(in. Finalism; fr. Finalisme, al. Finalismus; it. Finalismo).
Doutrina que admite a causalidade do fim, no sentido de que o fim é a causa total da organização do mundo e a causa dos acontecimentos isolados. Essa doutrina implica duas teses: 1) o mundo está organizado com vistas a um fim; 2) a explicação de qualquer evento do mundo consiste em aduzir o fim para o qual esse evento se dirige. Essas duas teses frequentemente estão unidas ou confundidas, mas às vezes elas são diferentes e procura-se admitir uma sem admitir a outra. Segundo relato de Platão e de Aristóteles, Anaxágoras foi o primeiro dos antigos a admitir a causalidade do fim (Platão, Fed., 97C; Aristóteles, Met., I, 3, 984 b 18). Platão apresenta sua própria doutrina como uma consequência do princípio de Anaxágoras de que a inteligência é a causa ordenadora do mundo. “Se a inteligência ordena todas as coisas e dispõe cada coisa do modo melhor”, diz ele, “achar a causa graças à qual cada coisa é gerada, destruída ou existe significa descobrir qual é a sua melhor maneira de existir, modificar-se ou agir” (Fed., 97C). Desse ponto de vista o “melhor” ou o “excelente” é a “verdadeira” causa das coisas, ao passo que são causas secundárias ou concausas as de natureza física habitualmente aduzidas (Tim., 46 d; Fil., 54 c). Mas a doutrina graças à qual prevaleceu a concepção finalista na metafísica antiga e recente é a aristotélica. As duas teses próprias do finalismo são partes integrantes da metafísica aristotélica. Por um lado, Aristóteles afirma que “tudo aquilo que é por natureza existe para um fim” (De an., III, 12, 434 a 31) e identifica o fim com a mesma substância, “forma ou razão de ser da coisa” (Met., VIII, 4, 1044 a 31). Por outro lado, julga que o universo inteiro está subordinado a um único fim, que é Deus, do qual depende a ordem e o movimento do universo (Ibid., XII, 7, 1072 b). Com base nisso, Aristóteles defende a causalidade do fim contra a tese que ele chama de “necessidade”, consistente em admitir que as coisas não acontecem com vistas ao seu resultado melhor, mas que, às vezes, o resultado melhor é o efeito acidental da necessidade. De fato, assim como se diz que, dadas certas causas, necessariamente choveu, e que a chuva provocou acidentalmente a perda da colheita, sem que esta fosse a finalidade da chuva, po-der-se-ia tentar explicar do mesmo modo a forma dos organismos animais (Fís., II, 8, 198 b 17). Contra esse modo de raciocinar, Aristóteles observa que aquilo que acontece sempre ou geralmente não pode ser explicado com o acaso, mas supõe a necessidade da ação do fim (Ibid., II, 9, 200 a 5). Não encontramos, porém, em Aristóteles aquela forma popular da teleologia iniciada com os estoicos, que consiste em demonstrar que as coisas do mundo são feitas pela natureza em proveito do homem. O fundamento desta teleologia foi expresso por Cícero: “Para quem então poderíamos dizer que o mundo foi realizado? Evidentemente para os seres vivos dotados de razão, ou seja, para os deuses e para os homens; nada há de fato que seja mais excelente que eles, em virtude de a razão ser superior a tudo: assim, é crível que o mundo e tudo o que no mundo existe foi feito para os deuses e para os homens” (De nat. deor., II, 133). Em vista de sua estreita conexão com a teologia, entende-se por que o finalismo sempre serviu de fundamento para a metafísica teológica. Os escolásticos insistem sobre a superioridade causal do fim, que chamam de “causa das causas”. Tomás de Aquino, seguindo as pegadas de Aristóteles, resolve na causalidade do fim a necessidade própria dos movimentos naturais. “A necessidade natural que inere nas coisas e as dirige”; escreve ele, “chega às coisas imprimida por Deus, que as destina a um fim, do mesmo modo como a necessidade com que a flecha se desloca e graças à qual se dirige para o alvo foi-lhe imprimida por quem a lançou e não pertence à flecha” (S. Th., I, q. 103, a. 1). Este é o pensamento fundamental que domina e torna extraordinariamente