Filosofia – Pensadores e Obras

qualidade

(gr. poiotes; lat. qualitas; in. Quality; fr. Qualité; al. Qualitát; it. Qualità).

Qualquer determinação de um objeto. Como determinação qualquer, a qualidade distingue-se da propriedade, que, em seu significado específico, indica a qualidade que caracteriza ou individualiza o próprio objeto, sendo portanto própria dele. A noção de qualidade é extensíssima e dificilmente pode ser reduzida a um conceito unitário. Podemos dizer que ela compreende uma família de conceitos que têm em comum a função puramente formal de servir de resposta à pergunta qual? Aristóteles distinguiu quatro membros dessa família, sendo esta ainda a melhor exposição já feita sobre o conceito de qualidade.

1. Em primeiro lugar, entendem-se por qualidade os hábitos e as disposições, que se distinguem porque o hábito é mais estável e duradouro que a disposição. São hábitos a temperança, a ciência e, em geral, as virtudes; são disposições a saúde, a doença, o calor, o frio, etc. (Cat., 8, 8 b 25; cf. Met., V, 14, 1020 a 8-12). A filosofia contemporânea às vezes também recorre a hábitos disposicionais (cf., p. ex., C. L. Stevenson, Ethics and Language, III, § 4,1950, 5a ed., p. 46 ss.), mas o precedente aristotélico geralmente é ignorado.

2. Uma segunda espécie de qualidade consiste na capacidade ou incapacidade natural; neste sentido fala-se em lutadores, corredores, sãos, doentes, etc. (Cat., 8, 9 a 14). Esta é a qualidade que os escolásticos chamaram de ativa (cf., p. ex., Tomás de Aquino, Suma Teológica, III, q. 49, a. 2).

3. O terceiro gênero de qualidade é constituído pelas afeições e suas consequências: estas são as qualidade sensíveis propriamente ditas (cores, sons, sabores, etc). (Cat., 8, 9 a 27; cf. Met., V, 14, 1020 a 8). Os escolásticos chamaram essas espécies de qualidade passivas (cf. Tomás de Aquino, loc. cit.).

4. A quarta espécie de qualidade é constituída pelas formas ou determinações geométricas, como p. ex. pela figura (quadrado, círculo, etc.) ou pela forma (retilínea, curvilínea) (Cat., 8, 10 a 10).

Na história ulterior da filosofia pouco ou nada foi acrescentado a essas determinações e distinções feitas por Aristóteles sobre a qualidade. Querendo-se eliminar delas o que é devido à sua mais estreita conexão com a metafísica aristotélica, pode-se obter maior simplificação, e reduzir a três os quatro grupos acima, caracterizando-os da seguinte maneira:

a) determinações disposicionais, que compreendem disposições, hábitos, costumes, capacidades, faculdades, virtudes, tendências, ou qualquer outro nome que se queira dar às determinações constituídas por possibilidades do objeto;

b) determinações sensíveis, simples ou complexas, que são fornecidas por instrumentos orgânicos: cores, sons, sabores, etc;

c) determinações mensuráveis, que se submetem a métodos objetivos de medida: número, extensão, figura, movimento, etc.

Com esta modificação, a divisão aristotélica corresponde exatamente à de Locke; com efeito, as qualidade (a) são as que Locke incluiu na terceira espécie de qualidade: “aquelas que todos concordam em considerar apenas como meras capacidades que os corpos têm de produzir certos efeitos, embora se trate de qualidade tão reais no objeto quanto as que, para adequar-me ao modo comum de falar, chamei de qualidade, mesmo distinguindo-as das outras pelo nome de qualidade secundárias” (Ensaio, II, 8, 10). Por outro lado, as qualidade (b) e (c) correspondem às que Locke chamava, respectivamente, de qualidades primárias e secundárias (v. mais adiante). Assim retificada, a distinção entre as várias espécies de qualidade abrange todo o campo das discussões e dos problemas a que deu origem na tradição filosófica.

