Filosofia – Pensadores e Obras

ideologias

VIDE ideologia

(in. Ideology; fr. Idéologie; al. Ideologie; it. Ideologia).

Esse termo foi criado por Destut de Tracy (Idéologie, 1801) para designar “a análise das sensações e das ideias”, segundo o modelo de Condillac. AI. constituiu a corrente filosófica que marca a transição do empirismo iluminista para o espiritualismo tradicionalista e que floresceu na primeira metade do séc. XIX. Como alguns ideologistas franceses fossem hostis a Napoleão, este empregou o termo em sentido depreciativo, pretendendo com isso identificá-los com “sectários” ou “dogmáticos”, pessoas carecedoras de senso político e, em geral, sem contato com a realidade (Picavet, Les idéologues, Paris, 1891). Aí começa a história do significado moderno desse termo, não mais empregado para indicar qualquer espécie de análise filosófica, mas uma doutrina mais ou menos destituída de validade objetiva, porém mantida pelos interesses claros ou ocultos daqueles que a utilizam.

Nesse sentido, em meados do séc. XIX, a noção de ideologia passou a ser fundamental no marxismo, sendo um dos seus maiores instrumentos na luta contra a chamada cultura “burguesa”. Marx de fato (cf. Sagrada família, 1845; Miséria da filosofia, 1847) afirmara que as crenças religiosas, filosóficas, políticas e morais dependiam das relações de produção e de trabalho, na forma como estas se constituem em cada fase da história econômica. Essa era a tese que posteriormente foi denominada materialismo histórico . Hoje, por ideologia entende-se o conjunto dessas crenças, porquanto só têm a validade de expressar certa fase das relações econômicas e, portanto, de servir à defesa dos interesses que prevalecem em cada fase desta relação. Foi exatamente com esse sentido que a ideologia foi estudada pela primeira vez em Trattato di sociologia generale (1916) de Vilfredo Pareto, apesar de, nesta obra, não ser usado o termo ideologia (que fora empregado em Sistemi socialisti, 1902, pp. 525-26). Em Pareto, a noção de ideologia corresponde à noção de teoria não-científica, entendendo-se por esta última qualquer teoria que não seja lógico-experimental. Segundo Pareto, uma teoria pode ser considerada: 1) em seu aspecto objetivo, em confronto com a experiência; 2) em seu aspecto subjetivo, em sua força de persuasão, 3) em sua utilidade social, para quem a produz ou a acata (Trattato, § 14). As teorias científicas ou lógico-experimentais são avaliáveis objetivamente, mas não nos outros modos, porque seu objetivo não é o de persuadir (Ibid., § 76). Portanto, só as teorias não científicas são avaliáveis com base nos outros dois aspectos. Ciência e ideologia pertencem, assim, a dois campos separados, que nada têm em comum: a primeira ao campo da observação e do raciocínio; a segunda ao campo do sentimento e da (Ibid., § 43). Com justeza foi frisada a importância dessa distinção, que, por um lado, torna impossível considerar verdadeira uma teoria persuasiva (ou útil) ou persuasiva (ou útil) uma teoria verdadeira e, por outro, permite “compreender antes de condenar e fazer a distinção entre o estudioso dos fatos sociais e o propagandista ou apóstolo” (Bobbio, “Vilfredo Pareto e la critica delle ideologia”, Riv. di Fil, 1957, p. 374). Do ponto de vista da análise da ideologia, a doutrina de Pareto estabeleceu um ponto importante: a função da ideologia é em primeiro lugar persuadir, dirigir a ação. Esse aspecto foi desprezado pelo outro teórico da ideologia, Mannheim. Este distinguiu um conceito particular e um conceito universal de ideologia. Em sentido particular, entende-se por ideologia “o conjunto de contrafações mais ou menos deliberadas de uma situação real cujo exato conhecimento contraria os interesses de quem sustenta a ideologia”. Em sentido mais geral, entende-se por ideologia a “visão do mundo” de um grupo humano, p. ex., de uma classe social. Segundo Mannheim, a análise de ideologia no primeiro sentido deve ser feita no plano psicológico; a análise da ideologia no segundo sentido deve ser feita no plano sociológico (Ideology and Utopia, 1953 1a ed. 19291, II, 1). Num e noutro caso al. é a ideia incapaz de inserir-se na situação, dominá-la e adequá-la a si mesma. Mannheim diz: “As ideologias são ideias situacionalmente transcendentes que nunca conseguem de fato atualizar os projetos nelas implícitos. Apesar de frequentemente se apresentarem como justas aspirações da conduta pessoal do indivíduo, quando levadas à prática, seu significado muitas vezes é deformado. A ideia do amor fraterno cristão, p. ex. numa sociedade fundada na servidão, é irrealizável e por isso ideológica, mesmo quando, para quem o entenda em boa , seu significado constitui um fim para a conduta individual.” (Ibid., IV, 1). Nisto a ideologia seria diferente da utopia, que chega a realizar-se. Como foi frequentemente observado (cf. Merton, Social Theory and Social Structure, 1957, pp. 489 ss.), o critério assim sugerido por Mannheim para a distinção (a ser estabelecida somente postfactum) entre ideologia e utopia, ou seja, a realização, inclui um círculo vicioso, pois o juízo sobre a adequação da realização, a avaliação dessa adequação só poderia ser feito com base numa distinção prévia entre ideologia e utopia.

