Página inicial > Modernidade > Puig de la Bellacasa: cuidado

Puig de la Bellacasa: cuidado

segunda-feira 13 de abril de 2020, por Cardoso de Castro

  

nossa tradução

A tecnociência não estuda as realidades biofísicas, mas as (re)fabrica e as comodifica, coproduzindo novas formas de relacionalidade mundial e (im)possibilidade de viver. A difusão da tecnociência no mundo dos vivos suscita um senso justificado de urgência para incorporar ainda mais o engajamento ético no nível do bios – incluindo lidar com as pressões econômicas para extrair o "biocapital" (Sunder Rajan 2006; Cooper 2008) do "trabalho biológico" humano (Vora 2009b). Mas, embora a referência à ética se torne mais premente em contextos que tratam do biopoder tecnocientífico, é também aqui que os limites da teoria ética clássica e da bioética institucional se tornaram mais salientes.

A articulação de Nikolas Rose de uma "ética somática" para "cidadãos biológicos" marcou uma intervenção mesclando o ético e o político   no domínio da bios (Rose 2007). Essa abordagem é relevante para mim aqui, porque reconheceu que vivemos uma era "etos-política" na qual questões políticas se tornaram problematizadas em termos de ética. E essa "ética da política" é particularmente visível nos mundos em que a política é biopolítica e em que os "debates orientados por valores" seguem o desenvolvimento biocientífico. É nesse contexto que a bioética se tornou um “complemento necessário” para a aceitação pública da tomada de decisões (97), tendendo a representar marcos regulatórios institucionais que legitimam, alteram ou abrem o caminho para a transformação biotecnológica. Rose deslocou a bioética com uma ideia de ética somática (de soma, o corpo) para designar uma forma de engajamento bioético emergente de comunidades que lidam com a política de sua existência "corporal" (257). A bioética somática reconheceu que a biopolítica acontece nas práticas cotidianas concretas das pessoas e não apenas em instituições, comitês éticos ou mesmo grupos de cidadãos. Essa abordagem de fato mudou a ética no nível da vida comum e iniciou dois deslocamentos interessantes.

Primeiro, o “bios” da biopolítica é bem diferente da ideia geral de vida (social) engajada por pessoas concernidas pelas formas de poder destinadas a controlar a existência das pessoas em todos os níveis de experiência e subjetividade – bem como às forças que confrontam ou escapam deste poder produzindo subjetividades alternativas e formas de vida coletiva (Papadopoulos, Stephenson e Tsianos 2008a; Hardt e Negri 2009). Estas abordagens oferecem a continuação dos debates em torno de uma visão foucaultiana de "biopoder", entendida como a normatização da vida através do controle de populações e seres humanos. No entanto, como Donna Haraway apontou, a biopolítica de Foucault   era uma "premonição flácida" (Haraway 1991a, 150) do que a tecnociência contemporânea implica nas biografias cotidianas. Uma ideia geral da vida (social) não compreende o caráter transformador da tecnociência que intervém nos níveis molecular e genético e tem efeitos significativos no ecossistema planetário mais amplo. As ecosmologias biopolíticas contemporâneas – através de vários campos de prática em STS, Novos Materialismos, Humanidades Ambientais – reconhecem um mundo onde o poder não só funciona através da normalização social, mas atua com e desde a biologia, organismos, células, composição genética - uma “política da matéria ”(Papadopoulos 2014b).

Segundo, a ética como noção também é deslocada. A agência ética em perspectivas como a "ética somática" concentra-se na vida humana, afetada principalmente pela tecnociência (biomédica). Em vez de focar em como a biopolítica afeta o status "ontológico" do "humano" (Agamben   1998), isso exige considerar rupturas éticas de maneiras corporais específicas. Como outras formas de ética crítica, o que está em jogo aqui é desviar-se das concepções universalizantes do sujeito ético como um "eu" autônomo, racional e definido (Stuart e Holmes 2009) para focalizar o ético, pois está afetando os corpos nos processos de mudança (Shildrick e Mykitiuk 2005; Heyes 2007). Embora ainda centradas no humano, essa ética aqui não se refere a racionalizações individuais ou a uma identificação normativa entre o racional e o bom. Essa ética é melhor entendida como se desenvolvendo dentro do que Collier e Lakoff   chamam de "regime de vida": "configurações situadas de elementos normativos, técnicos e políticos que são alinhados em situações problemáticas ou incertas". Elas envolvem formas de vida que têm uma “consistência ou coerência provisória”, mas não realmente a “estabilidade e coerência de um regime político” (Collier e Lakoff 2005, 31-33). Tais acordos coletivos não são primariamente fundamentados em um indivíduo como árbitro, com padrões de julgamento do que é moral adequada ou indevidamente. Em outras palavras, a ética da biopolítica em tecnociência não trata de normas estáveis de moralidade gerenciadas entre humanos; inclui uma série de elementos, forças sociotécnicas e práticas e ações de agências constantemente reconfiguradas em função das condições materiais em situações específicas.

