Filosofia – Pensadores e Obras

epistemologia tomista

Historicamente, nós o sabemos, a filosofia antiga se desenvolvera de modo natural sobre a base do realismo da inteligência. As críticas que acabamos de ouvir devem nos conduzir a abandonar essa posição inicial, isto é, à renúncia de partir do ser para tomar, inversamente, nosso ponto de partida no pensamento puro, no Cogito cartesiano, por exemplo, ou na posição incondicionada do eu, tal como o preconiza o idealismo de um Fichte?

E desde já, que consequências iniciais e imediatas acarretam, precisamente, para o realismo, as críticas formuladas acima?

Objeções céticas. Estas objeções repousavam fundamentalmente, como vimos, sobre a constatação do erro. Enganamo-nos às vezes Seguir-se-á daí que nosso espírito se engana sempre e que, portanto, é impotente para alcançar a verdade? Engano-me algumas vezes, portanto devo sempre me enganar… Quem não vê que esta consequência é um sofisma! Que significação poderia ter para mim o fato de me enganar, se não soubesse, por outro lado, o que é a verdade, ou o que é não se enganar? Mais radicalmente: se me engano sempre, será que não me engano no momento em que afirmo que estou fatalmente no erro? O ceticismo completo, Aristóteles já o observara, é destruidor de si mesmo. Aquele que duvida somente pode ser consequente consigo mesmo abstendo-se de afirmar e mesmo de dar o menor sinal, isto é, comportando-se como um cepo. O que o fato psicológico do erro, evidentemente incontestável, nos impõe determinar é a natureza verdadeira da verdade e do seu contrário, o erro, assim como os meios de distinguir uma de outro: tal fato postula a instituição de uma criteriologia, e nada mais.

Imanência do conhecimento. É impossível, nos é dito, fazer reunir no conhecimento um sujeito e um objeto previamente separados um do outro; por outro lado, a atividade intelectual é imanente ao sujeito pensante; um além do pensamento é impensável. Fórmulas como esta poderiam receber um sentido aceitável; mas tais como se apresentam e na significação que se pretende lhes emprestar, falseiam completamente a posição de um realismo são. Em tal filosofia, não se trata de modo algum de procurar estabelecer uma ponte entre dois mundos previamente separados e opostos, o do pensamento e o da coisa em si: o fato desta união pertence ao dado primitivo; a coisa só me aparece nas suas relações com o pensamento. O que se torna problema é o como e não a existência de um liame entre o espírito e o real. Mas, insistir-se-á, este liame repousa sobre uma suposição impossível, a de um pensamento que sai de sua imanência para penetrar nas coisas. Este modo de encerrar um ser sobre si mesmo, responderíamos, não corresponde a uma concepção demasiado materialista da interioridade? Em outros termos, quem me diz que, mesmo sendo imanente, uma atividade não pode ao mesmo tempo possuir uma dimensão transcendente? No momento em que penso, tenho, com efeito, o sentimento de conservar em mim minhas ideias, mas ao mesmo tempo eu as considero como me colocando em relação com um mundo exterior à minha consciência. Existe, certamente, algo de misterioso nesta compenetração de seres que parece se realizar no conhecimento. Mas não se vê bem porque a isto opor-se-á, a priori, uma inaceitação.

A atividade do conhecimento. O pensamento é ativo, criador mesmo, na elaboração das ciências e até mesmo nos seus atos elementares: é um fato incontestável. Mas segue-se daí que o pensamento seja uma faculdade de determinação absoluta e apriorística do seu objeto? A mais rudimentar análise reflexiva não nos assegura que o conhecimento é também passividade, ou que, se o objeto nos aparece sob uma certa relação construída por nós, sob outros aspectos ele se manifesta como dado, e mesmo que este aspecto de dado parece se impôr de maneira primitiva? Em todo caso é necessário examinar as coisas de perto e não é de modo algum evidente que o conhecimento seja determinação absoluta de um objeto ou atividade pura. Dizer, por exemplo, que a inteligência é um poder de síntese a priori, é traduzir de modo incompleto o que nós é dado espontaneamente no juízo: a realidade experimentada é mais complexa. De outro lado, esta aspiração à autonomia ou este desejo de liberdade ou de franquia, que se crê reconhecer na raiz mesma da vida do espírito, pode corresponder a algo de autêntico em nós, sem que seja negada a priori toda dependência desse mesmo espírito. Talvez exista um espírito perfeitamente autônomo, mas nada nos diz que esse espírito deva ser o nosso, que nos parece, ao contrário, tão relativo em outra coisa.

Podemos concluir, portanto, que, se colocam um certo número de problemas que convém, com efeito, resolver problemas das relações no conhecimento da verdade e do erro, da imanência e da transcendência, da atividade e da passividade – os fatos alegados acima não nos inclinam de modo algum a renunciar a priori ao realismo, ou a afirmar que o ser é redutível ao pensamento. Não nos é, de maneira alguma, imposto partir de uma outra suposição que não aquela do realismo. Isto é possível? É o que convém examinar agora. [Gardeil]