, impossível toda metafísica. O panteísmo, pelo contrário, dissolve, em última instância, o fenômeno na essência ao fazer do ser absoluto o fundo essencial imanente das coisas. No centro, encontra-se a nossa concepção, segundo a qual, às coisas corresponde um fundo essencial imanente próprio, que, ao mesmo tempo, representa uma participação do fundamento último transcendente, do Ser absoluto e, por tal motivo, reflete também analogicamente as propriedades deste. Nosso conhecimento apreende por abstração o fundo imanente essencial no conceito universal e, mediante raciocínio na demonstração da existência de Deus, o fundamento último transcendente. O fundamento essencial imanente pode ser considerado do ponto de vista metafísico ou físico. A essência metafísica só designa o núcleo íntimo, sem o qual esta essência seria suprimida; a essência física inclui outrossim, as propriedades essenciais (propriedades) que necessariamente se seguem daquele núcleo e sem as quais esta essência não poderia realizar-se fisicamente. — LOTZ. [Brugger]


O termo essência refere-se, em geral, àquilo em que algo consiste e entendeu-se de maneiras muito diferentes. Na medida em que Platão considerou as ideias e as formas como modelos e “realidades verdadeiras”, viu-as como essências, mas só a partir de Aristóteles se obtém uma ideia apropriada da essência. Com efeito, a partir das análises de Aristóteles, considera-se como essência o quê de uma coisa, isto é, não o que a coisa seja (ou o fato de ser a coisa), mas o que é. Por outro lado, considera-se que a essência é certo predicado por meio do qual se diz o que a coisa é, ou se define a coisa. No primeiro caso, temos a essência como algo de real. No segundo, como algo de lógico ou conceptual. Os dois sentidos estão estreitamente relacionados, mas tende-se a ver o primeiro a partir do segundo. Por isso, o problema da essência foi muitas vezes o problema da predicação. Naturalmente, nem todos os predicados são essenciais. Dizer “Pedro é um bom estudante” não é enunciar a essência de Pedro, pois “é um bom estudante” pode considerar-se como um predicado acidental de Pedro. Dizer “Pedro é homem” é expressar o ser essencial de Pedro. Mas expressa também o ser essencial de Paulo, António, etc. Para se ver o que Pedro é dever-se-ia encontrar uma diferença que o demarcasse essencialmente em relação a Paulo, Antônio, João, etc. Ora, dada a dificuldade de encontrar definições essenciais para indivíduos, tendeu-se a reservar as definições essenciais para classes de indivíduos. Por exemplo, dizer “o homem é um animal racional” foi considerado como uma definição essencial (necessária e suficiente), pois expressa o gênero próximo e a diferença específica, de modo que não pode confundir-se o homem com nenhuma outra classe de indivíduos.

Devido a isso, muitos autores, a partir de Aristóteles, afirmaram que a essência só se predica de universais. Contudo, isto não é completamente satisfatório. Dizer que a essência é uma entidade abstrata (um universal) equivale a adoptar uma determinada posição ontológica que não pode ser subscrita por todos os filósofos. Pode, pois, também voltar-se à realidade e alegar que a essência é um constitutivo metafísico de qualquer realidade. As respostas dadas ao problema da essência dependeram em grande parte do fato de se ter sublinhado o aspecto lógico ou o aspecto metafísico. Assim, se define a essência como um predicado, pergunta-se se é necessário ou suficiente. Se se define como um universal, pode perguntar-se se trata de um gênero, de uma espécie ou de ambos. Se é um constitutivo metafísico, pode considerar-se como uma ideia, como uma forma, como um modo de causa, etc.

Por outro lado, do ponto de vista metafísico, pode considerar-se a essência como uma parte da coisa juntamente com a existência. Levanta-se aqui o problema da relação entre a essência e a existência, tão abundantemente tratado pelos filósofos medievais, e, em particular pelos filósofos escolásticos – incluindo os escolásticos Árabes.