uniformes todas as teorias finalistas, tão abundantes na história da finalismo até os nossos dias. Hegel considerou uma grande inovação a sua doutrina do fim como do “próprio conceito em sua existência”, e da finalidade como determinação imanente à natureza; contrapôs essa doutrina a outra que considerava tradicional, para a qual um intelecto “terreno” impõe, de fora, seus fins à natureza (Wissenschaft der Logik, III, seç. II, cap. III; trad. it., pp. 216 ss.). Mas na realidade, como os textos até agora citados provam na história da finalismo, não existe doutrina de finalidade extrínseca e imposta por um intelecto extraterreno, visto que, por finalidade do mundo, tanto Aristóteles quanto os estoicos e Tomás de Aquino entendem a razão de ser do mundo, sua necessidade imanente: Tomás de Aquino identifica explicitamente a impressio de Deus sobre a natureza com a “necessidade inerente às coisas”. Como tal, a necessidade é sempre imanente à totalidade cuja organização constitui. E como já observava Aristóteles, sob este aspecto o finalismo não muda, quer se trate de totalidades naturais, quer se trate de totalidades artificiais; na construção de uma casa o fim penetra o material utilizado e não inere a ele de maneira diferente daquele com que inere às partes de um organismo (Fís., II, 9, 200 a 34). Em todos os casos, para usar a expressão de Hegel, o finalismo é o próprio conceito na sua existência: a realização de um conceito que desde o início dirige e governa essa mesma realização. Portanto, a polêmica de Hegel contra “o intelecto extraterreno” é teológica — contraposição de uma tese panteísta a uma tese teísta —, mas não concerne ao finalismo. Significação diferente tem a distinção entre finalidade interna e finalidade externa feita por Schopenhauer, que no entanto mantém inalterado o conceito tradicional de finalismo, apesar de sua tese sobre o caráter irracional e desordenado da força que rege o mundo. Para Schopenhauer, finalidade interna é “a harmonia de todas as partes de um organismo, de tal modo que a conservação deste e de sua espécie seja objetivo desta harmonia”. Finalidade externa é, pelo contrário, a “relação da natureza inorgânica com a orgânica ou de partes da natureza orgânica entre si, o que possibilita a conservação da natureza orgânica toda e das espécies individuais” (Die Welt, I, § 28). Por outro lado, nesse aspecto a doutrina de Bergson não constitui uma inovação do finalismo tradicional. No que se refere à finalidade orgânica, Bergson declarou-se contrário ao “mecanismo radical” e ao “finalismo radical”, reconhecendo em ambos a negação do caráter “imprevisível” ou “criador” da evolução vital. A harmonia — diz ele — deve encontrar-se atrás e não à frente dessa evolução. “O futuro não está contido no presente sob a forma de um fim representado. Entretanto, uma vez realizado, explicará o presente assim como o presente o explicava, e ainda melhor; deverá ser considerado fim, mais que resultado. Nossa inteligência tem o direito de considerá-lo abstratamente do seu ponto de vista habitual, visto que ela mesma é uma abstração realizada sobre a causa da qual emana” (Évol. créatr., 8a ed., 1911, cap. I, p. 57). Mas tampouco esta determinação feita por Bergson inova muito o conceito clássico de finalismo, cuja natureza não consiste, como julga Bergson, em negar os caracteres imprevisíveis ou novos que emergem durante a realização do fim, mas unicamente em admitir a causalidade do fim e em considerar essa causalidade como princípio de explicação. A doutrina de Bergson não contribui para inovar esses dois aspectos, podendo, pois, ser reintegrada na concepção clássica de finalismo, assim como podem ser reintegradas nessa concepção as doutrinas que, apesar de admitir o mecanismo, consideram-no compreendido no finalismo geral da natureza, e a ele subordinado, como fazem Leibniz (Op., ed. Gerhardt, III, p. 607; IV, p. 284), Lotze (Mikrokosmus, 1856, I) e, com eles, muitos espiritualistas contemporâneos.
