A filosofia que considera a história humana como a realização de um plano racional. — As filosofias modernas da história são inspiradas, em seu método, por Marx, e através dele, por Hegel. O problema fundamental, colocado por essas filosofias é o dos “sentidos da história”. A história do mundo desenvolve-se no sentido de um aperfeiçoamento moral, de um progresso da cultura, ou exprime uma decadência dos costumes? Mais concretamente, orienta-se no sentido do comunismo ou do capitalismo? As mais recentes análises revelam uma inclinação do capitalismo para uma certa planificação socialista, e uma evolução do comunismo, contemporânea da elevação do nível da vida, no sentido da propriedade privada e das iniciativas individuais. A filosofia da história divisa, na ausência de acidente, a possibilidade de uma síntese positiva dos dois sistemas, no fim da atual coexistência pacífica. [Larousse]
Da ciência histórica, que se propõe extrair de suas fontes os acontecimentos históricos e expô-los, distingue-se a filosofia da história (também denominada meta-histórica), cujo fim consiste em submeter tanto a própria história como a ciência histérica a uma “reflexão pensante” (Hegel) e compreendê-la, partindo dos últimos fundamentos do ser e do conhecer. A filosofia da história abarca, como disciplinas principais, a lógica e a metafísica da história. A primeira indaga os fundamentos, pressuposições e métodos da ciência histórica (certeza histórica); a segunda investiga a-essência, as causas (história) e o sentido da história. Trata-se tanto de compreender a história em sua relação essencial com o homem quanto de inseri-la na última conexão do ser. Daqui se infere que a antropologia filosófica e a metafísica possuem importância decisiva para a filosofia da história. Além disso, a filosofia da história é de fato, rematada pela teologia da história, uma vez que a revelação expõe a história do mundo como história da salvação. Por isso, se à filosofia da história compete a tarefa de compreender a história dentro do quadro geral do ser e da essência do homem, deve ela ser complementada com a teologia da história, para se obter uma visão da história da humanidade, nova, mais profunda, que ela por si só não lograria dar.
Só no caso de períodos determinados e relativamente fechados é possível ler, no curso dos fatos, o sentido da história. Quanto ao conjunto da história universal, unicamente se pode afirmar, em termos gerais, que o sentido da história não é outro senão o dos acontecimentos mundiais e o do mundo em geral: a manifestação e representação da infinita plenitude ontológica de Deus feita de modo finito e humano. Cada época e cada homem hão-de contribuir para esta manifestação, que inclui tanto a plena realização das disposições humanas no tempo (sentido imanente da história), quanto a consecução do fim eterno proposto ao homem (sentido transcendente da história). Qual seja concreta e historicamente este fim, é coisa que depende da livre determinação de Deus.
Já no dealbar da filosofia (cf. os mitos culturais) topamos uma reflexão histórico-filosófica. As declarações da filosofia helênica assinalam diversas direções (teorias da decadência, da ascensão, da constância, do curso cíclico). Embora a concepção histórica do Antigo Testamento seja orientada teologicamente, não obstante reveste-se de grande importância para a ulterior estruturação da filosofia da história, pelo fato de sublinhar a unidade do gênero humano e de conceber a história como processo único que apresenta uma conclusão prenhe de sentido. O mesmo se diga de S. Agostinho, cuja obra, de cunho teológico-histórico, “A Cidade de Deus”, contém também muitas ideias de filosofia da história. Ideias filosóficas e teológicas acerca da história foram reunidas igualmente, no transcurso do tempo, por Oito von Freising, Dante, Bossuet, Fr. Schlegel, Görres e Soloviev. A filosofia da história existe, como disciplina propriamente dita, desde que, no Iluminismo, o homem se situa no centro da reflexão filosófica. A expressão “filosofia da história” procede de Voltaire; o fundador da filosofia histórica alemã foi Herder. A orientação idealista concebeu a história como realização de uma ideia divina; a orientação naturalista, como consequência necessária de leis naturais. A primeira apresentou-se em forma teísta e panteísta. Segundo Hegel, a quem a filosofia da história deve profundas intuições, não obstante as muitas violências de sistema, a história é o curso do devir do espírito objetivo (ser espiritual. idealismo alemão). A orientação naturalista pertencem o positivismo de Comte e o materialismo histórico (materialismo dialético). A doutrina do eterno retorno de Nietzsche combina os dois pontoa de vista, o idealista e o naturalista. A filosofia das raças considera a história exclusivamente como luta racial (Chamberlain, Rosenberg). — Brugger.