O termo essência ligou-se muitas vezes ao termo ser. Assim, em Santo Agostinho, para o qual “essência se diz daquilo que é ser… as demais coisas que se acham essências ou substâncias implicam acidentes que provocam nelas alguma mudança” (SOBRE A TRINDADE). Assim se afirma que Deus é substância ou, como este nome lhe convém mais, essência. Enquanto caráter fundamental do ser, a essência corresponde aqui só a Deus. Segundo S. Tomás, a essência diz-se daquilo pelo qual e no qual a coisa tem o ser (Sobre o Ente e a Essência). Estas definições da essência parecem primeiramente “metafísicas”, mas podem também caraterizar-se logicamente se se sublinhar que a essência pode conceber-se como algo que constitui a coisa e que este algo se expressa indicando mediante que termos se define essencialmente a coisa. Como se afirmou, uma das questões mais graves é a da relação entre a essência e a existência. Das muitas opiniões a esse respeito, vamos destacar algumas fundamentais.

S. Tomás e os autores que ele influenciou afirmam que há distinção real entre a essência e a existência nos entes criados, mas isto não significa que a essência seja um mero acidente acrescentado à existência. Assim S. Tomás opunha-se à teoria de Avicena.. Para este e para os escolásticos cristãos que seguiram a sua doutrina, a essência deve ser tomada em si mesma e não na coisa ou no entendimento. Na coisa, a essência é aquilo pelo qual a coisa é. No entendimento, é aquilo que é mediante definição em si mesma, a essência é o que é. Di-lo Duns Escoto quando afirma que essência pode ser considerada em si mesma (estado metafísico), no qual singular (estado físico ou real) ou no pensamento (estado lógico). Metafisicamente considerada, a essência distingue-se da existência só por uma distinção formal. Suárez não admitiu uma distinção real entre essência e existência, mas distinção de razão. Averroes tendeu a não admitir nenhuma distinção. De modo parecido, Guilherme de Ocam afirmou que a essência e a existência não são duas realidades distintas: quer em Deus, quer na criatura não se distinguem entre si a essência e a existência mais do que aquilo que cada uma difere de si mesma. “essência” e “existência” são dois termos que significam a mesma coisa, mas uma significa-a à maneira de um verbo, e a outra à maneira de um nome. Alguns dos problemas referidos passaram para a filosofia moderna. Imediatamente, os grandes escolásticos modernos ocuparam-se da questão da essência seguindo, regra geral, algumas das grandes vias medievais (tomista, escotista, occamista), mas contribuindo com particularizações que nem sempre se encontram nos escolásticos medievais. Assim, por exemplo, Suárez, que rejeita as posições tomista e escotista e se inclina para a distinção de razão, defende que não pode considerar-se a existência como realmente distinta da essência já que, de contrário, teríamos na coisa o modo de ser que lhe não pertence pela sua própria natureza.

Parte considerável da discussão sobre as essências, na filosofia moderna, especialmente entre os grandes filósofos do século XVII, girou em torno da natureza das essências e da relação entre a essência e a existência. Particularmente importante é a noção de essência em Leibniz; toda a essência, afirma repetidamente, tende por si mesma à existência. São possíveis as essências que possuem um conatus que as leva a realizar-se sempre que estejam fundadas num ser necessário e existente. A razão desta propensão para existir está, para Leibniz, no princípio da razão suficiente. A noção de essência desempenha um papel capital na filosofia de Hegel, segundo este autor, o Absoluto aparece primeiro como ser e depois como essência. “A essência é a verdade do ser” (A Ciência da Lógica). A essência aparece como o movimento próprio, infinito, do ser. A essência é o ser em e para sisi mesmo, ou seja, o ser em absoluto. A essência é o lugar intermédio entre o ser e o conceito. “O seu movimento efetua-se do ser para o conceito”, e assim se tem a tríade: ser, essência, conceito. Ao mesmo tempo, a essência desenvolve-se dialeticamente em três fases: primeiro aparece em si como reflexão e é essência simples em si; segundo, aparece como essência que emerge para a existência; terceiro, revela-se como essência que forma uma unidade com o seu aparecimento. A esta última fase da essência, antes de passar ao conceito, chama-lhe Hegel “efetividade”. Das doutrinas contemporâneas sobre a essência, deve destacar-se a de Husserl e a dos fenomenólogos, as essências não são, para a fenomenologia, realidades propriamente metafísicas. Mas também não são conceitos, operações mentais, etc. São “unidades ideais de significação” – ou “significação” – que surgem à consciência intencional quando esta procura descrever perfeitamente o dado. As essências, em sentido fenomenológico, são intemporais e apriorísticas. Distinguem-se, pois, dos fatos, que são temporais e aposteriorísticos. As essências na fenomenologia, são também universais, mas, em vez de serem abstratas, são concretas. Deve ter-se em conta que as essências não têm realidade ou existência, mas idealidade.

