Desta maneira se nos apresenta o mundo de Aristóteles como um imenso, magnífico conjunto sistemático. O mundo está perfeitamente sistematizado; o mundo não deixa nenhum resquício a nada irracional, a nada incompreensível. Tudo nele é explicável por essência e por pensamento; todo ele está jorrando razão. É um magnífico conjunto sistemático de substâncias, cada uma das quais tem sua essência, e nós podemos conhecer essas substâncias e essas essências. Podemos “conhecer”, quer dizer, que Aristóteles tem logo após a metafísica uma teoria do conhecimento que se ajusta perfeitamente a esta metafísica teleológica, finalista.
A teoria do conhecimento é de uma simplicidade extraordinária. Reflete essa mesma estrutura da substância. Para Aristóteles, conhecer significa duas coisas. Conhecer significa primeiramente formar conceitos, quer dizer, chegar a constituir em nossa mente um conjunto de notas características para cada uma das essências que se realizam na substância individual. Os processos de abstração e de generalização que sobre o material da percepção sensível realizamos conduzem-nos à formação de um arsenal de conceitos. Saber é ter muitos conceitos. Quem mais sabe é aquele que tem mais logoi na inteligência, na mente. Quanto mais tiver, mais saberá. Porém, conhecer significa, em segundo lugar, isto também: aplicar esses conceitos que formamos a cada coisa individual; colocar cada coisa individual sob o conceito, chegar à natureza, contemplar a substância, olhá-la e voltar logo para dentro de nós mesmos para procurar no arsenal de conceitos aquele conceito que se ajusta bem a essa singularíssima substância, e formular o juízo: este é cavalo. E acabou já o saber, porque o saber não consiste, como hoje para nós, em descobrir a lei da sucessão dos fenômenos no tempo. Não consiste em explicar por causas antecedentes no tempo, não; mas antes consiste em colocar cada substancia sob seu conceito correspondente: primeiro, formando o conceito, e logo, aplicando-o. Em terceiro lugar, conhecer significa embaralhar entre si esses diversos juízos em forma de raciocínios que nos permitam concluir, chegar à conclusão acerca de substâncias que não temos presente.
Desta maneira, e em sucessão ordenada, uma formação de conceitos, uma colocação dos indivíduos sob os conceitos e [ raciocínios que nos permitam ver, determinar as substâncias que não temos na nossa experiência imediata, tal é o conhecimento em geral para Aristóteles. Como se vê, ajusta-se perfeitamente esta teoria do conhecimento a esta metafísica classificadora. O universo, para Aristóteles, é uma magnífica coleção sistemática de substâncias, ordenadamente classificadas como na história natural. Por isso quando se expõe a lógica de Aristóteles, inevitavelmente tem que se buscar os exemplos na história natural; é uma magna história natural. E todas essas substâncias magnificamente classificadas estão, ademais, hierarquizadas; umas são mais amplas do que outras; e todo esse conjunto magnífico culmina na ideia suprema de Deus, que é ao mesmo tempo causa primeira e fim último de toda a realidade do mundo e do universo. Porque Deus é causa primeira, visto que Ele é o ser necessário, fundamento de qualquer outro ser contingente, e porque Ele pensando pensamentos, é quem dá a cada ser contingente sua essência, sua forma. E então cada ser é como uma realização de ideias de Deus e todos os seres vão culminar nesse pensamento puro, nesse pensamento que é Deus.
O homem é um ser entre outros muitos que constituem o universo. Mas esse ser humano tem o privilégio sobre os demais seres de possuir uma faísca de pensamento, de partilhar da inteligência divina. Portanto, a finalidade do homem no mundo é clara: é realizar sua natureza; e o que constitui sua natureza, aquilo que distingue o homem de qualquer outro ser, é o pensamento. Por conseguinte, o homem deve pensar. A atividade própria do homem é pensar; o ato do homem, o ato humano por excelência é pensar. Não pensará o homem com a plenitude e a pureza, a grandeza e a totalidade com que pensa Deus; porque o homem não é Deus, e, por conseguinte, seu pensamento é imperfeito, comparado com o de Deus.
Imaginemos agora Santo Tomás esforçando-se com um afã ao mesmo tempo místico e filosófico para ter uma concepção, uma ideia de em que possa consistir a bemaventurança dos bem-aventurados. Pois não fará outra coisa senão tomar do último capítulo da Ética a Nicômaco, de Aristóteles, a descrição da teoria, a descrição da contemplação. A teoria, a contemplação das essências, o pensamento, o conhecimento das essências e de Deus é a ocupação mais própria do homem. Está nesta terra limitado, constrangido pelas necessidades naturais, por aquilo que o homem tem de não homem, de animal, de pedra, de matéria. Mas Santo Tomás, quando tenta imaginar ou ver ou intuir em que deva consistir a bem-aventurança dos santos, não encontra outra atividade senão a mesma de Aristóteles: os santos são bem-aventurados porque contemplam a verdade, porque contemplam a Deus. Como Deus é pensamento puro, contemplam o pensamento puro e vivem eternamente nas zonas do puro pensar. [Morente]