d) À noção de determinação disposicional faz referência não só a noção de qualidade oculta, mas também a de força, que a suplantou nos primórdios da ciência moderna. Newton dizia: “Os aristotélicos não deram o nome de qualidade oculta a qualidades manifestas, mas a qualidade que eles supuseram além dos corpos, como causas desconhecidas de efeitos manifestos; estas seriam as causas da gravidade, da atração magnética e elétrica ou das fermentações, se supuséssemos tratar-se de forças ou ações derivadas de qualidade que desconhecêssemos ou que fossem impossíveis de descobrir ou manifestar. Tais qualidade ocultas impedem o progresso da filosofia natural, e por isso foram abandonadas nestes últimos anos” (Optics, 1740, III, 31). Com o mesmo espírito, Wolff definia como oculta a qualidade “desprovida de razão suficiente”, e acrescentava: “qualidade oculta é, p. ex., a gravidade se for concebida como força primitiva ou como força que Deus infundiu à matéria, para a qual não se possa dar a priori nenhuma razão natural. Tal é também a força motriz, se for considerada uma força primitiva que Deus infundiu à matéria no momento da criação. Certamente Aristóteles e seus seguidores, que admitiram as qualidade ocultas, usaram esse termo com o mesmo significado” (Cosm., § 189). O reparo de Wolff é mais claro que o de Newton: uma força será uma qualidade oculta se dela não se der razão suficiente natural, mas não o será se for dada tal razão. Mas disso resulta também que tanto a noção de qualidade oculta quanto a de força são integráveis na noção de qualidade como disposição.

O mesmo significado de qualidade está presente no conceito de qualificação. “Qualificar-se para” ou “ser qualificado para” significa ter a capacidade ou a competência, ou seja, a qualidade disposicional para realizar dada tarefa ou alcançar determinado objetivo. Às vezes, porém, o termo “qualificado” significa somente “limitado” ou “caracterizado por dadas condições”, como acontece na linguagem jurídica.

b, c) As qualidade nos sentidos B e C são as qualidade tradicionalmente distinguidas como primárias e secundárias. Os termos “primário” e “secundário” remontam a Boyle, mas a distinção é bastante antiga e remonta a Demócrito (Fr. 5, Diels). Depois de muitos séculos foi retomada por Galileu (cf. Opere, ed. nac, VI, p. 347, ss.), por Hobbes (Decorp., 25, 3), por Descartes (Princ. phil., I, 57; Méd., VI) e por Locke (Ensaio, II, 3, 9), que a difundiu na filosofia europeia. A base da distinção é a possibilidade de quantificação que as qualidade no sentido c têm em relação às do sentido b. por esta possibilidade, fogem às valorações individuais, mostrando-se independentes do sujeito e plenamente “objetivas” ou “reais”. Em seguida a distinção foi combatida (p. ex., por Berkeley), principalmente com o fim de mostrar que nem mesmo as qualidade primárias são objetivas, e que todas são igualmente subjetivas, ou seja, consistem em “ideias” (Principles of Human Knowledge, I, § 87). Segundo Husserl, o significado da distinção seria o seguinte: “A coisa experimentada fornece o simples hoc, um x vazio que se torna portador das determinações matemáticas e das fórmulas inerentes, e que não existe no espaço perceptivo, mas num espaço objetivo do qual o primeiro é apenas indício, ou seja, numa variedade euclideana tridimensional de que só é possível fazer uma representação simbólica” (Ideen, 1, § 40). Neste sentido, as qualidade objetivas delineariam a natureza de um objeto transcendente à percepção sensível, ao qual esta acenaria como a algo distante. [Abbagnano]


Denomina-se, em geral, todo modo de ser, quer pertença à essência, quer se lhe acrescente. Em sentido estrito, são qualidades todas as formas acidentais. Como categoria especial, a qualidade é uma determinação da substância, determinação interna, absoluta e distinta da quantidade, p. ex., a vermelhidão, a rotundidade, a elasticidade. Como determinação interna, a qualidade amplia a riqueza ontológica da substância (em oposição às determinações externas, como o lugar e o tempo), contudo sem que a essência varie (em oposição à forma substancial). Enquanto acidente absoluto, a qualidade determina a substância em relação a si mesma, não imediatamente em relação a outra coisa (ao contrário da relação). A qualidade diferencia-se da quantidade, que confere a seu portador (ou sujeito) extensão e divisibilidade, pelo fato de ser indivisível em si, sendo só divisível quando depende de um sujeito extenso. O ser a qualidade algo distinto da substância e da quantidade dos corpos, depende de haver modificações corpóreas internas, irredutíveis a meras mudanças locais das partes (mecanicismo). — A unidade da qualidade em sujeitos diferentes denomina-se semelhança. — Em lógica designa-se como qualidade do juízo seu caráter afirmativo ou negativo. — vide qualidades sensoriais, intensidade. — Brugger.