As essências de que falamos podem ser formais ou materiais. As primeiras são essências que não têm conteúdo e que valem para todos os objetos; quer ideais quer reais. As segundas são essências com conteúdo limitado, referidas a uma esfera e válidas apenas para essa esfera. A diferença entre essências formais e essências materiais não se funda na sua natureza, mas no raio da sua aplicação. [Ferrater]


1) A substância enquanto substância primeira, (ousia próte), o ser individual, matéria;

2) o indispensável de uma coisa, a substância segunda (formal) (ousia deutera).

Assim essência é o “fundo” do ser, metafisicamente considerado.

Os escolásticos consideram essência: todos os elementos que, ao ser dados, põem como dada a coisa, sem que se possa suprimir nenhum deles.

O gênero é essência da espécie. O ser humano (humanitas), essência do indivíduo homem, tal ou qual.

Podemos fazer uma distinção entre essência, em sentido lógico e em sentido metafísico.

Metafisicamente, a essência é o substancial, pelo qual se entende tanto o substancial individual (fático) como o geral (formal).

Este caráter dual da essência, já foi exposto por Aristóteles.

Logicamente, a essência é o que determina um objeto no processo da definição, e só então se pode falar, propriamente, de uma distinção entre a essência e a existência.

Tomás de Aquino dizia: “A essência é o que dá existência à realidade. Por isso convém que a essência, pela qual a realidade se chama ente, não seja tão somente a forma, nem tampouco a matéria, mas ambas, ainda quando apenas a forma seja, à sua maneira, a causa’ de seu ser”.

Husserl afirma, como já o faziam Duns Scot e Suarei, a inseparabilidade da essência e da existência.

Quer evitar, assim a forma apriorística, abstrata, vazia. É a generalidade concreta. (NA: Este tema analisaremos e discutiremos oportunamente ao estudarmos os princípios do ser.)

As ciências eidéticas, de que ele fala, são as que se fundam nas essências. As ciências fáticas são as experimentais.

Todas as ciências de fatos têm fundamentos essenciais teóricos nas ontologias eidéticas. [MFS]


(gr. ti estin; lat. essentia; in. Essence; fr. Essence; al. Wesen; it. Essenza).

Por este termo, entende-se Em geral qualquer resposta à pergunta: o quê? P. ex., nas expressões “Quem foi Sócrates? Um filósofo”, “O que é o açúcar? Uma coisa branca e doce”, “O que é o homem? Um animal racional”, as palavrasum filósofo”, “uma coisa branca e doce”, “um animal racional” exprimem a essência das coisas a que se faz referência nas respectivas perguntas. Algumas dessas respostas limitam-se a indicar uma qualidade do objeto (p. ex., a de ser branco e doce), ou um caráter (como o de ser filósofo) que o objeto também poderia não ter. Outras, como p. ex. a que afirma que o homem é um animal racional, parecem indicar algo a mais, um caráter que qualquer coisa chamada “homem” não pode não possuir e que, por isso, é um caráter necessário do objeto definido. Nesse último caso, a resposta à pergunta o quê? não enunciou simplesmente a essência da coisa, mas sua essência necessária ou sua substância, e pode ser assumida como sua definição. Portanto, deve-se distinguir: 1) a essência de uma coisa, que é qualquer resposta que se possa dar à pergunta o quê? 2) a essência necessária ou substância, que é a resposta (à mesma pergunta) que enuncia o que a coisa não pode não ser e que é o porquê da coisa, como quando se diz que o homem é um animal racional, pretendendo-se dizer que o homem é homem porque é racional.

