Filosofia – Pensadores e Obras

arrependimento

(lat. paenitentia; in. Repentance; fr. Repentir; al. Reue; it. Pentimentó).

O angustiante reconhecimento da própria culpa. Esta é a definição em que os filósofos concordam, ainda que a expressem com palavras diferentes (Tomás de Aquino, S. Th., III, q. 85, a. 1; Descartes, Pass. de l’âme, III, 191; Spinoza, Et., III; Definição das paixões, 27; Hegel, Werke, ed. Glockner, X, p. 372, etc). Os filósofos também estão de acordo em admitir o valor moral do arrependimento. Spinoza, embora julgue que o A. “não é uma virtude, isto é, não deriva da razão” e que, portanto, quem se arrepende é duplamente miserando e impotente (uma vez porque agiu mal e depois porque se aflige com isso), reconhece que aquele que está submetido ao A. pode, todavia, voltar a viver segundo a razão muito mais facilmente do que os outros (Et., IV, 54). Montaigne, que dedicou ao A. um de seus ensaios mais notáveis (Essais, III, 2), observara, porém, que o A. não deve transformar-se no desejo “de ser outro”. “Não cabe propriamente A. pelas coisas que não estão em nosso poder, assim como não cabem as saudades. Imagino infinitas naturezas mais elevadas e mais ponderadas do que a minha; mas com isso não melhoro as minhas faculdades, assim como o meu braço e o meu espírito não ficam mais vigorosos só porque eu os conceba diferentemente do que são” (ibid., ed. Rat., III, p. 28).

Em sentido análogo exprime-se Kierkegaard, que viu no A. o ponto culminante da vida ética e, ao mesmo tempo, o sinal do seu conflito interno. O a. é inerente à escolha que, na vida ética, o homem faz de si mesmo. “Escolher a si mesmo é idêntico a arrepender-se de si mesmo… Até o místico se arrepende, mas fora de si e não dentro de si; arrepende-se metafisicamente e não eticamente. Arrepender-se esteticamente é repugnante, porque é afetação; arrepender-se metafisicamente é coisa inútil e fora de lugar, pois não foi o indivíduo que criou o mundo e não lhe cabe incomodar-se tanto com a vaidade do mundo” (Entweder-Oder, em Werke, II, p. 223; Furcht und Zittem, em Werke, III, p. 143). Cf. M. Scheler, Reue und Wiedergeburt, em Vom Ewigen im Menschen, A- ed., 1954). [Abbagnano]


ARREPENDIMENTO nunca se origina de a Vontade ter mudado (algo impossível), mas de o conhecimento ter mudado. O essencial e próprio daquilo que eu sempre quis, tenho de ainda continuar a querê-lo, pois eu mesmo sou esta Vontade a residir fora do tempo e da mudança. Portanto, nunca posso me arrepender do que quis, mas sim do que fiz, visto que, conduzido por falsas noções, agi de maneira diferente daquela adequada à minha vontade. O ARREPENDIMENTO é a intelecção disso por via de um conhecimento mais preciso. E isto se estende não só à sabedoria de vida, à escolha dos meios, ao julgamento do mais adequado fim à minha vontade, mas também ao ético propriamente dito. Assim, por exemplo, posso ter agido mais egoisticamente do que era adequado ao meu caráter, visto que fui guiado por representações exageradas da necessidade na qual eu mesmo me encontrava, ou pela astúcia, falsidade, maldade dos outros, ou posso ter sido precipitado: numa palavra, agi sem ponderação, determinado não por motivos distintamente conhecidos in abstracto, mas por simples motivos intuitivos, pela impressão do presente e o afeto que este provocou, o qual foi tão violento que me privou do uso propriamente dito da razão. Mas aqui, portanto, o retorno da capacidade deliberativa não passa de conhecimento corrigido, do qual pode resultar arrependimento, que sempre dá sinal de si mesmo por reparação, até onde é possível, do acontecido. No entanto, deve-se notar que, para enganar a si mesmas, as pessoas fingem precipitações aparentes, que em realidade são ações secretamente ponderadas. Porém mediante tais truques sutis não enganamos nem adulamos ninguém, senão a nós mesmos. – Também o caso contrário ao mencionado pode ocorrer. Posso ser ludibriado pela confiança excessiva nos outros, ou pelo desconhecimento do valor relativo dos bens da vida, ou por algum dogma abstrato cuja crença doravante perdi, e assim [383] ser levado a agir menos egoisticamente do que é adequado ao meu caráter, com isso preparando um arrependimento de outro gênero. Portanto, o arrependimento sempre é o conhecimento corrigido da proporção do ato com a intenção real. – E assim como a Vontade que manifesta suas Ideias apenas no espaço, ou seja, mediante a simples figura, já encontra a resistência de outras Ideias, aqui forças naturais, que dominam a matéria e desse modo raramente permitem a irrupção perfeitamente pura e distinta, isto é, bela, da figura que se esforça por visibilidade; assim também a Vontade que se manifesta apenas no tempo, isto é, via ações, encontra uma resistência análoga no conhecimento, que quase nunca lhe fornece os dados inteiramente corretos, fazendo o ato não corresponder de maneira precisa e integral à Vontade, preparando dessa forma o arrependimento. Logo, o arrependimento sempre resulta do conhecimento corrigido, não da mudança da Vontade, o que é impossível. O peso de consciência [Gewissensangst] em relação a atos já cometidos não é arrependimento, mas dor sobre o conhecimento de nosso si mesmo, ou seja, como Vontade, Baseia-se na certeza de que sempre temos a mesma vontade. Se esta tivesse mudado e assim o peso de consciência fosse mero arrependimento, ela se superaria a si; pois o passado não poderia despertar dor alguma, visto que expunha a exteriorização de uma vontade que agoranão é mais a do arrependido. Adiante discutiremos em detalhes a significação desse peso de consciência. [SCHOPENHAUER, Arthur. O mundo como vontade e como representação. Primeiro Tomo. Tr. Jair Barboza. São Paulo: Editora UNESP, 2005, p. 383-384]