Filosofia – Pensadores e Obras

lugar

(gr. topos; lat. locus; in. Place; fr. Lieu; al. Ort; it. Luogó).

Situação de um corpo no espaço. Há duas doutrinas do lugar: 1) de Aristóteles, para quem o lugar é o limite que circunda o corpo, sendo portanto uma realidade autônoma; 2) moderna, para a qual o lugar é certa relação de um corpo com os outros.

1) Segundo Aristóteles, o lugar é “o primeiro limite imóvel que encerra um corpo” (Fís., IV, 4, 212 a 20, ‘); em outros termos, é aquilo que abarca ou circunda imediatamente o corpo. Nesse sentido, diz-se que o corpo está no ar porque o ar circunda o corpo e está em contato imediato com ele. Essa concepção persistiu durante toda a filosofia medieval e também é repetida substancialmente pelos críticos da física aristotélica, como p. ex. Ockham (Summulae in libros phys., IV, 20; Quodl, I, 4). Com base nessa concepção, existem “lugares naturais”, nos quais um corpo naturalmente está ou aos quais volta quando deles é afastado: “Uma coisa” — afirma Aristóteles — “move-se naturalmente ou não naturalmente, e os dois movimentos são determinados pelos lugares próprios ou pelos lugares estranhos. O lugar no qual uma coisa permanece ou para o qual se movimenta não por natureza deve ser o lugar natural de alguma outra coisa, como demonstra a experiência” (De cael, I, 7, 276 a 11). Toda a física aristotélica está baseada neste teorema.

2) A teoria aristotélica dos lugares era alvo da crítica acerba de Galilei, em Dialoghi dei massimi sistemi (1632, Giornata seconda). Alguns anos depois, Descartes expressaria com toda a clareza o conceito de lugar que emergia da nova postura da ciência: “As palavras ‘lugar’ e ‘espaço’ nada significam de realmente diferente dos corpos que afirmamos estarem em algum lugar, e indicam apenas seu tamanho e forma, e como estão situados entre os outros corpos. Para determinar essa situação, é necessário referir-se a outros corpos que consideramos imóveis, mas, como tais corpos podem ser diferentes, podemos dizer que uma mesma coisa, ao mesmo tempo, muda e não muda de lugar” (Princ. phil, II, 13). E Descartes cita o exemplo do homem que está sentado num barco que se afasta da margem: o lugar desse homem não muda em relação ao barco, mas muda em relação à margem. Com essas observações, que exprimem a relatividade do movimento (relatividade de Galileu), chega-se ao conceito moderno de lugar como relação entre um corpo e outro, tomado como referência. [Abbagnano]


Discutiu-se muito acerca da relação entre o conceito de lugar e espaço em Aristóteles. Segundo uns autores, os dois conceitos são idênticos. Segundo outros autores, há diferenças notórias entre a noção de espaço e a noção de lugar.

A questão do lugar foi explicada por Aristóteles especialmente no livro quarto da FÍSICA.

1) O lugar não é simplesmente um algo, mas um algo que exerceu certa influência, isto é, que afeta o corpo que está nele.

2) O lugar não é indeterminado, pois se o fosse seria indiferente para um corpo determinado estar ou não num lugar determinado. Mas não é indiferente, por exemplo, para corpos pesados tender para o lugar de baixo, e para corpos leves tender para o lugar de cima.

3) O lugar, embora determinado, não está determinado para cada objeto, mas, por assim dizer, para classes de objetos.

4) Embora o lugar seja uma “propriedade dos corpos”, isso não que o corpo arraste consigo o seu lugar. Assim, o lugar não é nem o corpo (pois se o fosse não poderia haver dois corpos no mesmo lugar em diferentes momentos), nem tão pouco algo inteiramente alheio ao corpo.

5) O lugar é uma propriedade que nem está inerente aos corpos nem pertence à sua substância; não é forma, nem matéria, nem causa eficiente, nem finalidade, nem tão pouco substrato.

6) O lugar pode comparar- se a uma vasilha, sendo a vasilha um lugar transportável.

7) O lugar define-se como um modo de “estar em”.

8) O lugar pode definir-se como “o primeiro limite imóvel do continente”. As anteriores definições do lugar mostram que Aristóteles usa, para explicar esta noção, uma espécie de método dialéctico, afirmando e negando ao mesmo tempo a subsistência ontológica do lugar. Com efeito, afirma que o lugar é separável (uma vez que, de contrário, se deslocaria juntamente com os corpos). Mas afirma também que não é inteiramente separável (pois se o fosse poderia identificar-se com o espaço no sentido de Demócrito, isto é, com o vazio). Afirma, ao mesmo tempo, que o lugar não equivale à massa do corpo (uma vez que permanece quando a massa do corpo se põe em movimento). Mas afirma também que há lugares naturais para as coisas (por exemplo, lugares naturais parta os quatro elementos: fogo, terra, água e ar) e, portanto, a que, de certo modo, é equivalente à massa dos corpos. Aristóteles declara que qualquer corpo sensível tem um lugar e que pode falar-se de seis espécies de lugar: alto e baixo, diante e detrás, direita e esquerda.

Uma dificuldade na doutrina aristotélica do lugar consiste em saber se o próprio lugar ocupa lugar. Se o lugar fosse espaço puro, não se punha a questão. Mas não sendo espaço puro (ou vazio), Aristóteles vê-se obrigado a enfrentar o problema e a concluir que não há lugar do lugar, nem o lugar do lugar do lugar, etc, uma vez que, de contrário, haveria que admitir um regresso até ao infinito. Os velhos estoicos tinham tentado solucionar a questão indicando que as dificuldades da teoria de Aristóteles obedecem ao fato de este defender a tese da impenetrabilidade dos corpos; uma vez admitida a interpenetrabilidade desvanecem-se todas as dificuldades. A principal preocupação de Aristóteles na sua teoria do lugar consiste em evitar as antinomias, suscitadas pela noção de espaço vazio, e a solução dessas antinomias pois suscitada ao filósofo de um modo natural pela sua concepção organicista do universo, e da qual o lugar aparece como uma propriedade de índole muito mais geral que quaisquer outras. [Ferrater]