O não-ser. Designa mais um não-ser no sentido psicológico do que um não-ser físico (o vazio): na filosofia hindu, o nada ou “nirvana” designa o estado de apatia que o indivíduo alcança quando se livrou de todo desejo, de toda tendência à ação. A filosofia existencialista, inspirando-se na de Hegel, devolveu à noção do nada um papel fundamental: o nada seria experimentado na angústia da morte; Sartre (em O ser e o nada, 1948) identificou a experiência do nada à da liberdade, pela qual recusamos nosso estado e decidimos “não mais ser o que somos”: o nada experimentado na experiência da negação, na da ausência ou na do fracasso. Mas são ainda as análises de Hegel, na Fenomenologia do espírito, as mais sugestivas: o nada seria sentido na experiência da angústia em que o mundo se torna “totalmente fluido”, em que o indivíduo se aniquila numa impressão de queda e vertigem infinitas. Essa experiência seria precisamente a do condenado à morte (e, na Antiguidade, a do escravo, que poderia ser condenado à morte a qualquer momento por seu amo). — De maneira geral, dizemos que a noção do “nada” só pode ter sentido quando se trata de um “nada relativo”, experimentado na experiência da ausência, da passagem das coisas e de qualquer forma de aniquilamento. A ideia de um “nada absoluto” só poderia ser uma ausência absoluta de ideia. [Larousse]
Quantidade “zero” de um objeto suscetível de aumentar e de diminuir. Para designar esse estado de coisas, dizemos que o respectivo objeto “não é”. Porém, há uma diferença marcada entre “não ser” uma coisa e ser “nada” dela. Assim o frio “não é” calor, contudo não é por isso “nada” de calor, porque o frio só representa um grau reduzido de movimento molecular que, pela mera intensificação desse mesmo movimento, passa a ser calor. Esse movimento reduzido (frio), pois “não é” calor, não é porém um “nada” de calor. Igualmente, como diz Pascal, uma casa “não é” uma cidade; contudo não é um “nada” de cidade, porque é uma das mil casas que constituem a cidade.
Além dessa acepção puramente quantitativa, o problema do nada é basilar e dos mais intrincados da filosofia. Há, em primeiro lugar, o problema do nada no sentido cosmológico da existência de um vácuo, de espaço vazio, cuja possibilidade já fora rejeitada pela maioria das escolas gregas, o que foi reforçado pelas teorias modernas.
Do problema cosmológico do nada resulta um problema metafísico, no momento em que as coisas do mundo visível são reconhecidas como transitórias e não eternas, de maneira que antes de existirem eram nada. Ora, é uma atitude típica do pensamento grego conceber as coisas não existentes não como nada, mas como “encontrando-se no nada”. Isso implica ainda que inconscientemente uma valoração positiva do nada, que aparece como um segundo mundo, menos substancial, o mundo da não-existência, mas que de qualquer maneira não deixa de ser algo. Assim Platão ao lado do seu mundo real das ideias, admite um outro mundo do não-ser (mé on), como matriz da qual as coisas reais são criadas. Em Aristóteles, o conceito do nada se prende ao conceito da potencialidade. Visto que tudo passa do estado potencial para o de uma forma de quase-subsistência, e as coisas potenciais são e não são ao mesmo tempo. Simultaneamente o fato de que certas coisas potenciais não cheguem à atualização, conduz à ideia de privação e imperfeição.
O problema do nada como imperfeição, como falta de uma coisa que devia ter lugar, ocupou particularmente os neoplatônicos que converteram o problema metafísico em um problema ético. O não-ser, como privação aderente ao ser do mundo físico, reduz as manifestações desse mundo a um grau inferior do ser, e é ao mesmo tempo a causa do mal. No mesmo sentido a escolástica que equipara “ser” e “bem” (ens et bonum convertuntur) define o mal como um defeito, privação, falta do bem (defectus bonis). Nesse sentido ético o nada aparece como oposição absoluta e negação peremptória do ser e não aceita, como nas várias acepções metafísicas e cosmológicas, uma interpretação de qualquer maneira positiva, como a encontramos em pensadores medievais que até chegam a declarar que, desde que Deus criou o mundo do nada, o nada pertence à essência de Deus.
