Pode-se perguntar — e já se tem perguntado — se os humanistas eram verdadeiros “filósofos”. E é verdade que não produziram nenhuma “filosofia”. Mas mergulharam numa corrente de pensamento que conduzia de uma filosofia a outra. A Renascença, ao mesmo tempo que era ação, afirmava-se também como reação. Voltava-se contra uma época ou uma concepção da vida que tinha demasiada pressa em sepultar e, diante de valores novos, desfazia-se com excessiva facilidade dos velhos. A crítica dos humanistas, entretanto, não se dirigiu desde o começo contra o fundo, mas visou sobretudo o método. Deixava ou fingia prudentemente deixar de lado os dogmas para ater-se aos textos, e a dialética era substituída pela filologia. Trabalho inocente na aparência, mas que levava longe. Restabelecia-se o sentido e a origem dos textos, que eram esmiuçados e relacionados uns com os outros ou com fontes comuns. Tudo isso era ótimo, enquanto se tratava apenas de livros profanos, mas a inteligência contraía assim certos hábitos e surgiriam questões mais espinhosas quando se chegasse aos livros sagrados.
Não temos a citar aqui senão alguns nomes que pertencem mais à literatura do que à filosofia propriamente dita. Lourenço Valla, de Roma, e o frisão Rodolfo Agrícola atacam Aristóteles criticando-lhe o método e lançando suspeitas sobre a sua moral, a que opõem ainda a moral cristã. O famoso Erasmo de Roterdão, padre, levou pelo amor ou pela ciência das Letras uma vida peregrina e recolheu e difundiu as máximas dos antigos nos Colóquios, nos Apotegmas e no Elogio da Loucura. Exprimia-se numa linguagem bastante livre para se tomar suspeito aos protestantes como aos católicos e merecer as censuras da Sorbona, Parecia hesitar entre os dois partidos, embora defendesse o livre arbítrio contra Lutero e fosse amigo de Tomás More, mártir da fé ortodoxa.
Em Ramus, ou Pierre de la Ramée, temos um grande humanista francês. De origem campônia e nascido em 1515, foi um autodidata, criado que era de um aluno do Colégio de Navarra, e sustentou publicamente que tudo o que se encontra em Aristóteles não passa de “falsidade”. Voltou à carga contra o Estagirita em diversos tratados, o que fez com que fosse condenado pela Universidade de Paris. Isto não o impediu de tornar-se, em 1545, reitor do Colégio de Presles e, em 1551, professor da escola régia que se converteria mais tarde no Colégio de França. Fez-se protestante e pereceu, em 1572, na chacina da noite de S. Bartolomeu.
Escrevera em francês uma Dialética (1555) dedicada a seu protetor o Cardeal de Lorena e onde se tem querido ver um sinal precursor do Discurso do Método. Nessa obra distinguia uma “dialética natural” que compreendia a invenção, isto é, a busca ou o descobrimento das ideias comuns, e o juízo, que as ordena; e uma “dialética artificial”, que consistia na expressão da primeira. Eram prescritos e descritos exercícios práticos. Vemos que perspectivas se abriam dessa forma. Encontrou logo seguidores entusiastas e o “ramismo” tornou-se uma filosofia da moda. Era sobretudo uma “lógica” e tem-se pensado encontrar vestígios seus na Lógica de Port-Royal. Ramus granjeou renome mundial, e sustentado na França por Omer Talon, na Inglaterra por Milton e W. Temple, na Alemanha por Fabricius, na Holanda por Arminius e por outros em outros países. O “ramismo”, todavia, apresenta um valor mais histórico do que fundamental; dele não poderíamos hoje aproveitar quase nada e Aristóteles não foi de forma alguma abalado pelos seus ataques. Mas não deixa de ser apreciável exemplo de uma nova orientação do espírito.
Os humanistas eram mais eruditos do que pensadores e realizavam sobretudo tarefa de literatos. Embora vacilassem quanto ao partido a tomar em religião, não foram, pelo menos os dessa geração inicial, anti-religiosos ou ateus. Continuam, como eles mesmo dizem, respeitadores das crenças e alguns até são animados de sentimentos piedosos. Basta pensar, por exemplo, num Casaubon, de quem Sainte-Beuve nos deixou um dos seus retratos mais felizes, mostrando-o entregue à oração ao nascer do dia, antes de se pôr ao trabalho. Mas era assim que se forjavam armas de que outros se serviriam para um uso diferente. [Truc]