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Fernandes (SH:281-283) – Prolegômeno à "questão da ética"

domingo 10 de outubro de 2021, por Cardoso de Castro

  

O “ser” de um ente, qualquer ente, não é jamais a sua Existência, ou seu estar fora do Ser (tampouco, como vimos no primeiro Capítulo, é sua “essência” ou qualquer espécie de “substância” ). O “ser” de um ente é sempre o próprio Ser enquanto Ser, cuja verdadeira natureza é revelada pela categoria de Consciência em si, não intencional. A extensão do Ser, em Ser como (’’als’’) Experiência ou ainda Ser-Experiência, é criadora, não no sentido temporal, mas no sentido, já explicado, de reflexo instantâneo. Essa extensão em si mesma (nossa verdadeira natureza) não tem relação direta com simulacros produzidos pelo Instrumento da Criação (Mente, Pensamento, Linguagem), e projetados na Existência. Essa extensão em si mesma (nossa verdadeira natureza) tem relação direta com a compreensão ou acolhimento equânime, na Experiência em si mesma, do que é projetado no Não-Ser. É essa compreensão que torna possível a Vida do Ser na Experiência (V. próxima Seção). Entretanto, é para que haja o que compreender, para que haja contraste com o Ser (Não-Ser), que há desde sempre, fora do tempo, Mente, Pensamento e Linguagem, os três inconscientes e por mim chamados de “Instrumento”. O “não-ente”, enquanto mera projeção, objetivação pela identidade, ou determinação pelo Instrumento, é um mero simulacro, não podendo sequer “ser percebido” porque está na Inconsciência, embora o Instrumento ele mesmo possa chamá-lo de “ente”. Os simulacros, enquanto tais, pertencem à ordem da Existência ou Não-Ser. O estado comumente chamado de percepção “normal” das coisas, que pressupõe a metafísica ordinária e supostamente caracterizaria a vida quotidiana de “pessoas”, simplesmente não é um estado consciente. Esse estado é um estado mental do Instrumento, encarnado em organismos individuais, com cabeça, tronco e membros, ou encarnado exossomaticamente, impessoalmente, em Configurações Simbólicas da Mente Social. Nós não somos o Instrumento. Somos as próprias Experiências Conscientes, enquanto tais, sem objeto e sem sujeito. Os simulacros, cada gota de chuva, cada folha de relva, cada pincelada da natureza, “imitação móvel da eternidade”, cada estado “interior” ou “exterior” do Mundo, cada grão de pó, matiz de cor, sentimento, emoção, gesto, pensamento, cada uma das infinitas configurações qualitativas... compreendidos na imanência da Experiência, ou pelo Ser-Experiência, despertam (sim, despertam!) a Mente, o Pensamento e a Linguagem de um sono de sonhos confusos, eivado de pesadelos (a ser compreendido na próxima Seção), por obra e graça da Presença de Espírito (pois não há “explicações” para isso...), e tornam-se, nesse despertar, autênticos “entes”, e com a estrutura ontológica especificada a seguir. São interfaces ou coincidências de fronteiras entre, por um lado, suas determinações qualitativas, antes (como simulacros) identificáveis e repetíveis, mas agora únicas, irrepetíveis, etc., e, por outro lado, a própria totalidade das infinitas Experiências, interna e infinitamente inter-ressonantes, como configurações puramente qualitativas, incomparáveis, eternas, etc., das quais o ente, como simulacro compreendido, é um dos infinitos aspectos. Contudo, na ordem das determinações do Ser, e muito além, ontologicamente, dos “simulacros” compreendidos, os “entes” por excelência são as Experiências em si mesmas. É por uma metonímia que usamos quando, unidos ao Instrumento, mas a cavaleiro sobre ele, chamamos também de “entes” aqueles simulacros que vêm a integrar cada Experiência, serem nela todos compreendidos e dotados da estrutura arcana acima descrita. Mas... haveria simulacros não compreendidos? A pergunta acima equivale, no meu sistema, a perguntar: “Haveria o Mal?” A resposta, pois não estou aqui para evasivas, é... evasiva(!): se o “haveria” for interpretado no sentido existencial, sim; no sentido propriamente ontológico, não. (Terá sido mesmo uma evasiva?!) Os “simulacros não compreendidos” permanecem no âmbito interno ao Instrumento, fora das Aparições ou no plano da “Desaparição”, no esquecimento absoluto, no “inferno” da inconsciência, da Existência pura e simples, a infinita distância do Ser, e serão chamados, de maneira mais sistemática, a partir da próxima Seção, de “pensamentos de abandono”, ou “pensamentos abandonados ao si mesmo”, ou “pensamentos abandonados a si mesmos”. A raiz de todos os simulacros não compreendidos é uma só, ela mesma um pensamento do próprio Instrumento: o pensamento de que se é o que se pensa ou, em outras palavras, o pensamento do Instrumento de que o Instrumento é alguma coisa em si mesma. São esses aspectos fundamentais da minha Ontologia, quando recordados desta maneira, que nos remetem indiretamente à “Questão da Ética”, pois não pode haver remissão direta ao que, em última análise, é ontologicamente irrelevante.


Ver online : Sergio L. C. Fernandes