A escola peripatética, como associação legal reconhecida pela cidade, foi fundada não por Aristóteles, que era meteco, mas por Teofrasto, a quem legou seus bens em um testamento, que ainda existe. A escola tornou-se, então, uma entidade cultural consagrada às musas, tendo como propriedade comum e inalienável as casas e jardins legados por Aristóteles, composta de membros de mais idade, que elegiam o escolarca, e de membros mais jovens, encarregados de organizar, a cada nova lua, as refeições comuns, para as quais se convidavam pessoas estranhas à escola. O trabalho filosófico era, pois, coletivo. A vida da escola, ademais, não era fácil; suspeita de tendências macedônicas e pouco simpática aos atenienses, foi, muitas vezes, ameaçada. Quando o macedônio Demétrio de Falérios, no ano 307, se viu obrigado a deixar a cidade de Atenas, começaram, contra os simpatizantes dos macedônios, represálias dirigidas por Demócares, sobrinho de Demóstenes, que visaram, de início, aos peripatéticos. Teofrasto teve que abandonar Atenas. A partir desse momento, afrouxaram-se os laços que uniam o peripatetismo a Atenas. Os discípulos de Aristóteles puseram-se a trabalhar, voluntariamente, na cidade, cujo nome começara a obscurecer o resplendor de Atenas: Alexandria. [Wilamowitz-Moellendorf, Antigonos von Karystos, 1881, p. 264; Ziebarth, Das griechische Vereinswesen, 1896, pp. 71 e sq.]
Esta afinidade dos peripatéticos com a cidade da erudição é muito natural. E, com efeito, no sentido das investigações experimentais que se orientam os discípulos de Aristóteles: botânicos, zoólogos, historiadores obedecem ao poderoso impulso dado pelo mestre em relação a pesquisas especiais. São Eudemo, Aristóxeno de Tarento e, sobretudo, Teofrasto de Eresso (372-288), cujo fragmento da Metafísica começa pela afirmação de um contato íntimo e uma espécie de comunidade entre as realidades inteligíveis e os objetos da física. [Editado por Brandis, com a Metafísica de Aristóteles, Berlim, 1823, p. 308, 8.] Os exageros do finalismo de Aristóteles, oposto à experiência, parecem haver-lhe causado grande impressão (320, 12 e sq.). Suas coleções botânicas foram conservadas, bem como as numerosas monografias físicas que versam a prognose das tempestades, os ventos e a água, e toda classe de fatos geológicos. [Fragmento de seu tratado sobre a água, descoberto no The tíibbèh Papyn de Grenfell, I, n.° 16, por Blass.] E, ainda, os célebres Caracteres, que ressaltam bem a tendencia da moral peripatética na observação de detalhes; sua história das. Opiniões Físicas, que se tornou uma das fontes principais dos doxógrafos gregos; finalmente, as pesquisas históricas de detalhe sobre os prítanes de Eresso, tudo assinala nitidamente a orientação da escola. Teofrasto não se ocupa de religião senão á maneira de um historiador ou antropólogo. Manifesta dúvidas quanto à natureza da divindade, que reconhece, tanto num Espírito, quanto no céu ou nas estrelas. São frequentes detalhes positivos, os quais ele enumera, por exemplo, na crítica aos sacrifícios sangrentos, cujo caráter serôdio põe em evidência, e que repudia por motivo do parentesco entre homens e animais, não postulado em dogma, mas estabelecido pela observação positiva dos germes da razão entre os animais. [Extraído por Porfírio em seu tratado Da abstinência.] Encontram-se as mesmas tendências em Clearco de Soles, que reúne com fins puramente históricos as superstições acerca da vida futura. [Segundo Proclo, Comentário sobre a República, ed. Kroll, II. p. 114.]
O aristotelismo, que foi, muitos séculos depois, o dogmatismo mais rígido que existiu, era então a mais liberal das escolas. Vê-se Clearco de Soles abandonar em astronomia a teoria das esferas peia teoria dos epiciclos; e, sobretudo, os princípios fundamentais da física de Aristóteles [Plutarco, De orbe in facie lunae. cap. IV.] são atacados pela doutrina de Estráton de – Lâmpsaco (morto em 270), que foi, na corte do Egito, de 300 a 294, o preceptor do segundo Ptolomeu. Em uma fórmula exatamente inversa à de Aristóteles, ensina que o acaso precede a natureza; e, de fato, deixando de lado a doutrina dos lugares naturais e da causa final, admite apenas como força ativa a gravidade: observa, além disso, com cuidado não comum, o movimento da queda, e demonstra a aceleração, fazendo ver que a força com a qual o corpo grave encontra um obstáculo cresce com o espaço percorrido. Deduz, também, da ação da gravidade, o lugar relativo dos quatro elementos, de baixo para cima; o elemento inferior, comprimido, faz surgir de seu interior, como uma esponja ao ser comprimida, o elemento superior, que se coloca, assim, na superfície. Não há, bem entendido, o éter, e o céu é de natureza ígnea. As diferenças de peso que há entre esses corpos são devidas aos vácuos maiores ou menores que contêm, e o vácuo fica provado pela transmissão da luz e do calor, que não se pode transmitir a não ser por meios materiais. Assim, uma ordem natural (sem dúvida, eternamente a mesma) pode nascer de simples causalidade mecânica: queda, condensação e tração tudo explicam. Não há outro deus senão a natureza, que, sem sentimento ou forma alguma, produz e engendra todos os seres. A forma não tem a imobilidade que lhe atribuía Aristóteles; o ponto inicial e o ponto final do movimento nascem e perecem como o próprio movimento.
Citemos, ainda, o historiador Dicearco, que, em sua história resumida do povo grego [Conhecida por intermédio de Porfírio, Da abstinência, liv. IV, cap. II.], retoma, com um método positivo, a velha narrativa hesiódica das origens da história, distinguindo, como idades sucessivas, a idade de ouro, em que os homens vivem em lazer e paz; a idade nômade, em que, com a domesticação dos animais, começam a propriedade, as rapinas e a guerra; e a idade agrícola, em que esses traços se acentuam.
Mais tarde, Critolau, que dirige a escola, de 190 a 150, é muito pouco peripatético. O deus supremo torna-se uma razão saída do éter impassível; a alma é também um éter racional; e parece ter sido ele, quem, em moral, expôs, com precisão, a doutrina considerada nos séculos subsequentes como característica do peripatetismo: depois dele, a vida conforme à natureza não pode cumprir-se senão com três gêneros de bens: bens da alma. bens do corpo e bens exteriores.
Especialização e tendência a um racionalismo implicitamente hostil à religião, tais são os traços do aristotelismo fenecente, filosofia pouco popular e que vai cedendo ante o êxito universal dos dogmatismos surgidos imediatamente após a morte de Alexandre. Eles derivam não de Platão e de Aristóteles, mas de escolas de um gênero diferente, provenientes, elas também, do socratismo, assunto que será tratado a seguir. [Bréhier]