Os fundamentos que expusemos foram estabelecidos pela primeira vez por Aristóteles, que é o fundador da teoria da essência, assim como é fundador da teoria da substância. É verdade que Aristóteles encontrava os precedentes dessa teoria em Platão, que por sua vez a atribuía a Sócrates. “Enquanto eu te pedia que me definisses a virtude inteira”, censura Sócrates a Menon, “tu evitas dizer-me o que ela é e afirmas que toda ação é virtude, se realizada com uma parte de virtude, como se tu já houvesses dito o que é a virtude na sua inteireza e eu devesse reconhecê-la mesmo depois de a reduzires a cacos” (Men., 79 b). Nessas palavras, exigir que Menon diga o que é a virtude em sua inteireza é exigir que ele enuncie a essência necessária, ou o que a virtude não pode não ser em qualquer circunstância. É a isso, exatamente, que Aristóteles dará o nome de substância. Mas nem toda essência, ou seja, nem toda resposta à pergunta o quê? é uma definição desse tipo. Diz Aristóteles: “Quem indica a essência ora indica a substância, ora uma qualidade, ora uma de outras categorias. Quando, referindo-se a um homem, se diz que ele é um homem ou um animal, entende-se sua essência como substância. Mas quando, referindo-se à cor branca, diz-se que é branca ou é uma cor, entende-se a essência como qualidade. Igualmente, quando se faz referência à grandeza de um côvado, afirmando que ela é a grandeza de um côvado, entende-se que sua essência é quantidade. O mesmo se diga nos outros casos” (Top., I, 9, 103 b 27). Em outro trecho, Aristóteles contrapõe nitidamente a essência substancial à essência: “O enunciado sempre se refere a alguma coisa, assim como a afirmação, e é sempre verdadeiro ou falso; mas o intelecto não é assim, sendo verdadeiro quando enuncia a essência segundo a essência substancial, e não verdadeiro quando a enuncia relativamente a alguma coisa” (De an., III, 6, 430 b 26). Com isso, ele não põe no mesmo plano todas as respostas que podem ser dadas à pergunta “o quê?” Se à pergunta “O que és?” um homem responde “músico”, sua resposta não exprime realmente o que ele é por sisi mesmo, sempre e necessariamente, ou seja, na sua substância. De fato, ele poderia muitíssimo bem não ser músico, e, havendo começado a sê-lo, pode deixar de sê-lo. Mas, se responder que é “um animal racional”, então estará expressando o que não pode não ser ou o que é necessariamente como homem. Exprime, portanto, o que Aristóteles chama de to ti en einai (quod quid erat esse), que é a substância considerada à parte de seu aspecto material (Met, VII, 7, 1032 b 14). Esta segunda resposta é a única que pode valer como definição da essência do homem, ao passo que todas as outras possíveis determinações de essência não valem como definição porque não dizem o que o homem é de per si ou necessariamente (Ibid., VII, 4,1029 b 13). Também por isso só a essência necessária ou substância é o verdadeiro objeto do saber ou da ciência. Sobre estes fundamentos Aristóteles assenta a estrutura necessária da realidade, que é o objeto específico da teoria da substância.

As considerações precedentes mostram que a teoria da essência, embora diferente da teoria da substância, pode conduzir a ela e ser considerada uma propedêutica dela. Portanto, não é de estranhar que, na evolução histórica do termo, seu significado muitas vezes tenha sido idêntico ao de essência substancial ou substância. Mesmo a linguagem comum, na qual frequentemente se sedimenta o significado filosófico de uma longa tradição, emprega esse termo quase exclusivamente no sentido de essência necessária. Deveremos então ter em mente a distinção entre os dois significados já enunciados, que Aristóteles ilustrou perfeitamente: 1a a essência como resposta à pergunta “o quê?”; 2a a essência como substância.

