A incerteza do espírito, recusa em afirmar ou negar algo. Distinguimos duas formas de dúvida: 1.° a dúvida natural, que acompanha a ausência de conhecimentos certos; 2.° a dúvida metódica ou filosófica, que consiste em duvidar de todos os nossos conhecimentos, mesmo da nossa percepção das coisas do mundo, enquanto não conhecemos o princípio de todo o saber. Foi essa a atitude de Platão, de Descartes e de Fichte.
É o começo de toda a filosofia radical. Distinguimos dois objetos fundamentais de dúvida: 1.° o mundo exterior: o ceticismo em relação ao mundo exterior é o dos filósofos antigos (Pirro); não exclui certa crença de Deus; 2.° Deus: o ceticismo em relação a Deus corresponde ao positivismo moderno, o qual só acredita no que vê e no que toca (positivismo de Augusto Comte, materialismo). [Larousse]
A dúvida é a oscilação entre o sim e o não, entre hipóteses ou opiniões que mutuamente se contradizem, sem que se chegue a tomar uma decisão em favor de alguma das duas. A dúvida pressupõe que se tenha consciência de um juízo, em face do qual se deva tomar posição, e, além disso, a existência de razões, ou, pelo menos, de razões aparentes em favor de cada uma das hipóteses contraditórias. Nomeadamente tratando-se de questões de relevante importância para a vida, a dúvida costuma aliar-se a um angustiante sentimento de inquietação. Enquanto as razões não produzirem uma evidência, embora imperfeita, pró ou contra a hipótese em questão, a dúvida justifica-se; se houver um acúmulo notável de razões em favor de uma das partes, é sensato manter uma opinião fundamentada, ou seja uma opinião provisória; contudo, enquanto não se obtiver evidência, não é razoável prestar um assentimento firme que exclua toda dúvida (certeza); se, apesar de uma evidência suficiente, a dúvida continuar persistindo, tal dúvida é injustificada.
A dúvida descrita é a dúvida em sentido próprio, ou seja, a dúvida real e positiva. Dela importa distinguir, por um lado a dúvida real mas só negativa, que se verifica onde faltam absolutamente razões pró e contra, e que, por isso, antes deveria denominar-se ignorância; e, por outro lado, a dúvida aparente (fictícia), tal como se apresenta na empostação científica de problemas (problema); esta dúvida significa tão-só que se prescinde da certeza natural, aliás firmemente mantida, a fim de chegar à certeza científica mediante o exame e elaboração explícita das razões. É frequente equiparar a dúvida fictícia à metódica. Todavia a expressão “dúvida metódica” não significa necessariamente dúvida só aparente, mas denota qualquer dúvida, puramente fictícia ou real, provocada de propósito no intuito de investigar, de maneira científica, a verdade; esta última dúvida justifica-se plenamente, quando o ojeto é realmente duvidoso. — De Vries. [Brugger]
O termo dúvida significa, primeiramente, vacilação, resolução, perplexidade. Na dúvida há sempre, pelo menos, duas proposições ou teses entre as quais a mente se sente flutuante; vai, com efeito, de uma para a outra sem se deter. Por isso, a dúvida não significa falta de crença, mas indecisão relativamente às crenças. Pode entender-se a dúvida de vários modos: 1) dúvida como atitude, 2) a dúvida como método. é pouco frequente encontrar exemplos puros destas significações na história da filosofia, mas pode falar-se de várias concepções da dúvida nas quais se manifesta a tendência para sublinhar uma delas. A dúvida como atitude é frequente entre os cépticos gregos e os renascentistas. É também bastante habitual entre aqueles que, sem pretenderem forjar nenhuma filosofia, se negam a aderir a qualquer crença firme e especifica, ou consideram que não há nenhuma proposição cuja verdade possa provar-se de modo suficiente para gerar uma convicção completa. Caraterístico desta forma de dúvida é o considerar como permanente o estado de irresolução, mas ao mesmo tempo o encontrar nele certa satisfação psicológica.
A dúvida como método foi usada por muitos filósofos. Até se disse que é o método filosófico por excelência, enquanto a filosofia consiste em pôr a claro todo o gênero de supostos, o que não se pode fazer sem os submeter à dúvida. Contudo, só em alguns casos se adoptou explicitamente a dúvida como método. Entre eles, sobressaem Santo Agostinho e Descartes: no primeiro, na proposição “se erro existo”, pela qual aparece como indubitável a existência do sujeito que erra. O segundo, na proposição “cogito, ergo sum”, pela qual fica assegurada a existência do eu que duvida. Nestes exemplos, pode dizer-se que a dúvida é um ponto de partida, já que a evidência (do eu) surge do próprio ato de duvidar, da redução do pensamento da dúvida ao fato fundamental e aparentemente inegável de que alguém pensa ao duvidar. [Ferrater]
(gr. aporia; lat. dubium; in. Doubt; fr. Doute; al. Zweifel; it. Dubbió).
