Filosofia – Pensadores e Obras

reflexologia

A reflexologia tem valor inestimável como diagnóstico de uma época, para a qual toda manipulação do homem é, não só legítima como também necessária, desde que feita cientificamente. Descobre-se que o ser vivo é um conjunto de reflexos que podem ser alterados cientificamente. Um dos pressupostos do pavlovismo é que, se a experiência souber associar um reflexo condicionado a um incondicionado, o organismo vivo pode ser manipulado pela ciência no sentido que esta entender. Nesta linha, a massa das experiências e da bibliografia pavloviana é realmente impressionante.

Os reflexos condicionados se gravam sobre os incondicionados como um tecido de arcos reflexos sobre uma base fundamental. Essa base fundamental são os antigos instintos que constituem cadeias de reflexos incondicionados; esses reflexos básicos são pouco numerosos: reflexo alimentar, reflexo de investigação, reflexo sexual, reflexo de defesa e também, por estranho que pareça, reflexo de liberdade. De que liberdade se trata? — O reflexo pavloviano de liberdade confunde a liberdade com a espontaneidade. — O pavlovismo ignora que há um psíquico orgânico e um psíquico espiritual; ignora que o psíquico orgânico, que se manifesta nos instintos, se distingue do psíquico espiritual, que se manifesta na consciência.

A reflexologia mostrou que a inibição põe em atividade centros nervosos de importância para a sobrevivência do animal, suprimindo a reação temporária estabelecida pelo excitante. Esta atitude de defesa cede quando o novo excitante se repete muitas vezes, tornando-se habitual: recomposto o quadro da experiência com o novo ingrediente, pela repetição constante, por ex., do toque estridente da campainha associado ao do metrônomo, o reflexo se recondiciona subordinando-se ao metrônomo e à campainha. Era apenas uma inibição “externa”, um dos fatos que revelam a extrema plasticidade do conjunto vital.

Outro fato é a inibição “interna”: é o caso em que o próprio excitante condicionado se transforma em inibidor. Se um cão está habituado a receber o alimento condicionado pelo metrônomo e se, a partir de certa fase do condicionamento, começamos a aplicar o metrônomo sem o alimento, ao cabo /de algum tempo o metrônomo não só não produz mais a salivação, como ainda a inibe. Este fato é frequentemente explicado pelos pavlovianos como dialética de centros nervosos que se galvanizam; mas esta explicação é falsa como as demais, porque não leva em conta a totalidade do ser vivo como unidade animada por um princípio superior às partes; a plasticidade do organismo só é possível porque o organismo reage como um todo e não como uma superposição de partes; os reflexos e suas inibições põem em relevo a impossibilidade das teorias mecânicas do comportamento e sublinham, ao contrário, a organicidade do animal, que é a base e não o efeito das cadeias de reflexos. Longe de ver, na maleabilidade dos reflexos, a inteligência que rege as formas da vida, os pavlovistas não vêm outra cousa senão a possibilidade de manusear indefinidamente os seres vivos, convertendo-os em robôs da ciência.

Sabe-se que, uma vez obtido, o reflexo pode ser modificado segundo o capricho do cientista. Quando um cachorro foi condicionado a receber o alimento anunciado pelo metrônomo, novos condicionamentos podem retardar ou apressar a manifestação do reflexo salivar; facilmente os experimentadores obtêm que a salivação comece um minuto depois do término da aplicação do excitante. Podem alterar o ritmo do metrônomo; quando este bate na cadência de oitenta por minuto, não será dado alimento ao animal: quando bate a 120 é dado o alimento; ao fim de certo tempo, o ritmo de oitenta não produz mais a salivação; mas o ritmo de 120 se torna o excitante do reflexo, isto é, condiciona certo comportamento reflexo das células corticais. São experiências de extinção, de retardamento e de diferenciação, nas quais varia, segundo confessam, não mais o excitante externo e sim a relação interna.

Examinando os arcos reflexos divisíveis e sub-divisíveis, estudando os mecanismos corticais e sub-corticais, levantando o mapa dos mosaicos nervosos, os pavlovistas declaram, com a maior gravidade filosófica, que a finalidade dos reflexos é sempre estabelecer a adaptação do organismo ao meio externo e interno; e que por isso os estímulos excitantes ou inibitórios podem ser igualmente “internos” e “externos”.

Toda a reflexologia supõe a adaptação do ser vivo ao meio; é o meio que modela o ser vivo; mas, por outro lado, se essa adaptação depende do psiquismo do ser vivo ou ainda, se o que muda nas experiências da inibição interna não é o excitante externo, mas as relações internas entre o estímulo e a resposta, como explicar o psíquico pelo fisiológico, se aqui se dá justamente o contrário, isto é, se aqui o psiquismo determina a alteração dos arcos reflexos? — O pavlovismo traz esta contradição que afirma insistentemente o psiquismo como emanando do fisiológico, mas em seguida explica os processos nervosos como produtos do psiquismo.

O reflexo é sempre psíquico e altera o físico. Nisto se funda a terapêutica pavloviana, tanto na psiquiatria, como na ginecologia, quando, por via psíquica altera as circunstâncias fisiológicas da neurose ou do parto. Tudo indica que os arcos reflexos da zona cortical são efeitos e não causas do condicionamento, o qual é sempre psíquico. Mas o pavlovismo trata o psíquico como fotocópia do físico e por isso, na linguagem pavloviana, a medula espinhal, o bulbo, o córtex e o sub-córtex aparecem como forças propulsoras do reflexo, quando a experiência revela exatamente o contrário.

O problema se põe também de outro modo, porque os reflexos não seriam possíveis se as experiências anteriores não fossem guardadas na memória; e a memória pavloviana é apenas a memória cortical, aquela memória de repetição e automatização que Bergson demonstrou poder estar situada realmente no cérebro. Mas, assim como o pavlovismo não poderia nunca explicar o psíquico espiritual, assim também não poderia nunca interpretar a memória do espírito. Bergson demonstrou que a memória espiritual não pode estar situada no cérebro; o córtex e o sub-córtex responderão, quem sabe, pela memória automática; mas, a memória verdadeira, ou seja, a memória imaginativa, a memória criadora, que negam todo automatismo, não poderão nunca ser explicadas reflexologicamente. Tudo o que se passa no psíquico deve ter sua contrapartida no físico e inversamente; o exame do físico pode diagnosticar o psíquico; mas disto não se infere que o psíquico se possa explicar pelo físico, porque o psíquico transborda do físico em todas as direções. E uma teoria como a dos pavlovistas, que reduzem o mais ao menos, que fazem emanar o espírito do corpo, teoria que transuda o materialismo já tão velho do século XVIII, não pode atualmente subsistir senão como sobrevivência histórica. De fato, o fisiologismo pavloviano é contraditado pelas experiências metapsíquicas e pela psicologia do inconsciente, desde Freud até Jung, além de ter sido completamente expulso do âmbito filosófico, pela crítica que fez ruírem os fundamentos do materialismo. O fisiologismo não é mais objeto de cogitações psicológicas, nem filosóficas. [Barbuy]