1) O significado geral e fundamental desse termo pode ser admitido também por filósofos que não compartilham a teoria da substância. Mas os estoicos, que não admitiram a teoria da substância, evitaram (ao que saibamos) o termo “essência”. Para eles, a definição não manifesta a essência de uma coisa, mas foi definida (por Crisipo) como “resposta” (apodosis). Com isso, deram a entender que qualquer resposta à pergunta “o quê?” pode ser considerada definição da coisa sobre a qual se faz a pergunta. Com efeito, diziam que a descrição “é um discurso que conduz à coisa através de suas pegadas” (Diógenes Laércio, VII, 1, 60), vendo assim nos enunciados linguísticos um modo de orientar-se em relação às coisas, e não a expressão da substância das coisas. Desse ponto de vista, nem sequer se apresenta a possibilidade de passar da teoria da essência para a teoria da substância. Uma proposição ou um enunciado qualquer nada exprime que possa referir-se à substância e, portanto, declarar-se essencial ou acidental em relação a ela, dedutível ou não dedutível dela, mas exprime simplesmente um estado de fato, que, se é como se diz, verifica a proposição ou, se não é, torna-a falsa. P. ex., a proposição “é dia” é verdadeira se é dia; falsa, se não é dia (Diógenes Laércio, VII, 65). Em outros termos, a relação predicativa (ou o significado predicativo de ser) deve ser entendida, desse ponto de vista, como uma relação de fato que remete à identidade verificável entre o objeto significado pelo sujeito e o objeto significado pelo predicado, e não como uma relação de inerência ou pertinência, ou como uma relação qualquer que implique conexão substancial ou necessária. Quando, a partir do séc. XIII, começou a prevalecer a orientação estoica da lógica, até então quase obliterada pela orientação aristotélica, aparecendo o que se chamou de via moderna, ou terminista (em oposição à via antiga, aristotélica), o significado da cópula foi explicitamente definido em oposição ao significado que fora atribuído à cópula com base na teoria da substância. Assim, Alberto da Saxônia, depois de distinguir o significado existencial do significado predicativo do verbo é, diz a propósito deste último: “Quando o verbo aparece como terceiro constituinte [da proposição, isto é, como cópula dos outros dois], significa certa composição do predicado em relação ao sujeito, graças à qual sujeito e predicado estão pelo mesmo objeto” (Log., I, 6). Essa doutrina será repetida com frequência durante o séc. XIV (cf., p. ex., Buridan, Sophisrnata, cap. 2, concl. 10), mas é Ockham que mostra claramente seu significado, ao mesmo tempo polêmico e positivo: “Proposições como ‘Sócrates é homem’ ou ‘Sócrates é animal’ não significam que Sócrates tem humanidade ou animalidade, nem significam que a humanidade ou a animalidade está em Sócrates, nem que Sócrates é homem ou animal, nem que o homem ou o animal é uma parte da substância ou da essência de Sócrates, ou uma parte do conceito ou da substância de Sócrates. Significam apenas que Sócrates é na realidade um homem e é na realidade animal, não no sentido de que Sócrates é esse predicado ‘homem’ e esse predicado ‘animal’, mas no sentido de que existe alguma coisa pela qual estão o predicado homem e o predicado animal: como quando acontece que esses dois predicados estão por Sócrates” (Summa log., II, 2). Essa contraposição da teoria da suposição à teoria da inerência é apenas um aspecto da contraposição da teoria da essência à teoria da substância. E tal contraposição na realidade é a mesma entre a formulação da lógica estoica e a da lógica aristotélica: a primeira fundada na enunciabilidade das situações de fato (“É dia” é verdadeiro se for dia); a segunda fundada na enunciabilidade da substância (“O homem é animal racional” porque a racionalidade é a essência necessária do homem).