Esse termo costuma designar duas coisas diferentes, porém mais ou menos ligadas: 1) um estado subjetivo de incerteza, ou seja, uma crença ou opinião não suficientemente determinadas, ou a hesitação em escolher entre a asserção da afirmação e a asserção da negação; 2) uma situação objetiva de indeterminação ou a problematicidade de uma situação: seu caráter de indecisão em relação ao possível êxito ou à possível solução. Aristóteles foi o primeiro a reconhecer (pelo menos implicitamente) essa distinção de significados quando negou que a dúvida pudesse reduzir-se à “equivalência dos raciocínios contrários”, porque é essa equivalência que pode produzir a dúvida. E disse: “Quando raciocinamos em ambas as direções e todos os elementos do discurso parecem desenvolver-se com igual validade em cada um dos dois sentidos, ficamos em dúvida sobre o que fazer” (Top., VI, 7, 145 b 15). A “equivalência de raciocínios opostos” é a situação objetiva de indeterminação; a dúvida é a incerteza subjetiva, a incapacidade de decisão que ela comporta. Esses dois aspectos encontram-se, de forma mais ou menos explícita, na história da filosofia, mas com predominância do aspecto subjetivo, que é considerado peculiar ou constitutivo da dúvida. É isso o que se conclui de um comentário de Sexto Empírico (Pirr. hyp., I, 7) para quem a dúvida é “a hesitação entre afirmar e negar”, conquanto os céticos não neguem os bons fundamentos objetivos dessa hesitação. E mesmo não negando seu fundamento objetivo, Tomás de Aquino insiste no caráter subjetivo da dúvida como ignorância ou falta de informação, não a considerando, portanto, essencial à escolha voluntária (5. Th., III, 2. 18, a. 4). Aparentemente, o caráter subjetivo da dúvida também prevalece em Descartes: o cunho autobiográfico da busca cartesiana parece fazer da dúvida uma fase subjetiva dessa busca. Mas, na verdade, a dúvida cartesiana não é um elemento da história pessoal de Descartes, mas a fase crítica do tipo de saber próprio do tempo em que Descartes vivia, e que através dele chega a reconhecer a insuficiência e a fragilidade de seus fundamentos. É o que o próprio Descartes reconhecia: “Não concluiremos mal, dizendo que a física, a astronomia, a medicina e todas as outras ciências que dependem do estudo das coisas compostas são dúbias e incertas; mas que a aritmética, a geometria e as outras ciências dessa natureza, que tratam de coisas bastante simples e gerais, sem se preocuparem com sua existência ou inexistência na natureza, contêm algo de certo e de indubitável” (Méd., I). Embora a dúvida possa ser estendida às ciências matemáticas (aventando-se a hipótese de que um gênio maléfico se divertisse enganando os homens), o certo é que, para Descartes, estas escapam, por motivos objetivos, à incerteza subjetiva e permitem que ele extraia justamente delas as regras fundamentais do método (Discours, II). O caráter objetivo da dúvida tem sido frequentemente evidenciado pela filosofia contemporânea. Por um lado, em Husserl a dúvida, como estado subjetivo, corresponde a um modo de dar-se eu de ser da coisa (Ideen, I, § 103). Por outro, para Dewey, a raiz da dúvida está na “situação problemática”, que estimula ou determina a pesquisa, e a própria pesquisa deve levar a uma nova colocação. “Ao sistematizar a relação perturbada entre organismo e ambiente [que determina a dúvida], a investigação não se limita a afastar a dúvida restabelecendo a integração primitiva, de boa adaptação. Provoca novas condições ambientais, que são ocasiões de novos problemas” (Logic, cap. 2; trad. it., p. 73).
O valor da dúvida para a pesquisa filosófica foi admitido por todas as doutrinas que veem na filosofia a procura e a aquisição da verdade, mais que a posse e a revelação desta. Às vezes, também se acreditou que a dúvida trouxesse em si ou implicasse uma certeza originária superior a toda dúvida. Essa é a corrente de pensamento que Descartes difundiu pelo mundo moderno e no qual baseou a evidência da consciência. Tem origem em S. Agostinho: “Quem sabe que duvida sabe a verdade, e está certo disso que sabe: logo, está certo da verdade. Portanto, quem duvidar de que exista a verdade, já tem em sisi mesmo uma verdade, a verdade de que não pode duvidar, já que nenhuma coisa verdadeira é verdadeira sem a verdade. Portanto, não deve duvidar da verdade quem pôde por uma só vez duvidar” (De vera religione, 39). E todos recordam a dúvida total de Descartes, que redunda no cogito-. “Enquanto assim rejeitamos tudo aquilo de que podemos duvidar e imaginamos até mesmo que seja falso, supomos facilmente que não há Deus, nem céu, nem terra, e que não temos corpo; mas não somos capazes de supor que não existimos enquanto duvidamos da verdade de todas as coisas, pois causa-nos tanta repugnância conceber que aquilo que pensa não existe realmente enquanto está pensando que, apesar de todas as suposições mais extravagantes, não poderíamos impedir-nos de crer que essa conclusão, penso, logo existo, seria verdadeira e que, por conseguinte, seja a primeira e mais certa conclusão que se apresenta àquele que conduz seus pensamentos com ordem” (Princ. phil., I, 7). A certeza ligada à dúvida é a própria certeza do cogito e deve ser submetida às mesmas objeções (v. cogito).
A filosofia contemporânea, conquanto insista no aspecto objetivo da dúvida e, portanto, na extensão desse aspecto a todas as situações que podem constituir o ponto de partida para a pesquisa, tende a utilizar a dúvida “hiperbólica” (como se chamou a dúvida cartesiana) e a considerar a dúvida circunscrita a uma situação ou problema determinado. Em outros termos, a dúvida não é vista hoje como início absoluto ou o primeiro princípio da pesquisa filosófica, mas como condição pela qual uma situação suscita ou exige investigação. [Abbagnano]