A característica de ambas as doutrinas lembradas é a contraposição entre a ideologia e as teorias positivas, entre ideologia e ciência segundo Pareto, e entre ideologia e utopia (a teoria que se realiza), segundo Mannheim. Conquanto Pareto tenha feito a distinção entre juízo sobre a validade objetiva de uma teoria de juízo sobre sua força de persuasão e sobre sua utilidade social, a contraposição feita entre ideologia e teoria científica levou-o a constituir duas classes nitidamente distintas de teorias. Hoje está bem claro que, se uma teoria cientificamente verdadeira não tem, por isso força persuasiva (fora do campo dos as competentes), também está claro que teoria evidentemente falsa do ponto de : científico não pode ter força de persuasão muito tempo. Hoje, p. ex., ninguém faria qualquer forma de propaganda com base na não-existência dos antípodas. A força de persuade uma teoria não está presa de modo imutável à própria teoria, mas depende da camada social em que ela atua ou é utilizada. A verdade ou não-verdade científica da teoria certamente é um elemento do contexto, que, como os demais elementos, entra na constituição da força de persuasão da teoria. Portanto, deve-se frisar que o significado de ideologia não consiste, como achavam os escritores marxistas, no fato de ela expressar os interesses ou as necessidades de um grupo social, nem na sua verificabilidade empírica, nem em sua validade ou ausência de validade objetiva, mas simplesmente em sua capacidade de consolar e dirigir o comportamento dos homens em determinada situação. O alcance ideológico do princípio citado por Mannheim como exemplo, o amor fraterno, não reside no fato negativo de que esse princípio não se realize numa sociedade fundada na escravidão, mas no fato de, mesmo numa sociedade fundada na escravidão, esse princípio permitir controlar e dirigir a conduta de grande número de pessoas.

Em geral, portanto, pode-se denominar ideologia toda crença usada para o controle dos comportamentos coletivos, entendendo-se o termo crença , em seu significado mais amplo, como noção de compromisso da conduta, que pode ter ou não validade objetiva. Entendido nesse sentido, o conceito de ideologia é puramente formal, uma vez que pode ser vista como ideologia tanto uma crença fundada em elementos objetivos quanto uma crença totalmente infundada, tanto uma crença realizável quanto uma crença irrealizável. O que transforma uma crença em ideologia não é sua validade ou falta de validade, mas unicamente sua capacidade de controlar os comportamentos em determinada situação. [Abbagnano]