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ontologia

quinta-feira 25 de janeiro de 2024

  

Poder?íamos classificar de “ontológica” a primeira figura? da reflexão fundamental, embora essa palavra? seja recente. Com efeito?, para os filósofos que se seguiram a Tales ou a Anaxímenes  , a reflexão formal bastava para dar conta do princípio primeiro. Parmênides  , morto pouco antes do nascimento de Platão (cerca de 428 a.C.), tinha mostrado que a inteligência deve pôr formas puramente abstratas e necessárias para exercer corretamente sua natureza?. A primeira parte de seu Poema repete, como um refrão, que “pensar? e ser? são a mesma coisa?”. Não se pode pensar sem pensar positivamente o que é pensado. “Observa como as coisas? ausentes estão firmemente presentes para o pensamento?” precisava o filósofo de Eleia [1], para confirmar seu pensamento, inventando assim a “ontologia?” que reúne, em um laço necessário, o logos? e o on. [11]

No entanto, essa tese de Parmênides é insustentável se for posta de maneira demasiado rígida. O diálogo que Platão intitulou Parmênides reconheceu uma distância no acordo? primordial meditado pelo Eleata. O “ente” é outra coisa do que “um”, porque “ente” e “um” têm significações diferentes. Essa reflexão de Platão liberou o ente da jurisdição imediata do logos e abriu um novo espaço para a pesquisa intelectual?. O ente não está imediatamente presente? ao logos; para exprimi-lo corretamente, é preciso dizê-lo mediatamente. Igualmente, o logos não é um ente como todos os outros: abriga o enunciado? do ente. Há, pois, que encontrar categorias capazes de mediatizar o ente e o logos. Aristóteles   (morto em 322 a.C.) empreendeu esse trabalho? em sua Metafísica e em suas investigações lógicas. O pensamento acolhe o ente adaptando suas palavras para isso. Essa reflexão aprofundou-se no decorrer dos séculos. A ontologia articulou de maneira sempre mais rigorosa essas categorias mediadoras. A teologia? cristã a ajudou nessa tarefa. Assim, o De Trinitate de S. Agostinho (terminado por volta de 415) empreendeu uma reflexão sobre a substância e a essência, sobre o acidente? e a relação, ou ainda sobre a pessoa?. Todavia, no domínio da estrita ontologia, durante muito tempo? nenhum dogmatismo? se impôs, se é que alguma vez isso se produziu. A questão da substância e da essência, foi objeto? de análises complexas no Monologion de S. Anselmo (cerca de 1076), depois, evidentemente, no De ente et essentia de Sto. Tomás, e ainda com muita frequência em outros lugares e outros tempos

Com o nominalismo dos séculos XIV e XV, o pensamento se fez decididamente lógico, e a intenção “metafísica” da filosofia? primeira foi posta de lado em favor de seu aspecto “ontológico”. Nesse contexto? foi criado o conceito? de philosophia perennis?. [...]

Os escolásticos dos séculos XVI e XVII tinham, por seu lado, prosseguido seus esforços numa linha muito formal. Sua ontologia não se interessava inicialmente pelos existentes reais, mas por nossos conceitos logicamente mais universais? (“ser”, “substância”, “essência” etc.). A seguir, o alemão Christian Wolff, que não pertence às “Escolas” eclesiásticas, mas que participava da mesma mentalidade? formal, criou entre 1728 e 1739 um sistema? filosófico completo que englobava o mundo?, o homem e Deus?, e que ele introduzia por uma ontologia desse gênero. De fato?, essas ontologias não tiveram quase fecundidade. Seus refinamentos lógicos e a acumulação progressiva de suas divisões nocionais acentuaram o embotamento do ente real? por trás de seus discursos abstratos. Suas pretensões a tudo decompor e recompor sem outras razões que as necessidades de sua lógica imitavam as ciências matematizadas mas sem a prudência de suas verificações concretas. Cerca de 40 anos depois da publicação da obra de Wolff, com Immanuel Kant  , essas perspectivas sofriam os ataques mais decididos. Segundo o filósofo da Crítica da Razão Pura (1781), Wolff propunha um princípio cujo alcance não tinha considerado. Porque negligenciou precisar o poder da razão, sua recomposição do real caía em um dogmatismo sem dúvida? ingênuo. Para restituir sua dignidade? à reflexão fundamental, Kant empreendeu, pois, um novo caminho?, o da crítica atenta ao exercício do pensamento pensante, antes que à estrutura? do objeto pensado. Desse modo?, a reflexão sobre o principio primeiro confundiu-se com a epistemologia?, mas ganhou em modéstia perante o real.

