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Fernandes (FC:81-82) – eventos, causas e efeitos

quarta-feira 24 de abril de 2024, por Cardoso de Castro

  

[FERNANDES, Sérgio L. de C.. Filosofia e Consciência. Uma investigação ontológica da Consciência. Rio de Janeiro: Areté Editora, 1995, p. 81-82]

Não sendo possível conceber o Ser de um ente determinado, seja como constituído de suas qualidades (a cebola sem caroço), seja como constituído de uma substância-substratum (o caroço sem a cebola), o caminho intermediário seria experimentar concebê-lo como constituído somente de algumas qualidades privilegiadas, mas não todas. Mas isto seria criar, fabricar, uma distinção entre qualidades privilegiadas (essência) e não-privilegiadas (acidentes). Ainda que esta distinção faça sentido, como implementá-la? Não me digam que é decidindo por decreto, dogmaticamente, ou linguisticamente. Decretos, dogmas, e dicionários, não deveriam fazer parte da Ontologia. Examinaremos daqui a pouco a noção de essência. Tomemos antes a noção de “causa”. Se não há substâncias, talvez o “poder” de mover o mundo esteja nas mãos do que chamamos de “eventos”, desde que estes possam ser individualizados.

Dividido o mundo em indivíduos e conceitos, se admitirmos que “eventos” podem ser individualizados — i.e., que há critérios de identificação para eventos —, então quando dizemos que a causa b estamo-nos referindo a indivíduos, nunca a conceitos ou suas articulações em conteúdos proposicionais. Causalidade é uma relação entre indivíduos e toda relação de causalidade é temporal: as causas precedem seus efeitos como suas condições suficientes. A causa “produz”, “gera”, ou faz surgir o efeito. Mas uma condição suficiente não chega a expressar o conhecimento que pretendemos ter da realidade. Ainda que implicando contrafactuais, estamos, em última análise, diante do fato logicamente simples de que uma premissa “basta” para implicar materialmente uma conclusão. Como isso não exclui a possibilidade de que outras causas, distintas da primeira, também possam produzir o mesmo efeito, nossa insatisfação com a condição de suficiência é inevitável. Se vários outros eventos, distintos de a, e por mim desconhecidos em sua maioria, poderiam igualmente fazer surgir b, então será que eu sei, realmente, o que é que faz surgir b? O que realmente faz surgir b não é o que as diversas causas suficientes de b tiverem “em comum” (o critério que as identifica), pois essa característica comum, embora necessária para a produção de b, poderia não ser suficiente. Usamos, então, o artifício de inserir o enunciado que descreve a causa numa expressão legaliforme, do tipo “para todo x, se Gx, então Fx”. Mas nossa ignorância permanece. Pois, se o quantificador for aí interpretado, como deve ser, extensionalmente, estaremos afirmando apenas que, universalmente, em todos os casos do mesmo gênero, em todos os mundos possíveis, se Gx, então Fx. Mas a causalidade é uma relação entre indivíduos, não entre conceitos ou proposições. E indivíduos só podem estar relacionados entre si de maneira logicamente contingente. De nada nos valerá pensar que essa contingência é meramente epistêmica, referida à nossa ignorância da noção “completa” do evento-causa, pois isto seria substituir um tipo de ignorância por outra ainda maior. Tampouco seria viável pensar que as causas são condições necessárias e suficientes dos efeitos, pois isto nos levaria a identificar causas e efeitos, ignorando a dimensão temporal.


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