Sabemos atualmente como existe história para a consciência: é que ela própria é história. Toda reflexão a sério sobre a ciência histórica deve começar pelo começo; R. Aron (Introduction à la philosophie de l’histoire, Gallimard, 1938) dedicando assim um capítulo ao estudo do conhecimento de si, chega aos mesmos resultados: “nós temos consciência de nossa identidade através do tempo. Nós nos sentimos sempre esse mesmo ser indecifrável e evidente, de que seremos eternamente o único espectador. Mas as impressões que garantem a estabilidade desse sentimento são impossíveis de serem traduzidas, ou até sugeridas” (59). O psicólogo objetivista que pretende definir minha história fracassa, pois essa história é essencialmente inacabada, portanto indefinível; eu não sou um objeto, mas um projeto; eu não sou apenas o que sou, mas também o que vou ser, e que posso ter sido ou tornar-me. Mas essa história que existe para a consciência não se esgota na consciência de sua história; a história, é também a “história universal”, relativa não mais ao Dassein mas ao Mir-sein, é a história dos homens.
Não retomamos a interrogação como existe um alter ego para o ego porque ela está implícita, como vimos, em todas as ciências humanas. Nós nos restringiremos apenas à maneira específica como o objeto história se apresenta ao historiador.
Ele se apresenta por signos, restos, monumentos, relatos, um material possível. Este móvel de que falava Heidegger remete já por sisi mesmo ao mundo de onde ele provém. Há uma via aberta para o passado, anterior ao trabalho da ciência histórica: são os próprios signos que nos abrem esta via, passamos imediatamente desses signos ao sentido deles, o que não significa que saibamos com um saber explícito o sentido desses signos e que a tematização científica não acrescente nada à nossa compreensão; apenas essa tematização, essa construção do passado é, como se diz, uma reconstrução; é imprescindível que os signos de onde parte a tematização tragam em si mesmos o sentido de um passado, pois em caso contrário, como distinguir o discurso do historiador de uma fabulação? Voltamos a encontrar os resultados da elucidação do sentido; pela história vimos ao encontro de um mundo cultural que deverá ser evidentemente reconstituído e restituído por um trabalho de reflexão (Aron); mas tal mundo cultural vem igualmente ao nosso encontro como mundo cultural; os fragmentos, o momento, o relato remetem o historiador, cada qual segundo o seu mundo próprio, a um horizonte cultural onde se esboça o universo coletivo de que é testemunho, e essa apreensão do ser histórico dos signos só é possível pelo fato de existir uma historicidade do historiador. “Não são nem a reunião, nem a triagem, nem a garantia dos materiais que mobilizam a volta ao “passado”, mas tudo isso pressupõe já. . . a historicidade da existência do historiador. É essa historicidade que funda existencialmente a história como ciência, mesmo nas disposições menos aparentes, até nos arranjos que são “coisas de ofício” (Sein und Zeit, loc. cit., 11). Por conseguinte os signos se apresentam ao historiador imediatamente investidos de um sentido de passado, mas esse sentido não é transparente, motivo pelo qual se faz necessária uma elaboração conceituai em história. “A história pertence à ordem não da vida, mas do espírito “(Aron, ifoid., 86). Isto significa que o historiador, com base nessa pnata-forma, deve revelar, não leis, não acontecimentos individuais, mas “a possibilidade que efetivamente existiu no passado” (Heidegger, loc. cit., 205). Mas, para chegar a isso, não importa o que pensa Heidegger sobre esse ponto, o historiador deve reconstruir com conceitos. “Ora, diz Aron, sempre é-nos dado a escolher entre múltiplos sistemas; pois a ideia é ao mesmo tempo imanente e transcendente à vida”, devemos entender com isso que existe de fato “no interior” de um devir histórico dado uma significação desse devir (uma “lógica” econômica, ou espiritual, ou jurídica etc.), mas que essa significação ou essa “lógica” deve ser revelada por um ato do historiador que equivale a uma escolha sobre esse devir. Essa escolha é explícita ou não, mas não existe ciência histórica que não se apoie numa filosofia da história. Não cabe reproduzir aqui as minuciosas análises de Aron.
