Filosofia – Pensadores e Obras

Berkeley

BERKELEY (Jorge), bispo e filósofo irlandês (perto de Thomastown, Irlanda, 1685 — Oxford 1753). Foi, em Dublin, professor de grego, hebraico e teologia. Viajou pela França, Espanha, Itália e chegou mesmo a partir para as Bermudas a fim de propagar a fé cristã entre os indígenas. Acabou bispo de Cloyne (Irlanda). O idealismo subjetivista de Berkeley, que faz remontar toda a realidade do mundo às aparências que temos dele, resume-se na célebre fórmula: esse est percipi (“ser é ser percebido”). Tal subjetivismo, que pretende se apoiar no simples bom senso, iria impressionar profundamente Kant, na medida em que o bom senso nos ensina, ao mesmo tempo, que o mundo tem uma realidade exterior a nós, mas que isso é extremamente difícil de ser provado. Obras: Teoria da visão (1708), Tratado sobre os princípios do conhecimento humano (1710), Diálogos entre Hilas e Filonoûs (1712). [Larousse]


Jorge Berkeley (natural da Irlanda, 1685-1753) foi continuador da filosofia de Locke, com maior preocupação quanto às questões metafísicas. Berkeley foi influído pelo platonismo tradicional da Inglaterra. Foi bispo protestante. Lutou acerbamente na defesa dos ideais religiosos contra os cépticos materialistas e ateus.

a) Berkeley atingiu uma das fórmulas mais extremadas do idealismo. Como nominalista, não aceitava a existência das ideias gerais. Não existe a ideia geral de um triângulo, o qual, forçosamente, quando imaginado, será isósceles, equilátero ou escaleno. Este é o conhecido argumento de Berkeley. Ele queria referir-se à intuição do triângulo, e não ao conceito ou pensamento do triângulo, pois este é verdadeiramente universal.

b) Espiritualista e idealista extremado, negou a existência da matéria. Todas as qualidades, quer primárias, quer secundárias, são subjetivas. São ideias a extensão, a côr, etc, conteúdos da percepção. Nada de material existe atrás delas. Na percepção, isto é, em ser percebidas, está todo o ser: esse est percipi. Este é o fundamento do idealismo berkeleyano.

c) Daí Berkeley afirmar o eu espiritual, como única certeza intuitiva. As nossas ideias procedem de Deus, que as pôs em nosso espírito. A regularidade dessas ideias (leis, etc), é fundada na vontade de Deus, e dá-nos a convicção da existência do mundo corpóreo.

Observa-se a semelhança da doutrina berkeleyana cem a opinião de Malebranche e Leibniz. O conhecimento das coisas e a visão das coisas só podemos perceber em ou por Deus. Em Berkeley, Deus e os espíritos são as únicas realidades. É Deus quem cria um mundo “material”. Nós só vemos as coisas em Deus, como somente nele “vivemos, nos movemos, somos”. Podemos caracterizar a doutrina de Berkeley como um idealismo subjetivo, que significa o mundo real ao mundo representado e que, após a destruição da matéria, da substância física, atinge o “eu exclusivo”.

d) Devemos salientar ainda: Em psicologia, Berkeley exerceu grande influência por ter empregado o método introspectivo (auto-observação) nos problemas psicológicos; e, também, por seu consequente nominalismo, negando a existência das ideias abstratas gerais.

e) A doutrina de Berkeley é, inegavelmente, uma construção inteiriça, coerente e lógica, embora sejam objetáveis seus pontos de partida, cujas premissas são falsas.

f) Berkeley é um céptico, apesar de combater o ceticismo. E age como céptico por afirmação e negação e, historicamente, bem podemos compreendê-lo dentro do aspecto geral do espírito inglês, numa época de grande desordem intelectual.

g) A doutrina de Berkeley é também conhecida por imaterialismo, e mais tarde, encontramos sua influência no espiritualismo alemão.[MFS]


O irlandês Berkeley, bispo de Cloyne, não pretendia de modo algum defender uma doutrina capaz de arruinar uma religião da que ele era um dos grandes dignitários e não temia mesmo passar de um pensamento singularmente temerário ao terreno da apologética. Isto não o impedia de forçar as suas concepções até levá-las à beira do absurdo.