Original

Technoscience doesn’t study biophysical actualities but (re)makes them and commodifies them, coproducing new forms of worldwide relationality and living (im)possibility. The pervasiveness of technoscience in the living world raises a justified sense of urgency to further embed ethical engagement at the level of bios—including tackling with the economic pressures to extract “biocapital” (Sunder Rajan 2006; Cooper 2008) from human “biological labor” (Vora 2009b). But while reference to ethics becomes more pressing in contexts dealing with technoscientific biopower, it is also here that the limits of classic ethical theory and institutional bioethics have become more salient.

Nikolas Rose’s articulation of a “somatic ethics” for “biological citizens” marked an intervention merging the ethical and the political in the domain of bios (Rose 2007). This approach is relevant for me here because it acknowledged that we live in an “etho-political” age in which political issues have become problematized in terms of ethics. And this “ethicalization of politics” is particularly visible in the worlds where politics are biopolitics and in which “value-driven debates” follow bioscientific development. It is in such a context that bioethics has become a “necessary supplement” for the public acceptance of decision-making (97), tending to represent institutional regulatory frameworks that legitimize, amend, or pave the way for biotechnological transformation. Rose displaced bioethics with an idea of somatic ethics (from soma, the body) to designate a form of bioethical engagement emerging from communities coping with the politics of their “corporeal” existence (257). Somatic bioethics recognized that biopolitics happens in people’s concrete embodied everyday practices and not only in institutions, ethical committees, or even citizen groups. This approach indeed relocated ethics at the level of ordinary living and initiated two interesting displacements.

First, the “bios” of biopolitics is quite different from the general idea of (social) life engaged by those concerned by forms of power aimed at controlling people’s existence at every level of experience and subjectivity—as well as to the forces that confront or escape this power by producing alternative subjectivities and forms of collective living (Papadopoulos, Stephenson, and Tsianos 2008a; Hardt and Negri 2009). These approaches offer continuation of debates around a Foucauldian vision of “biopower” understood as the normalization of life through the control of human populations and selves. However, as Donna Haraway pointed out, Foucault’s biopolitics were a “flaccid premonition” (Haraway 1991a, 150) of what contemporary technoscience implies for everyday bios. A general idea of (social) life does not grasp the transformative character of technoscience that intervenes at molecular and genetic levels and has significant effects on the wider planetary ecosystem. Contemporary biopolitical ecosmologies—across a number of fields of practice in STS, New Materialisms, Environmental Humanities—recognize a world where power not only works through social normalizing but acts with and from biology, organisms, cells, genetic makeup—a “politics of matter” (Papadopoulos 2014b).

Second, ethics as a notion is also displaced. Ethical agency in perspectives such as “somatic ethics” concentrates in human life as affected primarily by (biomedical) technoscience. Rather than focusing on how biopolitics affects the “ontological” status of the “human” (Agamben 1998), this requires considering ethical disruptions in specific corporeal ways. Like other forms of critical ethics, the stake here is in diverting from universalizing conceptions of the ethical subject as an autonomous, rational, and defined “self ” (Stuart and Holmes 2009) to focus on the ethical as it is affecting bodies in processes of change (Shildrick and Mykitiuk 2005; Heyes 2007). Though still human-centered, these ethics here are not about individual rationalizations or about a normative identification between the rational and the good. These ethics are better understood as developing within what Collier and Lakoff call a “regime of living”: “situated configurations of normative, technical and political elements that are brought into alignment in problematic or uncertain situations.” These involve forms of living that have a “provisional consistency or coherence” but not really the “stability and coherence of a political regime” (Collier and Lakoff 2005, 31–33). Such collective arrangements are not primarily founded on an individual as arbiter with standards of judgment of what is properly or improperly moral. In other words, the ethical of biopolitics in technoscience is not about stable norms of morality managed among humans; it includes a range of elements, sociotechnical forces, and practices and doings of agencies constantly reconfigured in function of material conditions in specific situations.


Ver online : Matters of care : speculative ethics in more than human worlds.