Dir-se-á que a necessidade para o historiador de elaborar conceitualmente o devir não implica numa filosofia, mas numa metodologia científica. Não, responde Aron, porque a realidade histórica não é essencialmente constituída, como a realidade física, mas essencialmente aberta e inacabada; existe um discurso coerente da física porque existe um universo físico coerente, mesmo para o físico; mas no universo histórico por mais coerente que seja, essa coerência é sempre inacessível ao historiador porque tal universo não é fechado. É claro que Waterloo passou, e a história do Primeiro Império acabou; mas se abordamos como tal esse momento do devir nós o deixaremos escapar pois para os atôres, cujo mundo tentamos restituir (essa “possibilidade que efetivamente existiu no passado”), esse momento, se perfilava num horizonte equívoco de possíveis contingentes. Declaramos posteriormente que a queda do Império era necessária, mas isto é confessar que fazemos então a história dessa história a partir de um observatório, por sua vez histórico, pois dizemos “posteriormente”: daí se conclui que a história que fazemos não é uma ciência transcendental. Que é então? “A ciência histórica é uma forma da consciência que uma comunidade toma de si mesma” (Aron, op. cit., 88), na medida em que ela é inseparável da situação histórica em cujo seio se elabora, e da vontade do próprio erudito. As interpretações dadas para um mesmo momento do devir são variáveis em função do momento do devir em que são dadas. A Idade Média não era a mesma coisa para o século XVII e para o século XX. Mas é impossível de encarar, a título de postulado primeiro do esforço do historiador, uma interpretação adequada ao real interpretado? Não, responde mais uma vez Aron, porque ou essa interpretação definitiva assentaria no modelo causal das ciências da natureza (economismo simplista por exemplo), e uma interpretação desse tipo não pode apreender o conjunto do real histórico, se aplicar a um devir total depende enfim de um curso livre que coloca em primeiro lugar tal “fator”; ou então ela se faria de acordo com o modelo da “compreensão”, apropriação do passado pela apreensão de seu sentido, mas exatamente esse sentido não nos é dado de uma maneira imediatamente transparente. A causalidade e a compreensão têm cada qual seu limite. Para ultrapassar esses limites é preciso fazer uma hipótese sobre o devir total, que não só retome o passado mas apreenda o presente do historiador como passado, isto é, o perfile sobre um porvir; é preciso fazer uma filosofia da história. Mas o emprego dessa filosofia está condicionado por uma história da filosofia, que exprime por sua vez uma imanência ao tempo de um pensamento que pretendia ser intemporal. Assim, o marxismo, por exemplo, surge então não como uma ciência mas como uma ideologia, não como um conhecimento objetivo mas como uma hipótese feita sobre o futuro por políticos. Teremos, então, caído ao historicismo, isto é, na aceitação de um devir sem significado, o qual acarreta seja ceticismo, seja fatalismo, seja indiferença? Nem isso, pois o próprio historicismo está historicamente ligado à crise do positivismo, e suas teses, negativas, não podem, tal como outras, serem consideradas como absolutamente verdadeiras: como todo ceticismo, ele nega-se a si mesmo. [Lyotard]