É só com a interpretação de Kant que o finalismo se inova significativamente. Essa interpretação nega a 2- tese do finalismo, segundo a qual explicar um fenômeno significa aduzir o objetivo. Para Kant, a explicação dos fenômenos só pode ser causal, e o juízo teleológico é reflexivo, não determinante, ou seja, não apreende um elemento constitutivo das coisas, mas um modo subjetivo, porquanto inevitável para o homem representá-las. “Há uma diferença absoluta entre dizer que a produção de certas coisas da natureza, ou mesmo de toda a natureza, só é possível por meio de uma causa que se determina a agir segundo fins, e dizer que, segundo a natureza particular de minha faculdade cognoscitiva, só posso julgar da possibilidade das coisas e de sua produção concebendo uma causa que aja segundo fins, portanto um ser que produza de modo análogo à causalidade de um intelecto. No primeiro caso quero afirmar alguma coisa do objeto, e- sou obrigado a demonstrar a realidade objetiva do conceito que admito; no segundo caso a razão só faz determinar o uso de minhas faculdades cognoscitivas, de acordo com sua natureza e com as condições essenciais de seu alcance e de seus limites” (Crít. do juizo, § 75). Do segundo ponto de vista, que é o proposto por Kant, o finalismo não passa de conceito regulador do uso do intelecto humano: uso oportuno e necessário pelo fato de que o intelecto humano encontra limites bem precisos na explicação mecânica do mundo, sendo, pois, levado a recorrer a uma consideração complementar. Esta, contudo, nunca pode valer como explicação, e sua única função é ajudar a procurar as leis particulares da natureza (Ibid., § 78). Esse ponto de vista kantiano (recentemente renovado por N. Hartmann, Philosophie der Natur, 1950), enquanto nega ao finalismo qualquer valor cognoscitivo e científico, atribuiu-lhe uma espécie de validade subjetiva, entre estética e moral, que se deve à limitação inevitável do conhecimento humano. Obviamente, a interpretação kantiana do finalismo repousa na tese dos adversários do finalismo, que nega poder explicativo ao finalismo Só esta negação constitui, na realidade, o abandono do finalismo e só as razões que o apoiam constituem uma autêntica crítica a ele. Na realidade, o finalismo não é uma generalização empírica a partir da consideração de certo número de exemplos teleológicos; tampouco uma “disteleologia”, ou seja, uma lista de casos contrários ao finalismo, é uma crítica decisiva ao finalismo A doutrina de Platão e de Aristóteles a respeito, particularmente a deste último, mostra claramente o fundamento do finalismo: a crença em que a única explicação possível dos acontecimentos é a que aduz o objetivo pelo qual aconteceram. Para Platão e para Aristóteles, o objetivo é a forma ou a razão de ser da coisa, e a determinação do objetivo é a explicação causal da coisa. Começou-se a duvidar desse princípio só na idade moderna. O epicurismo, que, com Lucrécio, negava o finalismo aduzindo que ele põe antes o que vem depois (p. ex., a visão antes do olho — Lucrécio, De rer. nat., IV, 829 ss.), não constitui a negação desse princípio. A primeira crítica a ele pode ser encontrada na escolástica do séc. XIV, em G. Ockham, que, em primeiro lugar, mostra que a ação do fim só pode consistir em impelir a causa eficiente a agir e, em segundo lugar, que essa ação é puramente metafórica (In Sent., II, q. 3 G). Ockham observa que a ação do fim só poderia consistir em ser desejado ou amado e que isso demonstra o caráter metafórico dessa ação. Não tem sentido perguntar a causa final das ações naturais, que se verificam com uniformidade; p. ex., não tem sentido perguntar com que fim o fogo é gerado, pois não é preciso que haja um fim para que o efeito se produza (Quodl., IV, q. 1). Esta talvez tenha sido a primeira crítica feita ao valor explicativo do finalismo Alguns séculos depois, a causa final era completamente desprezada na explicação que Telésio tentava dar do mundo natural (De rer. nat., 1565). E Bacon excluía explicitamente da investigação experimental a consideração do fim (Nov. Org., II, 2). Dizia: “A investigação das causas finais é estéril: assim como uma virgem, consagrada a Deus, nada gera” (Deaugm. scient, III, 5). Por sua vez, Galilei (Op., VII, p. 80) e Descartes (Princ.phil, III, 3) eliminaram da ciência a consideração da causa final, e Spinoza contrapôs a necessidade com que as coisas provêm da natureza divina ao finalismo, que considerou um preconceito, contrário à ordem do mundo e à perfeição de Deus (Et., I, 36, Ap.). A partir dessa época, que marca a origem da ciência moderna, o finalismo deixou de valer como procedimento de explicação científica.