Consideramos, neste artigo, as seguintes questões: 1. Definições tradicionais da noção de qualidade. 2. Distinção entre vários aspectos da qualidade especialmente entre a qualidade e a não qualidade. 3. Posições fundamentais sobre o conceito de qualidade. Acrescentaremos algumas palavras sobre 4. A qualidade no juízo.

DEFINIÇÕES TRADICIONAIS DA NOÇÃO DE QUALIDADE: Basear-nos-emos especialmente nas definições de Aristóteles. Segundo este autor, a qualidade é uma categoria: é aquilo em virtude do qual se diz de algo que é tal e qual. como todos os termos usados por Aristóteles, o termo qualidade não é unívoco:

Qualidade diz-se de vários modos. Por exemplo, a qualidade pode ser um hábito ou uma disposição. Pode ser também uma capacidade – como o ser bom corredor ou o ser duro ou mole. Pode ser algo afetivo, como a doçura. Pode ser, finalmente, a figura e a forma de uma coisa, como a curvatura. As únicas caraterísticas verdadeiramente próprias da qualidade são, segundo Aristóteles, a semelhança e a diferença. Noutro lugar, define-se a qualidade de quatro maneiras: a) como a diferença da essência (o homem é um animal que possui certa qualidade, porque é bípede); bem como propriedade de certos objetos imóveis matemáticos (o que existe na essência dos números além da quantidade); c) como propriedade das substâncias em movimento (calor e frio, brancura e negrura); e d) como algo relativo à virtude e ao vício e, em geral, ao bem e ao mal. Estes quatro significados reduzem-se a dois: a qualidade como diferença da essência (à qual pertence também a qualidade numérica) e a qualidade como modificação das coisas que se movem enquanto se movem, e as diferenças dos movimentos. Podemos dizer que o modo como a qualidade existe é a diferente consoante se trate da própria qualidade ou daquilo pelo qual algo é concretamente tal coisa.. A qualidade é, por isso, como dizem os escolásticos, um acidente que modifica o sujeito, mas do sujeito em sisi mesmo. A classificação de qualidades adotada por muitos escolásticos é sensivelmente parecida, além disso, à de Aristóteles. Em suma, podem definir-se as qualidades como formas acidentais.

DISTINÇÃO ENTRE VÁRIOS ASPECTOS DA QUALIDADE ESPECIALMENTE ENTRE A QUALIDADE E A NÃO QUALIDADE: é comum citar como a distinção mais importante e influente a que Locke apresentou entre as qualidades primárias e as secundárias. Note-se, para já, que esta distinção tem uma longa história. Locke e outros filósofos modernos rejeitaram, em grande parte, as investigações aristotélicas e escolásticas a este respeito, mas sem elas não se teria desenvolvido certamente a concepção moderna e menos ainda se tivesse adotado uma terminologia muito parecida. A origem desta distinção reside na distinção aristotélica entre o sentido do tato e as diversificações operadas no mesmo. No tato aparecem, segundo Aristóteles, diversas qualidades polares (o quente e o frio, o úmido e o seco, o pesado e o leve, o duro e o mole, o rijo e o frágil, o rude e o liso, o compacto e o amolecido). Destas qualidades destacam-se quatro como primárias: duas qualidades ativas (o quente e o frio) e duas qualidades passivas (o úmido e o seco). Estas, a que Aristóteles chama primeiras diferenças, contrapõem-se às restantes qualidades. Não se trata, contudo, de diferenças psicológicas, mas físicas. A elas se reduzem as restantes qualidades, e assim se produz, nelas, uma distinção entre o primário e o secundário. As qualidades primárias designam, pois, nestas concepções, as qualidades fundamentais e irredutíveis; as qualidades secundárias, as qualidades acidentais e redutíveis. Os autores modernos mantiveram duas teses, uma defendida principalmente por Francis Bacon no NOVUM ORGANUM, segundo a qual, de um modo parecido aos escolásticos, há dois tipos de qualidades, ambas reais, mas umas mais patentes ou visíveis que outras; a outra, defendida por Hobbes e outros, segundo a qual há, por um lado, uma matéria sem qualidades, ou então uma matéria com propriedades puramente mecânicas, que é objetiva, e, por outro lado, certas qualidades que também podem distinguir-se em primárias e segundas ou primárias e secundárias na significação aristotélico-escolástica que são subjectivas (no sentido moderno desta expressão). Esta última tese foi a predominante à medida que se foi desenvolvendo a concepção mecânica da natureza.

