Filosofia – Pensadores e Obras

problema filosófico

Como saber que se busca, repousa a filosofia numa atitude essencialmente problemática, pois o homem existe indagando, uma vez que se encontra perdido entre as coisas e diante das coisas. Para o homem indagador — para o filósofo — atirado na confusão das coisas, sua única saída é formar, como diz Ortega y Gasset, um repertório de opiniões, crenças, técnicas ou atitudes íntimas com relação a elas. Com este fim mobiliza suas faculdades mentais, traçando um plano de atenções diante de cada coisa e de seu conjunto ou universo.

Evidentemente, a filosofia deve ser estudada — e ensinada — não em virtude da resposta precisa que proporciona aos problemas que ela própria suscita, mas sim em virtude desses problemas. Porque, consoante Bertrand Russell, eles ampliam as concepções que temos acerca daquilo que é possível; porque opulentam a imaginação intelectual do homem; porque fazem diminuir a arrogância dogmática que cerra à especulação o nosso espírito; e, acima de tudo, pelo motivo de que, pela grandeza do mundo, que a filosofia contempla, resulta engrandecido e sublimado o espírito, tornando-se capaz dessa união com o universo em que consiste, afinal, o seu bem supremo.

Em filosofia, porém, ‘problema’ não é apenas a questão por resolver, como ocorreria com os problemas científicos ou políticos, e sim quando se propõe como problema para alguém. Nesse sentido, afirma Julián Marías que “um problema não é definido somente pelo seu conteúdo, isto é, pelo simples enunciado de algo não conhecido ou da incompatibilidade aparente de duas ideias, e sim, antes de tudo, por sua problematicidade, embora pareça redundante dizê-lo. De início, isso significa que um problema requer um homem que o pense e para quem ele existe; mas se apenas se tratasse disso, o problema não passaria de uma trivialidade; com efeito, logo que fosse enunciado e compreendido por alguém seria um problema efetivo. Mas isto não acontece: o fato de que eu ignore alguma coisa ou não encontre a maneira de tornar compatíveis dois dados ou ideias, embora tendo plena consciência dessa ignorância ou dessa incapacidade, não basta para constituir um problema. Falta ainda alguma coisa, extremamente simples, e que por tão elementar é esquecida: é preciso que eu necessite saber alguma coisa ou ligar as noções discordantes. As coisas que eu ignoro ou cuja congruência me escapa são infinitas, sem que nunca tenham sido e nunca possam ser problemas para mim. Os últimos séculos da história europeia abusaram — levianamente — da denominação ‘problema’; qualificando assim toda pergunta, o homem moderno, e principalmente a partir do último século, habituou-se a viver tranquilamente entre problemas, distraído do dramatismo de uma situação quando esta se torna problemática, isto é, quando não se pode estar nela e por isso exige uma solução”.

Por outro lado, enquanto as ciências tendem a resolver problemas, a filosofia tem como missão principal, e talvez única, a problematização de tudo o que se lhe apresenta, tanto da realidade como das proposições sobre ela. Isto é, a única coisa que pode fazer a filosofia é ver os problemas como problemas, ou seja, examinar a significação de todos os problemas e de todo o problemático. E como o mais problemático é a própria filosofia, converte-se ela em seu principal problema. Esta concepção da filosofia — que se denomina problematicismo, instituída por Ugo Spirito — entende a filosofia como uma espécie de “consciência suprema de toda crise enquanto crise”, uma atividade ela mesma crítica, perpetuamente “aberta” diante de qualquer ação ou de qualquer pensamento. Em suma, a problematização equivale à vivificação e por isso a filosofia problematizante resulta não só justificada como inteiramente “inevitável”. Disto deflui que o problematicismo filosófico é menos uma “análise de significações” que uma “crise permanente”, menos uma “atividade”, no sentido de Wittgenstein, que um “compromisso” no sentido de Jaspers ou de Sartre. [LWVita]