Depois disso, é fácil seguir as etapas principais dessa linha de interpretação da noção de essência na filosofia moderna e contemporânea. O problema criado pela desvinculação entre teoria da essência e teoria da substância é o da possibilidade de certa hierarquia entre as determinações se atribuídas a uma entidade qualquer, visto que nenhuma dessas determinações pode ser considerada necessária. Parece, p. ex., que no significado da palavra “homem” está muito mais implícita a “racionalidade” do que a determinação de “bípede”. Mas como pode isso acontecer se não existem determinações necessárias ou substanciais, se não se pode dizer que a racionalidade é “inerente” ao homem? A resposta que a teoria da essência dá a este problema está contida na noção de essência nominal. Hobbes, p. ex., diz que a essência é simplesmente “o caráter (accidens) graças ao qual damos nome ao objeto” (De corp., 8, § 23). Essa doutrina é exposta e defendida por Locke, graças a quem se torna predominante na filosofia do iluminismo. Locke diz que a essência “nada mais é que a ideia abstrata à qual é associado o nome de uma espécie; por isso, tudo o que está contido nessa ideia é essencial à espécie”. E acrescenta: “Embora esta seja toda a essência das substâncias naturais que conhecemos ou com a qual as distinguimos em tantas espécies eu lhe darei o nome particular de essência nominal, para distingui-la da constituição real das substâncias, de que depende essa essência nominal juntamente com todas as propriedades da espécie dada; por isso [a constituição das substâncias] poderá ser chamada de essência real’ (Ensaio, III, 6, 2). A essência real é a substância no genuíno sentido aristotélico, como constituição ou forma que deveria explicar todas as qualidades ou caracteres de uma realidade e mostrá-los em suas interconexões necessárias (Ibid., 4, 9), mas, segundo Locke, tal essência real é inacessível ao homem. A doutrina da essência nominal foi a base da lógica moderna. Stuart Mill repete-a dizendo: “Proposição essencial é a proposição puramente verbal que afirma de uma coisa, sob um nome particular, só o que é afirmado sobre ela pelo próprio fato de chamá-lo por esse nome, e que, por isso, não dá nenhuma informação ou só a dá em relação ao nome, não à coisa” (Log., I, VI, § 4). Com poucas variantes, essa doutrina é repetida na lógica contemporânea. C. I. Lewis diz: “Tradicionalmente, diz-se que todo atributo exigido para a aplicação de um termo pertence à essência da coisa nomeada. Sem dúvida, não tem significado falar da essência de uma coisa, a não ser relativamente ao fato de ela ser denominada por um termo particular” (Analysis of Knowledge and Valuation, p. 41). E Quine, sublinhando a diferença entre a doutrina aristotélica da essência como substância e a “doutrina do significado”, observa: “Deste último ponto de vista, pode-se concordar (ainda que só para discutir) que no significado da palavra ‘homem’ está implícita a racionalidade, mas não o fato de ter duas pernas; contudo, pode-se considerar que ter duas pernas está implícito no significado de ‘bípede’, ao passo que a racionalidade não. Do ponto de vista da doutrina do significado, não faz sentido dizer de um indivíduo real, que é ao mesmo tempo homem e bípede, que sua racionalidade é essencial e que o fato de ter duas pernas é acidental ou vice-versa. Para Aristóteles, as coisas têm essência, mas só as formas linguísticas têm significado. Significado é aquilo que a essência se torna quando se divorcia do objeto de referência e se casa com a palavra” (From a Logical Point of View, II, 1). Por outro lado, mesmo utilizando amplamente a noção de essência em sua obra A visão lógica do mundo (onde, aliás, fala em “essência constitutivas”), Carnap reduz o significado de essência de um objeto ao critério de verdade das proposições das quais os signos desse objeto possam fazer parte (Aufbau, § 161). Pode-se dizer, portanto, que a teoria da essência sé resolve inteiramente na teoria do significado. Por essência hoje não se entende nada mais do que a regra do uso correto de um termo.

