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Benjamin (AH) – progresso

sábado 6 de novembro de 2021, por Cardoso de Castro

  

Há um quadro de Klee intitulado Angelus Novus. Representa um anjo que parece preparar-se para se afastar de qualquer coisa que olha fixamente. Tem os olhos esbugalhados, a boca escancarada e as asas abertas. O anjo da história deve ter esse aspecto. Voltou o rosto para o passado. A cadeia de fatos que aparece diante dos nossos olhos é para ele uma catástrofe sem fim, que incessantemente acumula ruínas sobre ruínas e lhas lança aos pés. Ele gostaria de parar para acordar os mortos e reconstituir, a partir dos seus fragmentos, aquilo que foi destruído. Mas do paraíso sopra um vendaval que se enrodilha nas suas asas, e que é tão forte que o anjo já não as consegue fechar. Esse vendaval arrasta-o imparavelmente para o futuro, a que ele volta as costas, enquanto o monte de ruínas à sua frente cresce até o céu. Aquilo a que chamamos o progresso é este vendaval.


A teoria social-democrata, e ainda mais a sua prática, foi determinada por um conceito de progresso que não levou em conta a realidade, mas partiu de uma pretensão dogmática. O progresso, tal como o imaginavam as cabeças dos social-democratas, era, por um lado, um progresso da própria humanidade (e não apenas das suas capacidades e conhecimentos). Em segundo lugar, era um progresso que nunca estaria concluído (correspondendo a uma perfectibilidade infinita da humanidade). E era visto, em terceiro lugar, como essencialmente imparável (com um percurso autônomo de forma contínua ou espiralada). Qualquer desses atributos é controverso, e a nossa crítica poderia começar por qualquer um deles. Mas, quando as posições se extremam, a crítica tem de recuar até a raiz desses atributos e fixar-se num ponto que é comum a todos. A ideia de um progresso do gênero humano na história não se pode separar da ideia da sua progressão ao longo de um tempo homogêneo e vazio. A crítica da ideia dessa progressão tem de ser a base da crítica da própria ideia de progresso.


[...] Mas é preciso não esquecer que a técnica não é uma pura manifestação das ciências da natureza, é também uma manifestação histórica. Enquanto tal, ela obriga-nos a testar a separação positivista e não dialética que se tentou instituir entre as ciências da natureza e as “ciências do espírito”. As questões que a humanidade coloca à natureza são codeterminadas pelo estágio da sua produção. É esse o ponto em que o positivismo   fracassa, porque, na evolução da técnica, só foi capaz de reconhecer os progressos da técnica, não os retrocessos da sociedade. Mas não se apercebeu de que essa evolução foi decisivamente determinada pelo capitalismo. E também aos positivistas entre os teóricos social-democratas escapou o fato de que tal evolução tornou cada vez mais precário o ato, que se revelava cada vez mais urgente, de uma futura tomada de posse dessa técnica pelo proletariado. E ignoraram o lado destrutivo desses desenvolvimentos porque se tinham alheado do lado destrutivo da dialética.