A filosofia primeira dos Tempos Modernos aceitou o novo paradigma? da ciência: a ciência não reflete a realidade?, mas a fabrica e a antecipa calculando-a. A realidade não é dada. A ontologia moderna, como se apresentasse uma alternativa à ciência, não pretendia, mais que essa, refletir a realidade em seu discurso?, e sim interrogar-se sobre a eficácia inegável de nossas lógicas. Porém não tomou consciência do risco que incorria — o de uma possível redução da realidade à potência de suas formas. Kant despertou a filosofia de seu sono? dogmático. Segundo ele, o conhecimento? não tem outro apoio que a experiência sensível, e não é razoável pretender conhecer? o primeiro princípio da realidade de uma maneira imediatamente formal. O filósofo de Königsberg contestou também a pretensão da lógica formal de presidir o saber? dos princípios. A perspectiva kantiana atraiu a atenção dos pensadores sobre os atos subjetivos do acolhimento dos entes. A filosofia primeira se interessou então, menos pelo estudo? dos conceitos aparentemente [13] já constituídos do que pelo estudo das ações que os produzem. Deixou de lado a análise da linguagem? dada a fim? de empreender uma hermenêutica do pensamento constituinte, com o risco de acentuar ainda mais a orientação para o subjetivismo que a ontologia formal já tinha praticado ingenuamente.

Na verdade?, a reflexão crítica sobre o princípio não respondia a uma exigência inaudita. Os Antigos sabiam que “tudo o que é recebido, é recebido segundo as modalidades daquele que o recebe”. Isso não significava para eles que o pensamento que pensava o ente não conhecesse seu poder único. A meditação tomista rendeu homenagem ao pensamento que, aberto? à transcendência, se conhece abrindo-se à transcendência, melhor do que contemplando?-se em uma espécie de espelho interior impossível. A reflexão dos modernos sabe igualmente que o pensamento tende para o que ele não é. O estudo das condições subjetivas não leva necessariamente ao subjetivismo. Pode-se entender a abertura do sujeito? pensante reconhecendo-lhe um horizonte? indefinido?, a realidade total. Sobre o fundo dessa abertura indefinida, nossos Prolegômenos interpretarão o sentido? de nossas pesquisas pacientes e de nossas práticas prudentes. Contudo, o acento posto na ação do pensamento pode às vezes deixar entender que a subjetividade é a única dona de seu destino?. As Meditações cartesianas, de Edmund Husserl   (1929), mediram a intenção intelectual pelo padrão da consciência subjetiva. Esse pensamento, tentado pelo solipsismo, pode ser redirecionado. Com Martin Heidegger  , a filosofia primeira passou do ponto? de vista da consciência constituinte para a análise da existência vivida. A metafísica recebeu assim uma terceira forma? histórica, depois da ontologia nocional dos clássicos e da epistemologia crítica dos kantianos. Vamos examinar mais de perto essa nova figura da filosofia primeira, que foi chamada “ontologia fenomenológica”. [PGMeta:11-14]


LÉXICO: ontologia

Observações

[1Parmênides, Poema, frag. 4. Citação precedente: frag. 3; 6,1; 8,5 e 34. Tradução de N. L. Cordero, Les deux chemins de Parmènide, p. 37.