Filosofia – Pensadores e Obras

terceiro

52. Um deus é o «terceiro» que devemos procurar sempre que se nos deparam dois; dois são homem e mundo. Homem por si não se afeiçoa a mundo, nem mundo por si se afeiçoa a homem; homem defronta-se com mundo; mundo é o que homem não é, homem é o que não é mundo. O que se nega do homem é o que se afirma do mundo, e o que se nega do mundo é o que se afirma [75] do homem. Homem e mundo firmam-se em si mesmos, um diante do outro. Se há momentos de concórdia, através da discordância, esses se devem a que o «terceiro» se afirma como o conciliador. E se concilia, se concerta o desconcerto, é porque ele é o concertante de todos os desconcertos. Homem se afeiçoa ao mundo e mundo se afeiçoa ao homem quando intervém o que num e noutro imprime sua própria feição. Mundo e homem, um a outro se afeiçoam, no afeiçoarem-se ambos ao deus que já antes tinha a feição em que se dá o afeiçoamento. O «terceiro» é, na realidade, o primeiro, para quem não tem alma que repouse na contradição. «Onde vejas dois, procura o terceiro» é fórmula (caída da boca de um colega e amigo) que resumiria algumas páginas de Schelling, designadamente, do Bruno e das Idades do Mundo. Por mim, não vejo como a fórmula formula o conteúdo dessas páginas. Não digo que não possa formulá-lo, mas só que, por ora, não me aparece claramente como o formula. O que nelas leio é uma tangência à dialética. Mas a fórmula parece-me inteiramente válida como breve expressão do complementar e do simbólico. Idades do Mundo data de 1813, Bruno, de 1802. Deste mesmo ano, a Filosofia da Arte, em que se lê esta proposição: «Representação do Absoluto com absoluta indiferença do geral e do particular, no particular [o relevo é de Schelling], só é possível simbolicamente» (vol. v, p. 406), e poucas linhas adiante, acrescenta que a mesma representação é «arte» e que a matéria geral da arte é «mitologia». Estas poucas palavras não se podem arrancar violentamente do seu contexto sem cometer a falta gravíssima de desentender o pensamento do filósofo. Que nos perdoem os especialistas. Fazemo-lo por não achar melhor expressão de como se ergue o símbolo à sua autêntica dignidade, e bem dá a entender que complementares não sejam apenas duas coisas que, juntas, reproduzem outra que se dividira em duas. [EudoroMito:75-76]