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Charles Taylor: Ética da Autenticidade

terça-feira 28 de janeiro de 2020, por Cardoso de Castro

  

Carvalho

A ética da autenticidade é algo relativamente novo e peculiar à cultura moderna. Nascida no final do século XVIII, desenvolveu-se de formas anteriores do individualismo, como o individualismo da racionalidade desengajada, iniciado por Descartes  , no qual a exigência é de que cada pessoa pense de maneira autorresponsável por si mesma, ou o individualismo político de Locke  , que pretendia tornar a pessoa e sua vontade anteriores às obrigações sociais. Mas a autenticidade também tem estado, sob alguns aspectos, em conflito com essas formas anteriores. É um produto do período romântico, que era crítico da racionalidade desengajada e de um atomismo que não reconhecia os laços da comunidade.

Uma maneira de descrever seu desenvolvimento é ver seu marco inicial na noção oriunda do século XVIII de que os seres humanos são dotados de um senso moral, um sentimento intuitivo do que é certo e errado. O propósito original dessa doutrina era combater uma visão rival de que saber o certo e o errado era uma questão de calcular as consequências, em particular aquelas relacionadas a recompensas ou castigos divinos. A noção era de que compreender certo e errado não era uma questão de puro cálculo, mas estava fincada em nossos sentimentos. A moralidade tem, em certo sentido, uma voz interna. [1]

A noção de autenticidade se desenvolve com base em um deslocamento do acento moral nessa ideia. Na visão original, a voz interior é importante porque nos diz qual é a coisa certa a ser feita. Estar em contato com nossos sentimentos morais importaria aqui como um meio a fim de agir corretamente. O que estou denominando de deslocamento do acento moral vem à tona quando estar em contato assume um significado moral independente e crucial. Torna-se algo que temos de atingir para sermos seres humanos verdadeiros e completos.

Para entender o que há de novidade nisso, temos de ver a analogia com visões morais anteriores, em que estar em contato com alguma fonte - Deus, digamos, ou a Ideia do Bem - era considerado fundamental para ser plenamente. Apenas agora a fonte com a qual temos de nos conectar está no fundo de nós. Isso faz parte da virada subjetiva massiva da cultura moderna, uma nova maneira de interioridade, na qual chegamos a pensar em nós mesmos como seres com profundidade interior. De início, a ideia de que a fonte está no interior não exclui nosso ser relacionado a Deus ou às Ideias; pode ser considerado nosso próprio caminho para eles. Em um sentido, pode ser visto apenas como uma continuação e intensificação do desenvolvimento inaugurado por Santo Agostinho  , que viu o caminho para Deus como passando através da própria consciência reflexiva de nós mesmos. (p. 34-35)

Original

The ethic of authenticity is something relatively new and peculiar to modern culture. Born at the end of the eighteenth century, it builds on earlier forms of individualism, such as the individualism of disengaged rationality, pioneered by Descartes, where the demand is that each person think self-responsibly for him- or herself, or the political individualism of Locke, which sought to make the person and his or her will prior to social obligation. But authenticity also has been in some respects in conflict with these earlier forms. It is a child of the Romantic period, which was critical of disengaged rationality and of an atomism that didn’t recognize the ties of community.

One way of describing its development is to see its starting point in the eighteenth-century notion that human beings are endowed with a moral sense, an intuitive feeling for what is right and wrong. The original point of this doctrine was to combat a rival view, that knowing right and wrong was a matter of calculating consequences, in particular those concerned with divine reward and punishment. The notion was that understanding right and wrong was not a matter of dry calculation, but was anchored in our feelings. Morality has, in a sense, a voice within.

The notion of authenticity develops out of a displacement of the moral accent in this idea. On the original view, the inner voice is important because it tells us what is the right thing to do. Being in touch with our moral feelings would matter here, as a means to the end of acting rightly. What I’m calling the displacement of the moral accent comes about when being in touch takes on independent and crucial moral significance. It comes to be something we have to attain to be true and full human beings.

To see what is new in this, we have to see the analogy to earlier moral views, where being in touch with some source God, say, or the Idea of the Good - was considered essential to full being. Only now the source we have to connect with is deep in us. This is part of the massive subjective turn of modern culture, a new form of inwardness, in which we come to think of ourselves as beings with inner depths. At first, this idea that the source is within doesn’t exclude our being related to God or the Ideas; it can be considered our proper way to them. In a sense, it can be seen just as a continuation and intensification of the development inaugura ted by Saint Augustine, who saw the road to God as passing through our own reflexive awareness of ourselves. (p. 25-27)


Ver online : THE ETHICS OF AUTHENTICITY


[1O desenvolvimento dessa doutrina, inicialmente na obra de Francis Hutcheson, baseando-se nos escritos do conde de Shaftesbury, e sua relação adversa à teoria de Locke, eu discuti em larga medida em Sources of the Self, capítulo 15.