Verdade é que sempre se insinuou nas lacunas deixadas pela explicação mecanicista do mundo e sempre foi considerado complemento desta explicação, além dos limites por ela alcançados. Isso aconteceu principalmente no domínio das ciências biológicas ou na especulação filosófica sobre os resultados dessas ciências. Apesar dos sucessos obtidos nesse campo pelo estudo físico-químico dos fenômenos biológicos, frequentemente se reconheceu o malogro ou mesmo a impossibilidade de se reduzirem esses fenômenos a princípios mecanicistas. As várias formas de vitalismo são caracterizadas por esse reconhecimento, portanto, pelo recurso da uma explicação teleológica dos fenômenos vitais. Esse recurso, todavia, pareceu inevitável só na medida em que cientistas e filósofos formularam hipóteses globais sobre a origem e a natureza da vida, uma vez que o trabalho propriamente científico, ao qual se devem os sucessos da biologia e da medicina contemporânea, não empregou outros instrumentos, materiais ou conceituais, que não pertencessem às ciências naturais. Esse trabalho, portanto, nunca precisou da hipótese finalista. Por outro lado, a situação hodierna é caracterizada por: 1) reconhecimento da originalidade dos fenômenos orgânicos em relação aos fenômenos físico-químicos, sem que tal originalidade represente um caráter finalista (v. evolução; vitalismo); 2) abandono do ideal da explicação mecânica, de tal modo que deixou de existir a diferença radical que, com base no êxito dessa explicação, vinha-se estabelecendo entre fenômenos físicos de um lado e fenômenos biológicos e antropológicos de outro lado (V. causalidade; explicação). Em virtude desta situação, por um lado alijou-se a causalidade do fim do domínio da evolução orgânica, e por outro lado a ação dessa causalidade, tal qual se admite no homem, pode não ser considerada diferente da ação da causalidade natural. Sobre a primeira questão, Simpson afirma: “Objetivo e plano não são características da evolução orgânica e não constituem a chave para nenhuma de suas operações, mas são características da nova evolução (social ou histórica) porque o homem tem objetivos e planos. Aqui objetivo e plano entram definitivamente na evolução, como resultado e não como causa dos processos que a longa história da vida nos mostra. Os objetivos e os planos são nossos, não do universo, que nos apresenta indícios convincentes da ausência deles” (The Meaning of Evolution, 1952, p. 292). Mas, por outro lado, os objetivos e os planos não constituem uma forma de causalidade à parte, que faça do mundo no qual se verificam um domínio privilegiado ou especial do ser. No mundo humano a causalidade do fim foi reintegrada na motivação que não difere formalmente da explicação causal (C. G. Hempel-P. Oppenheim, “The logic of explanation”, em Readings in the Phil. of Science, 1953, pp. 327-28); ou foi descrita em termos de comportamento que implicam ainda menos referência a um tipo de explicação específica (Roseblueth-Wiener-Bigelow, em Philosophy of Science, 1943, pp. 18 ss.).
Em conclusão, o finalismo, hoje considerado inútil em todos os campos de explicação científica, permanece como característica das correntes metafísicas que consideram modesta demais para a filosofia a tarefa de criticar os valores para corrigi-los ou conservá-los, propondo-se a tarefa de demonstrar que os valores são garantidos pela própria estrutura do mundo onde o homem vive e que eles constituem o fim dessa estrutura. O finalismo perdeu completamente o caráter científico que possuía originariamente na Grécia antiga e permanece apenas como uma das tantas esperanças ou ilusões às quais o homem recorre na falta de procedimentos eficazes ou em substituição deles. [Abbagnano]