Filosofia – Pensadores e Obras

perda

Em 1917, apareceu, em Internationale Zeitschrift für Psychoanalyse (vol. IV), o ensaio intitulado “Luto e melancolia”, um dos raros textos em que Freud enfrenta tematicamente a interpretação psicanalítica do antigo complexo humoral saturnino. A distância que separa a psicanálise dos últimos resquícios do século XVII da medicina humoral [v. humores] coincide com o nascimento e o desenvolvimento da moderna ciência psiquiátrica, que classifica a melancolia entre as formas graves de doença mental; não é, pois, sem alguma surpresa que encontramos na análise freudiana do mecanismo da melancolia, traduzidos naturalmente para a linguagem da libido, dois elementos que apareciam tradicionalmente nas descrições patrísticas da acídia e na fenomenologia do temperamento atrabiliário, e cuja persistência no texto freudiano testemunha a extraordinária fixidez no tempo da constelação melancólica: o recesso do objeto e a retração em si mesma da intenção contemplativa.

Segundo Freud, o mecanismo dinâmico da melancolia em parte toma emprestadas as suas características essenciais do luto e em parte da regressão narcisista. Assim como, no luto, a libido reage diante da prova da realidade que mostra que a pessoa amada deixou de existir, fixando-se em toda lembrança e em todo objeto que se encontravam relacionadas com ela, assim também a melancolia é uma reação diante da perda de [43] um objeto de amor, ao que não se segue, porém, conforme se poderia esperar, uma transferência da libido para um novo objeto, mas sim o seu retrair-se no eu, narcisisticamente identificado com o objeto perdido. De acordo com uma fórmula concisa de Abraham, em estudo sobre a melancolia, publicado cinco anos antes, e cujas conclusões servem de base para a investigação de Freud: “depois de se ter retirado do objeto, o investimento libidinoso volta para o eu e, simultaneamente, o objeto é incorporado ao eu”.

Contudo, com relação ao processo genético do luto, a melancolia apresenta em sua origem uma circunstância especialmente difícil de explicar. Freud não esconde o seu embaraço diante da irrefutável constatação de que, enquanto o luto sucede a uma perda realmente acontecida, na melancolia não só falta clareza a respeito do que foi perdido, mas nem sequer sabemos se podemos de fato falar de uma perda. “Deve-se admitir” — escreve ele com certo desapontamento — “que se produziu uma perda, mas sem que se consiga saber o que foi perdido”. Além disso, procurando suavizar as contradições a partir das quais haveria uma perda, mas não um objeto perdido, ele fala logo depois de uma “perda desconhecida”, ou de uma “perda objetual que escapa à consciência”. O exame do mecanismo da melancolia, tal como é descrito por Freud e por Abraham, mostra que o recesso da libido é o dado original, para além do qual não é possível remontar; assim, querendo conservar a analogia com o luto, dever-se ia afirmar que a melancolia apresenta o paradoxo de uma intenção lutuosa que precede e antecipa a perda do objeto. A psicanálise parece ter chegado aqui a conclusões bem parecidas àquelas alcançadas pela intuição psicológica dos Padres da Igreja, que concebiam a acídia como recesso frente a um bem que não foi perdido e interpretavam o mais terrível dos seus filhos, o desespero, como antecipação do não-cumprimento e da condenação. Dado que o recesso do acidioso não nasce de um defeito, mas de uma excitada exacerbação do desejo, que torna inacessível o próprio objeto na [44] desesperada tentativa de proteger-se dessa forma em relação à sua perda e de aderir a ele pelo menos na sua ausência, assim se poderia dizer que a retração da libido melancólica não visa senão tornar possível uma apropriação em uma situação em que posse alguma é, realmente, possível. Sob essa perspectiva, a melancolia não seria tanto a reação regressiva diante da perda do objeto de amor, quanto a capacidade fantasmática de fazer aparecer como perdido um objeto inapreensível. Se a libido se comporta como se tivesse acontecido uma perda, embora nada tenha sido de fato perdido, isso acontece porque ela encena uma simulação em cujo âmbito o que não podia ser perdido, porque nunca havia sido possuído, aparece como perdido, e aquilo que não podia ser possuído porque, talvez, nunca tenha sido real, pode ser apropriado enquanto objeto perdido. Nesta altura, torna-se compreensível a ambição específica do ambíguo projeto melancólico, que a analogia com o mecanismo exemplar do luto havia desfigurado parcialmente e tornado irreconhecível, e que justamente a antiga teoria humoral identificava na vontade de transformar em objeto de abraço o que teria podido ser apenas objeto de contemplação. Cobrindo o seu objeto com os enfeites fúnebres do luto, a melancolia lhes confere a fantasmagórica realidade do perdido; mas enquanto ela é o luto por um objeto inapreensível, a sua estratégia abre um espaço à existência do irreal e delimita um cenário em que o eu pode entrar em relação com ele, tentando uma apropriação que posse alguma poderia igualar e perda alguma poderia ameaçar. [AgambenE:43-45]