Filosofia – Pensadores e Obras

coração

(gr. kardia; lat. Cor; in. Heart; fr. Coeur; al. Herz; it. Cuore).

Entre os antigos, só o pitagórico Alcmeão de Cróton (séc. VI-V 4.coração) considerou o cérebro como sede do pensamento (“Digo que é com o cérebro que entendemos”, Fr. 17, Diels). Aristóteles considerou ; o coração como sede das sensações e das emoções (De part. an., II, 10, 656 a; De anim. mot., 11, 703 b), doutrina que, graças à autoridade de Aristóteles, prevaleceu em toda a Antiguidade e na Idade Média, até o séc. XVI, quando os novos estudos de anatomia puderam mostrar que os nervos partem do cérebro. Mas a importância dessa noção em filosofia não está nessa herança arcaica, mas, na realidade, permaneceu na história da filosofia para indicar exigências diferentes. No Novo Testamento, significa a relação do homem consigo mesmo, tanto no desejo (Mat., V, 8, 28) quanto no pensamento e na vontade (I Cor., VII, 37), mas na medida em que pensamento e vontade se consumam em si mesmos ou pelo menos antes que se manifestem exteriormente. Mas o uso moderno dessa palavra sem dúvida deriva de Pascal, que frisou a importância das “razões do coração” (Pensées, 277). Ao coração Pascal atribuiu duas espécies de conhecimentos específicos: 1) o conhecimento das relações humanas e de tudo o que delas nasce, de tal modo que o coração é o guia privilegiado do homem no domínio da moral, da religião, da filosofia e da eloquência; 2) o conhecimento dos primeiros princípios das ciências e especialmente da matemática. “O coração sente que há só três dimensões no espaço, que os números são infinitos; em seguida, a razão demonstra que não há dois números quadrados dos quais um seja o dobro do outro, etc. Os princípios são sentidos, as proposições são fruto da conclusão: uns e outras têm a mesma certeza, mas obtida por vias diferentes” (Ibid., 282). Só o primeiro desses dois conhecimentos privilegiados deveria continuar a ser atribuído ao coração na filosofia do séc. XIX. Entrementes, Kant viu no coração apenas a tendência natural que nos torna mais ou menos capazes de acolher a lei moral (Religion, I, 2). Hegel entendia por coração “o complexo da sensação”, isto é, da experiência imediata e primordial do homem, como quando se diz que “não basta que os princípios morais e a religião, etc, estejam só na cabeça: devem estar no coração, na sensação” (Ene, § 400). Por outro lado, ele viu na “lei do coração” uma figura de sua Fenomenologia do espírito, mais precisamente a que representa a revolta romântica contra a realidade em ato, contra a ordem estabelecida. A lei do coração não propõe uma lei determinada, mas só identifica a lei com as exigências de cada coração, entendendo que o conteúdo particular do coração deve valer como tal universalmente. Nisso está a contradição da lei do coração, porque a pretensão de fazer valer universalmente o conteúdo de um coração particular choca-se com a mesma pretensão de todos os outros coração “Assim como, antes, o indivíduo achava a lei abominável e rígida, agora acha abomináveis e avessos às suas excelentes intenções os coração dos homens”. Na realidade, para Hegel, o que há de rígido e torturante para o coração singular não é a realidade dos fatos, mas a lei dos outros corações, contra a qual o recurso à realidade é uma libertação (Phänomen. des Geistes, I, V, B, b). Na filosofia moderna, especialmente no espiritua-lismo, que recorre com frequência à noção de coração, esta exprime substancialmente exigências de caráter moral e religioso. Foi Lotze quem, em Microcosmo (1856), começou a dar ênfase às “aspirações do coração”, às necessidades da alma” ou “do sentimento”, às “esperanças humanas” como exigências que a filosofia deve impor contra o mecanicismo da ciência; obviamente, tais necessidades e aspirações nada mais são do que as exigências metafísicas implícitas nas crenças morais, assim como nas crenças religiosas tradicionais. As necessidades do coração foram incluídas na definição de filosofia por Wundt, que viu nela “a recapitulação dos conhecimentos particulares de uma intuição do mundo e da vida, que satisfaça às exigências do intelecto e às necessidades do coração” (System der Phil, 4a ed., 1919, 1, p-1; Enleitung in die Phil, 3a ed., 1904, p. 5). Nestas e em expressões semelhantes, que se repetem continuamente na filosofia da segunda metade do séc. XIX e nos primeiros decênios deste, o coração é o símbolo das crenças tradicionais que podem ser resumidas no reconhecimento da ordem providencial do mundo, isto é, de uma ordem destinada a salvaguardar os valores humanos e o destino do homem. Muitas vezes, na filosofia contemporânea, o termo coração se alterna com consciência, para indicar a esfera privilegiada em que o homem pode alcançar as “realidades últimas com certeza absoluta”. [Abbagnano]