Descartes, nas meditações, propõe o célebre exemplo do pedaço de cera que quando se aproxima do fogo perde todas as suas qualidades, menos as fundamentais: flexibilidade, movimento e, sobretudo, a extensão. Nos PRINCÍPIOS, fala de que as grandezas, figuras e outras propriedades semelhantes se conhecem de modo diferente das cores, sabores, etc, que nada há nos corpos que possa excitar em nós qualquer sensação, excepto o movimento, a figura ou situação e a grandeza das suas partes. Em resumo, vemos nesse período a tendência para distinguir o primário ou mecânico e o secundário ou sensível. Ora, enquanto os filósofos citados parecem afastar-se cada vez mais da terminologia escolástica, ao reservar o nome de qualidades para todas as propriedades redutíveis a outras propriedades mais fundamentais, Locke seguiu uma tendência parecida, utilizando embora um vocábulo escolástico. Assim, no ENSAIO, introduziu a célebre distinção entre qualidades primárias ou originais, isto é, qualidades dos corpos que são completamente inseparáveis deles, “e tais que em todas as alterações e mudanças que o corpo sofre” se mantém como é qualidades secundárias, isto é, qualidades que não se encontram, na verdade, nos próprios objetos, mas que são possibilidades de produzir várias sensações em nós mediante as suas qualidades primárias. São exemplos das primeiras: solidez, extensão, figura e mobilidade. São exemplos das segundas: cores, sons e gostos. A estes dois tipos de qualidades – diz Locke – pode acrescentar-se uma terceira, que são as meras possibilidades, “embora elas sejam qualidades tão reais na coisa como aquelas a que chamo, segundo o vocabulário usual, qualidades”. Vemos, pois, que a distinção de Locke é ao mesmo tempo o culminar de uma longa história do estudo do problema da qualidade e uma considerável precisão da doutrina moderna com a ajuda do vocabulário escolástico.

A doutrina anterior teve, certamente, objecções. Em geral, todas as filosofias qualitativas rejeitam a distinção. Além disso, note-se que pode entender-se a mesma como uma distinção do real ou como um princípio fundamental da teoria do conhecimento. Os dois sentidos nem sempre aparecem bem claros nos escritos dos filósofos dos séculos dezassete e dezoito, embora possa dizer-se, em muitos casos, a distinção em ~sentido gnoseológico, se apoia numa distinção em sentido ontológico. Em contrapartida, a partir do século dezoito, predominou entre os filósofos a distinção em sentido gnoseológico.

Pode considerar-se que as posições possíveis sobre a noção de qualidade são fundamentalmente as seguintes:

a) Concebem-se as qualidades como as únicas propriedades específicas das coisas (Berkeley).

b) conceberam-se as qualidades como propriedades das coisas, mas não como propriedades únicas. Podem ser, com efeito, propriedades que modifiquem o objeto ou formas acidentais (Aristóteles, muitos escolásticos).

c) Conceberam-se as qualidades como propriedades redutíveis a outra propriedade ou a outra série de propriedades (mecanismo). As qualidades são então subjectivas se mantiver o nome qualidade também para as qualidades objetivas, introduz-se então a citada distinção e três qualidades primárias e secundárias.

d) Conceberam-se as qualidades como propriedades irredutíveis. Esta posição aproxima-se de a) e tem muitas variantes..

