Tendência a admitir modos de pensar, de agir e sentimentos diferentes dos nossos. — A tolerância religiosa, particularmente, deixa a cada um a liberdade de praticar sua religião. A intolerância suscita a inquisição, isto é, a prisão e até mesmo a supressão das minorias religiosas num país: os judeus na Espanha, no tempo de Isabel a Católica (fim do século XV), os protestantes na Europa sob Charles IX (século XVI). A tolerância é um princípio de moral ligado ao respeito elementar das pessoas morais (Bayle, Voltaire); é também uma prova de inteligência, pois sempre se enriquece em contato com crenças e práticas diferentes das nossas. Atualmente, o problema fundamental não é mais o da tolerância religiosa, mas o da tolerância política: exprime-se pela existência de uma oposição política legal no seio mesmo das assembleias parlamentares; as relações com a oposição devem ser de “diálogo”, suscetíveis de enriquecer e esclarecer a ação governamental, e não relações de incompreensão e hostilidade (censura, crítica sistemática ou, inversamente, indiferença em relação às críticas). A tolerância contrapõe-se, no plano político, ao recurso à violência e à existência de delitos políticos (prisioneiros estritamente políticos). — O que se pode denominar de filosofia da tolerância reconhece o princípio da igualdade entre todos os homens (sem distinção de raça [segregação racial], religião, país etc); seu objetivo é substituir as relações de forças por relações de diálogo, e sua máxima é de sempre compreender o ponto de vista do outro. A tolerância implica então na benevolência, ou na “generosidade”, que é a única a poder animar a simpatia verdadeira (Descartes). [Larousse]
(in. Toleration; fr. Tolérance; al. Toleranz; it. Tolleranzà).
Norma ou princípio de liberdade religiosa. Algumas vezes se considerou pouco apta a designar esse princípio uma palavra que significa “paciência”, mas na realidade ela foi o emblema dessa liberdade, desde as primeiras lutas empreendidas, por meio das quais se afirmou em formas ainda hoje frágeis ou incompletas. Por isso, não poderia ser substituída por nenhum outro termo. Desde que essas lutas se iniciaram, a tolerância foi entendida como coexistência pacífica entre várias confissões religiosas, sendo hoje entendida, em sentido ainda mais geral, como coexistência pacífica de todas as possíveis atitudes religiosas. O critério para verificar se essa exigência está sendo realizada nas situações históricas ou políticas é um só: a sua realização significa que o cidadão não sofre violência, inquirição jurídica ou policial, diminuição ou perda de direitos ou qualquer tipo de discriminação em virtude de suas convicções, positivas ou negativas, em matéria religiosa.
O princípio de tolerância, ou pelo menos um corolário imediato, que é a possibilidade de redenção mesmo fora da fé cristã, encontra-se em alguns filósofos do séc. XIV, especialmente em Ockham. Este diz: “Não é impossível que Deus designe como digno da vida eterna todo aquele que viva segundo os ditames da justa razão e que só creia naquilo que sua razão natural indicar como digno de crença. E se Deus assim dispõe, poderia salvar-se mesmo aquele que na vida só teve como guia a justa razão” (In Sent., III, q. 8, C). Por outro lado, a tolerância religiosa já está implícita no conceito que Ockham tinha de Igreja infalível como comunidade dos fiéis que viveram desde os tempos dos profetas até hoje (Dialogus inter magistrum et discipulum, I, IV, em Goldast, Monarquia, II, p. 402), e do papado como de um principado ministrativus que não pode negar a ninguém os direitos e as liberdades que Deus concedeu a todos os homens e que o cristianismo veio reivindicar (De imperatorum etpontificum potestate, IV, ed. Scholz, p. 458). O famoso conto de Boccaccio dos três anéis (Decameron, 28) ilustra a possibilidade de salvação concedida igualmente a maometanos, judeus e cristãos. Todavia, o princípio de tolerância começou a aparecer como elemento indispensável da vida civilizada do Ocidente só depois da Reforma, nas lutas que opuseram as várias facções da cristandade. E provável que tenha sido explicitamente afirmado pela primeira vez pelo grupo de reformadores italianos que recusaram o dogma da Trindade, ou seja, os socinianos, obrigados por Calvino a fugir para a Transilvânia e para a Polônia, onde propagaram a sua doutrina. Em 1565, Giacomo Aconcio, em seu Stratagemata Satanae, via a intolerância religiosa como uma armadilha de Satanás e afirmava que é essencial à fé apenas o que encoraja a esperança e a caridade. Em 1580, por motivos de natureza política, Michel de Montaigne defendia a liberdade de consciência em um ensaio (Ess., II, 19). Por volta de 1593, Jean Bodin defendia, em Colloquium heptaplomeres, a necessidade da paz religiosa, a ser obtida com um retorno à religião natural que eliminasse as controvérsias dogmáticas. Por sua vez, Huig van Groot considerava fundamentais as crenças da religião natural, e não coercitivas as crenças da religião positiva, frequentemente ambíguas. Para ele, acreditar no cristianismo só é possível com a ajuda misteriosa de Deus; por conseguinte, querer impô-lo pelas armas é contrário à razão (De jure belli acpacis, 1625, II. 20, 48-49). Em 1644, Milton escrevia seu discurso pela liberdade de imprensa, intitulado Areopagitica. Todas essas defesas do princípio de tolerância aduzem em seu favor argumentos políticos e religiosos, mais que filosóficos ou conceituais; aliás, na maioria das vezes os argumentos são especificamente religiosos, tendo então valor apenas para quem compartilha as crenças religiosas a que fazem apelo.
