Filosofia – Pensadores e Obras

bondade

(lat. bonitas; in. Goodness; fr. Bonté; al. Gütigheit; it. Bonta).

Em sentido lato, excelência de um objeto qualquer (coisa ou pessoa). Diz, p. ex., Tomás de Aquino: “A bondade que em Deus está de modo simples e uniforme, nas criaturas está de modo múltiplo e dividido” (S. Th., 1, q. 47, a. 1). As discussões dos sécs. XVII e XVIII a propósito da bondade de Deus como móvel da criação (cf. Leibniz, Théod., II, §§ 116 ss.) fundaram-se num significado mais restrito do termo, que foi expresso claramente por Baumgarten: “A bondade (benignidade) é a determinação da vontade de fazer bem aos outros. O benefício é a ação útil ao outro, sugerida pela bondade” (Met., § 903). Nesse sentido, a bondade identifica-se com o que Aristóteles chamava de benevolência (eunois) (Et. Nic, VIII, 2, 1.155 b 33). Os dois significados desse termo estão vivos no uso comum. [Abbagnano]


A bondade em um sentido absoluto, em contraposição à “prestabilidade” ou à “excelência” na Antiguidade greco-romana, tornou-se conhecida em nossa civilização somente com o advento do cristianismo. Desde então, reconhecemos nas boas obras uma importante variedade entre as ações humanas possíveis. O notório antagonismo entre o cristianismo primitivo e a res publica – tão admiravelmente resumido na fórmula de Tertuliano: nec ulla magis res aliena quam publica (“nada nos é mais alheio que o que tem importância pública”) [Tertuliano, Apologeticus, 38] – é compreendido usualmente e de modo correto como consequência de antigas expectativas escatológicas, cuja significação imediata somente se perdeu depois que a experiência havia ensinado que nem mesmo a queda do Império Romano significava o fim do mundo. [Essa diferença de experiência talvez explique, em parte, a diferença entre a grande sanidade de Agostinho e a noção terrivelmente concreta de política de Tertuliano. Ambos eram romanos e profundamente formados pela vida política de Roma.] No entanto, a além-mundanidade [otherworldliness] do cristianismo tem ainda outra raiz, talvez ainda mais intimamente relacionada com os ensinamentos de Jesus de Nazaré, e de qualquer forma tão independente da crença na perecibilidade do mundo que temos a tentação de ver nela a verdadeira razão interna pela qual a alienação cristã em relação ao mundo pôde sobreviver tão facilmente à óbvia frustração de suas esperanças escatológicas.

A única atividade que Jesus ensinou, por palavras e atos, foi a atividade da bondade, e a bondade abriga obviamente uma tendência de evitar ser vista e ouvida. A hostilidade cristã em relação ao domínio público, a tendência pelo menos dos primeiros cristãos de levar uma vida o mais possível afastada do domínio público, pode também ser entendida como uma consequência evidente da devoção às boas obras, independentemente de qualquer crença ou expectativa. Pois é claro que, no instante em que uma boa obra se torna pública e conhecida, perde o seu caráter específico de bondade, de não ter sido feita por outro motivo além do amor à bondade. Quando a bondade aparece abertamente já não é bondade, embora possa ainda ser útil como caridade organizada ou como um ato de solidariedade. Daí: “Não dês tuas esmolas perante os homens, para seres visto por eles. A bondade só pode existir quando não é percebida, nem mesmo por aquele que a faz; quem quer que se veja a si mesmo no ato de fazer uma boa obra deixa de ser bom: seria, no máximo, um membro útil da sociedade ou zeloso membro da Igreja. Daí: “Que a tua mão esquerda não saiba o que faz a tua mão direita.

Talvez seja essa curiosa qualidade negativa da bondade, a ausência de manifestação fenomênica exterior, o que torna o aparecimento de Jesus de Nazaré na história um evento tão profundamente paradoxal; certamente parece ser por isso que ele pensava e ensinava que nenhum homem pode ser bom: “Por que me chamais de bom? Ninguém é bom a não ser um, isto é, Deus. [Lc 8,19. O mesmo pensamento ocorre em Mt 6,1-18, em que Jesus adverte contra a hipocrisia, contra a aberta exibição da piedade. A piedade não pode “aparecer para os homens”, mas somente para Deus, que “vê em segredo”. É verdade que Deus “recompensará” o homem, mas não, como diz a tradução clássica, “abertamente”. A palavra alemã Scheinheiligkeit expressa muito adequadamente esse fenômeno religioso, no qual a mera aparição já é hipocrisia.] A mesma convicção se expressa no relato talmúdico dos 36 homens justos, em atenção aos quais Deus salva o mundo, e que também não são conhecidos de ninguém, muito menos de si mesmos. Isso nos lembra a grande percepção de Sócrates de que nenhum homem pode ser sábio, da qual nasceu o amor à sabedoria, ou filo-sofia [philo-sophy]; todo o relato da vida de Jesus parece atestar o quanto o amor à bondade resulta da compreensão de que nenhum homem pode ser bom. [ArendtCH:10]