Embora não tenha em mira uma teoria do significado, o uso que Santayana fez desse termo essência vincula-se a este seu significado. As essência são os objetos da atividade cognoscitiva: constituem um reino infinito de que faz parte tudo o que pode ser percebido, imaginado, pensado ou, de algum modo, experimentado; não existem em nenhum espaço ou tempo, não têm substância nem lados ocultos, mas seu ser resolve-se em seu aparecer (The Realm of Essences, 1927). As essência constituem um dos termos do dualismo metafísico de Santayana: o outro é a existência, que ele identifica com a matéria. Mas justamente por se distinguirem da existência, e portanto de qualquer forma de ação ou de energia, as essência não se concatenam entre si e não implicam nenhuma necessidade nem nenhuma forma de ser, mas permanecem puros objetos de intuição. Esta doutrina das essência de Santayana pode ser considerada a última utilização metafísica da teoria da essência.

2) A teoria da essência como substância pode ser caracterizada como a que restringe o uso da palavra essência para indicar a essência necessária ou substancial. Aristóteles, como se viu, não identificara as duas coisas, embora se possa dizer que para ele a “verdadeira” essência de uma coisa, que a define em seu modo de ser, é a essência necessária. A identificação de essência com substância encontra-se já em Plotino, que a relaciona com o estado das coisas no mundo inteligível, ou seja, no Nous divino, mas não só com esse estado. Diz: “Aqui, tudo está na unidade, de tal modo que são idênticos a coisa e o porquê da coisa… Na verdade, o que poderia impedir esta identidade e impedir que ela constitua a substância de cada ser? Assim é necessariamente, como vê quem procura compreender a essência necessária” (Enn., VI, 7, 2). No séc. XIII, ao procurar esclarecer a confusa terminologia com que a filosofia medieval até aquele momento traduzira os termos aristotélicos, Tomás de Aquino fixava os significados seguintes, que implicam a redução da doutrina da essência à da substância: “essência significa algo que é comum a todas as naturezas em virtude das quais entes diferentes são colocados em diferentes gêneros e espécies, assim como a humanidade é a essência do homem, e assim por diante. Mas, como aquilo em virtude do que a coisa se constitui no gênero e na espécie é o que se entende como a definição que indica o que a coisa é, os filósofos substituíram a palavra essência por quididade, esse é o motivo pelo qual o Filósofo, no VII da Metafísica, frequentemente fala do quod quid erat esse, vale dizer, aquilo em virtude do que alguma coisa é o que é.” A quididade, acrescenta Tomás de Aquino, também é chamada de forma ou natureza, entendendo-se por este último termo “a essência da coisa segundo a ordem ou a ordenação que ela tem para a sua própria atuação, porquanto coisa nenhuma há desprovida de uma atuação própria. O termo quididade, porém, é assumido como aquilo que é significado pela definição; o termo essência significa que por ela e nela a coisa tem ser” (De ente et essentia, 1). Esta última distinção não se mantém inalterada em Tomás de Aquino, que, em outro trecho, entende por essência “propriamente o que é significado pela definição” (S. Th., I, q. 29, a. 2). Mas durante muitos séculos essas determinações tomistas serviram de fundamento para todas as teorias da substância, que devem ser estudadas em seu lugar próprio, o verbete substância.

Embora não conduza para uma teoria da substância, a acepção que Husserl atribui ao termo essência tem conexão com este seu segundo significado: “essência caracterizou sobretudo o que se encontra no ser próprio de um indivíduo como seu quid. Mas cada quid pode ser ‘posto em ideia’. Uma visão empírica ou individual pode ser transformada em visão da essência (ideação), possibilidade que, esta sim, não deve ser entendida como empírica, mas como essencial. O objeto intuído consistirá, portanto, na correspondente essência pura ou eidos, que pode ser tanto uma categoria superior quanto uma particularização, até à concretude completa” (Ideen, I, § 3). Para Husserl, essência é a essência necessária ou substancial de Aristóteles; é captada por um ato de intuição, análogo à percepção sensível (Ibid., § 23). Esta talvez seja a utilização mais moderna do antigo conceito aristotélico de essência substancial (v. definição; ser). [Abbagnano]