O primeiro a basear a defesa da tolerância em argumentos objetivos foi Spinoza, que apresentou em seu favor o argumento por excelência, ou seja, a violência e a imposição não podem promover a fé; portanto, as leis que se propõem esse fim são inúteis (Tractatus theologico-politicus, 1670, cap. 20). Desse ponto de vista, é clássica a Epístola sobre a tolerância (1689). Nesse texto, Locke demonstra que, ao examinar independentemente o conceito de Estado e o de Igreja, o princípio de tolerância acaba sendo o ponto de encontro de suas respectivas tarefas e interesses. O Estado é “uma sociedade de homens, estabelecida unicamente para conservar e promover os bens civis”, entendendo-se por bens civis a vida, a liberdade, a integridade e o bem-estar físico, a posse dos bens externos, etc. Portanto, entre suas funções não está o cuidado com as almas e a sua salvação eterna, porque em relação a essa tarefa o magistrado civil é incompetente como qualquer outro cidadão e não possui nenhum instrumento eficaz, visto que seu único instrumento é a coação, e ninguém pode ser obrigado a salvar-se. Por outro lado, a Igreja é “uma sociedade livre de homens, unidos espontaneamente para servir a Deus, em público, do modo que julgarem mais aceito por Ele, com o fim de obter a redenção de suas almas”. Como sociedade livre e voluntária, não pode vincular ninguém por meio da força, e as sanções de sua competência são as exortações, as advertências e os conselhos, únicos capazes de promover a persuasão e a fé. O princípio de tolerância garante igualmente o interesse religioso da Igreja e o interesse político do Estado, os direitos dos cidadãos e as exigências do desenvolvimento cultural e científico.
Contudo, nem mesmo na Epístola de Locke o princípio de tolerância tem expressão completa, pois para Locke “quem nega a existência de Deus não deve ser tolerado de nenhum modo”. Foi só com o triunfo do Iluminismo no séc. XVIII e do pensamento político liberal do séc. XIX que se chegou a reconhecer o princípio de tolerância em sua forma completa, que é a exposta acima. No entanto, a literatura posterior pouco ou nada acrescentou às justificações desse princípio apresentadas por Locke; nesse sentido, tampouco se distingue o Tratado sobre a tolerância (1763) de Voltaire, cuja justa fama se deve à influência histórica que exerceu.
O princípio de tolerância passou a fazer parte da consciência civil dos povos do mundo inteiro. Todavia, a sua realização nas instituições que regem a vida de muitos povos é incompleta e está sempre sujeita a novos perigos. As discussões a seu respeito muitas vezes são inspiradas pelo desejo de manter ou restabelecer privilégios em favor de alguma confissão religiosa específica, procurando-se, na melhor das hipóteses, fazer concessões formais ao princípio de tolerância (cf. em especial F. Ruffini, La liberta religiosa, 1901; J. B. Bury, A History of Freedom of Thought, 1913; nova ed., 1952; W. K. Jordan, The Development of Religious Toleration in England, 1932 ss.).
2. Na linguagem comum e às vezes na filosófica, a tolerância também é entendida em sentido mais amplo, abrangendo qualquer forma de liberdade, seja ela moral, política ou social. Assim entendida, identifica-se com pluralismo de valores, de grupos e de interesses na sociedade contemporânea; às vezes se discerne nesse pluralismo um meio para manter o controle dos grupos sociais existentes em toda a sociedade, portanto um obstáculo à realização de uma nova forma de sociedade. Por “tolerância pura” entende-se às vezes a tolerância que se estende às políticas, às condições e aos comportamentos que não deveriam ser tolerados por impedirem, ou mesmo destruírem, as probabilidades de uma existência sem medo ou sofrimento. Marcuse afirmou que, embora a tolerância indiscriminada se justifique nos debates inócuos e nas discussões acadêmicas, sendo indispensável na religião e na ciência, nào pode ser admitida quando estão em jogo a paz, a liberdade e a felicidade da existência, porque nesse caso equivaleria à repressão de todos os fatores de inovação da realidade social (A Critique of Pure Tolerance, de Wolff, Moore Jr. e Marcuse, 1965). Contudo, nesse significado mais genérico, a palavra tolerância não se distingue de liberdade, e seus problemas são os mesmos dos limites e das condições da liberdade política. [Abbagnano]