A filosofia moderna, ao desembaraçar-se de todo dogmatismo e ao estabelecer entre o sensível e o inteligível a separação que já vimos, pensava garantir o futuro e dar-se plena liberdade de ação. Na verdade, porém, ia ter a um impasse como todas as outras filosofias, e foi o que o tempo se encarregou de demonstrar: conforme decidia atribuir uma realidade preferencial ao sensível ou ao inteligível, oscilava do puro materialismo ao puro idealismo, do materialismo do Barão de Holbach ao idealismo de Berkeley.

O bispo de Cloyne seguiu as pegadas de Locke, mas foi mais longe do que este. Admitia que toda ideia viesse ao espírito pelos sentidos, mas negava que por esse meio se pudesse formar qualquer ideia geral dotada de uma realidade que não fosse abstrata, isto é, de uma realidade em si. A própria ideia de cor, dizia ele, não pode formar-se de uma consideração sucessiva das cores, mas provém do fato de escolhermos uma delas como tipo ou símbolo; não existe tempo ou espaço absoluto, mas apenas uma combinação de sensações visuais ou táteis devidas exclusivamente à experiência. Do mesmo modo, não existe matéria em si. mas tão-somente percepções em nós. Conhecemos o nosso espírito porque ele nos é sensível, de certo modo, pela reflexão — portanto, também experimentalmente; conhecemos as coisas porque as percebemos, mas sem poder concluir pela sua existência real. O ser não é o ser, mas aquilo que como tal é percebido.

Nem por isso nega Berkeley a realidade do mundo sensível, mas depois dele torna-se possível negá-la ou tudo se passa como se tal fosse possível. O seu mundo é, com efeito, essa “alucinação verídica” de que fala Taine, ou pelo menos se aproxima dela de maneira estranha. Não tem para salvá-lo senão uma continuidade, uma permanência, uma força de impressão que lhe tiram o caráter ilusório. Berkeley defende-se da acusação de querer mudar as coisas em ideias; muito ao contrário, propõe-se converter as ideias em coisas. Esta transposição de termos é significativa. Trata-se, efetivamente, de transferir à ideia a realidade da coisa.

Restam a sequência, a ordem das ideias e do próprio universo, restam também as ideias de causa e de finalidade que este crente reconhece. Coerente, porém, com o seu sistema e com a sua fé, só as reconhece como transcendências, em Deus e vindas de Deus. O mundo estrito do homem, limitado ao homem, não poderia comportá-las necessariamente. [Truc]


Depois de Locke o problema cai integralmente nas mãos do grande filósofo inglês Berkeley. Berkeley introduz no pensamento filosófico de Locke uma modificação de importância capital, levando assim, com plena consequência, a outros resultados mais profundos, o problema da análise psicológica. O psicologismo de Locke (que é ainda relativamente tímido, porque está limitado e contido pela metafísica cartesiana, que lhe serve de base) é conduzido por Berkeley a extremos que rompem já por completo os moldes da metafísica cartesiana. O psicologismo de Locke tinha respeitado a substância de Descartes na sua forma de substância pensante, substância extensa e Deus. Pelo contrário, Berkeley ataca diretamente esse conceito de substância extensa, de matéria. A distinção feita por Locke entre qualidades secundárias e qualidades primárias leva-o a negar objetividade às qualidades secundárias, mas a seguir concedendo plena existência em si e por si aos corpos materiais, como substância extensa. Pois bem: Berkeley não compreende (e tem razão) como e por que privilegia Locke essas qualidades primárias e a seu caráter de puras vivências do eu lhes acrescenta ainda o de ser reproduções fiéis de uma realidade existente em si e por si, fora do eu. Não o compreende Berkeley, nem eu o compreendo. Não tem fundamento, porque se o sabor e a cor são vivências e como puras vivências não têm outra realidade que a de ser vivências, “minhas” vivências, do mesmo modo a extensão, a forma, o número, o movimento, são também vivências, exatamente o mesmo, iguais vivências; e como tais vivências não há nelas nenhuma nota que nos permita transcender delas como vivências para afirmar a existência metafísica em si e por si das qualidades que elas indicam. Consequente com o psicologismo, Berkeley descobre em todas as chamadas ideias o mesmo caráter vivencial; e como todas elas são vivências, nenhuma delas me pode tirar de mim mesmo e trasladar-me a uma região de existências metafísicas em si e por si. [Morente]