A QUALIDADE NO JUÍZO: Na lógica, chama-se qualidade do juízo a uma das formas como ele se pode apresentar. Segundo a sua qualidade, os juízos dividem-se em afirmativos e negativos; a qualidade refere-se à cópula em que se expressa “s é p” ou “s não é p”. Não existem propriamente, segundo a qualidade, senão estas duas espécies de juízos; contudo, para os efeitos de formação sistemática do quadro de categorias e, portanto, unicamente na sua referência à lógica transcendental, Kant acrescenta aos juízos afirmativos e negativos os limitativos ou indefinidos. O juízo indefinido consiste simplesmente em excluir um sujeito da classe dos predicados a que a proposição se refere. Assim, deve distinguir-se, segundo Kant, entre “a alma não é mortal” e “a alma é imortal”. Com a proposição “a alma não é mortal”, afirmei, realmente, segundo a forma lógica, ponto a alma na ilimitada circunscrição dos seres imortais. porque como o mortal constitui uma parte de toda a extensão dos seres possíveis, e o imortal a outra parte, com a minha proposição apenas se disse que a alma é uma das muitas coisas que permanecem quando se tirou delas tudo o que é mortal” (Crítica da Razão Pura). As categorias correspondentes à qualidade são a realidade, a negação e a limitação. Kant, só pode conhecer-se a priori, nas quantidades em geral, uma só qualidade, “isto é, a continuidade, e em toda a qualidade (no real do fenômeno) só pode conhecer-se a sua quantidade intensiva, pertencendo tudo o mais à experiência”. [Ferrater]


A doutrina da qualidade foi exposta por Aristóteles principalmente nas Categorias (c.8) e secundariamente na Metafísica (L.5, c.14). A mais simples observação desses textos manifesta que o filósofo procedeu, segundo seu costume, por uma análise empírica, colecionando e classificando as principais modalidades de ser que pareciam suscetíveis de se alinhar nessa categoria. A forma sistemática tomada pela exposição clássica dessa questão é obra de seus comentadores, notadamente Tomás de Aquino.

Natureza da qualidade. Os gêneros supremos, a bem dizer, não se definem; são noções primitivas das quais se trata somente de ter uma visão distinta. Aristóteles leva a isto no caso que nos interessa, convidando a considerar o efeito da categoria; a qualidade é o que, concretamente, “qualifica” a coisa:

qualitas est secundam quam res quales dicuntur.

O fato de “qualificar” um sujeito pertence em uma coisa à sua forma, que lhe confere ser tal coisa especificamente distinta de outras coisas. Mas esta determinação primeira não é suficiente para assegurar a perfeição de um ser, esta requerendo qualificações adventícias que pertencem à ordem dos acidentes: é por esta razão que se distinguem qualidades provenientes de um predicamento especial.

Como este se distingue dos outros predicamentos acidentais? Em um sentido bastante geral pode-se dizer que todos os acidentes determinam o sujeito, mas todos não o “qualificam”, não o tornam intrínseca e formalmente “tal”. Assim, tornar divisível, estender as partes (o que diz respeito à quantidade) não é manifestamente “qualificar”; quantidade e qualidade são, portanto, realmente distintas. Quanto aos outros predicamentos, se, de alguma maneira, podem ser ditos qualificar o sujeito, apenas o fazem do exterior, ou em referência a qualquer coisa de outro sujeito. Só a qualidade no sentido estrito, a cor, por exemplo, ou as disposições virtuosas, “qualificam” absoluta e intrinsecamente o sujeito substancial. Está-se, pois, perfeitamente autorizado a considerar a qualidade como uma categoria a parte.

– As espécies de qualidade.

Aristóteles, no livro das Categorias, (c. 8), distingue quatro espécies de qualidade, que Tomás de Aquino organiza em três grupos (Ia IIae, q. 49, a. 2).

Em relação à natureza mesma do sujeito substancial, a qualidade toma os nomes de disposição e de habitus (1a espécie de qualidade); estes modos de qualidade se diversificam por sua vez em bons ou maus segundo são, ou não são, ordenados à perfeição da natureza considerada. A disposição se distingue do “habitus” pela menor estabilidade que implica. Exemplo de habitus: as artes, as ciências, as habilidades manuais, as virtudes.

Segundo a ordem à atividade ou à passividade, encontramos a segunda e a terceira espécies de qualidade: a potência e a impotência (2a espécie de qualidade) que afetam o sujeito enquanto este é suscetível ou não suscetível de ter uma atividade; por exemplo, a inteligência, a imaginação; a vontade; as qualidades passíveis (passibiles qualitates) (3a espécie de qualidade): isto é, as qualidades que afetam imediatamente os sentidos e que se encontram no princípio e no termo das alterações físicas; no peripatetismo eram aí alinhadas, o quente, o frio, o seco, o úmido, etc.

Enfim, em relação à quantidade concreta deve-se ainda distinguir a forma e a figura (4a espécie de qualidade), que terminam e dispõem a quantidade, a qual requer necessariamente ser limitada. Exemplo: uma figura esférica, a forma de um vaso. [Gardeil]