O ponto de vista aristotélico foi retomado e desenvolvido por Hegel, que considera o dever como a última e absoluta realidade, um fator negativo é tão necessário como o positivo. A proclamação hegeliana da identidade do ser e do não-ser tenta resolver o problema de maneira muito peculiar. Outros pensadores, muito longe de tal identificação dos extremos mais opostos que se podem imaginar, trataram de esclarecer a ideia do “nada absoluto” em sua mais rigorosa acepção. Enquanto alguns afirmam a possibilidade de tal ideia, outros a rejeitam por razões semelhantes àquelas que Bergson formula na observação seguinte: “A ideia do nada absoluto, compreendida no sentido de uma abolição de tudo, é uma ideia que destrói a si mesma, uma pseudo-ideia, uma simples palavra. Se suprimir alguma coisa consiste em substitui-la por uma outra, se pensar a ausência de uma coisa só é possível pela representação mais ou menos explícita da presença de qualquer outra coisa, a ideia de uma abolição de tudo é tão absurda como a de um círculo quadrado. Há mais, e não menos, na ideia de um objeto concebido como ‘existente’ , porque a ideia do objeto ‘não existente’ é necessariamente a ideia do objeto existente, aumentada pela representação de uma exclusão desse objeto da realidade atual tomada em bloco”.
Crítica: Não propôs Platão que houvesse alguma coisa fora do ser, porque nada há fora dele. O nada não é um ponto de partida para o ser, como não o é também no pensamento cristão, pois é uma ingenuidade pensar-se que a creatio ex nihilo indicasse uma gestação do ser ele nada, pois o Criador é eterno e é Ser e antecede ontologicamente e por dignidade à criatura. Entre ser e não-ser há apenas uma relação de razão. Ao comentar a criação ex nihilo, Tomás de Aquino diz: “Deus facit ex nihilo… non quod nihilum cedat in substantiam rei, sed quia ab ipso tota substantia rei producitur nullo alio suppositos” (Summa Theol., I, q. 41, a 3, c). Não há assim um supósito anterior, de onde o criador tirasse os entes criados (criaturas). Ao criá-los, deu-lhes o ser. É nossa imaginação que concebe, sem contudo poder entendê-lo, esse abismo de nada anterior à criação. Quando Platão postula que há previamente o ek mageion amorphon, que é informado, determinável pelo ato, que o determina, não o afirma anterior cronologicamente à criação, pois o conceito de determinante implica simultaneamente a determinação, já que o ato de determinar é de vetor inverso ao sofrer determinação pois, para determinar é preciso que algo seja determinado.
O ser não pode proceder senão do ser, o que subtende a participação. No pensamento cristão, como o demonstrou Tomás de Aquino, a participação está implícita na criação, esta não pode ser compreendia sem aquela, e ao contrário. Compreende-se então que não era infenso a Platão o pensamento criacionista, não naturalmente com as características e a precisão que teria no pensamento filosófico cristão.
A metáfora do demiurgo (do artesão) completa a estrutura ontológica da criação-participação, conceitos inseparáveis e vivos em todo o pensamento filosófico mais elevado. Se cabe a Tomás de Aquino o papel de reunir num só bloco esses dois conceitos, não se pode negar que foi inspirado no pensamento platônico, que conseguiu através do empirismo aristotélico, fundar as bases de uma concepção cristã, que é mais profundamente platônica do que inspirada no Estagirita.
A especulação em torno do nada leva-nos a classificá-lo de quatro modos:
1) Nada absoluto (que chamamos nihilum) que é a ausência total e absoluta do ser, a negação absoluta, que é absurda.
2) Nada absoluto parcial, a ausência absoluta de ser (vacuum), um oceano de nada, cercando uma ilha de ser. Pensamento também absurdo não de per si, mas segundo demonstração.
3) Nada de ser criacional antes do ser criacional, que é apenas o possível de ser feito, que cabe ao possível de fazer. A potência de vir-a-ser ante o poder de determinar. É o me on de Platão, o Meon, como o chamamos, que é objeto da meontologia, cujas bases estão expostas em nossa Filosofia Concreta.
4) Nada relativo o não-ser isto ou aquilo, o nada da nossa experiência.
Na obra citada realizamos as especulações que se podem fazer dentro da dialética concreta ao tema do nada. Vide Ideias Negativas. [MFSDIC]
Bergson declarou que a ideia do nada é muitas vezes o motor invisível da especulação filosófica. Na filosofia grega, esta ideia surgiu de várias maneiras como problema da negação do ser, como problema da impossibilidade de afirmar o nada, etc.. Foi comum a muitos pensadores a ideia de que o nada é a negação do ser; O que há, para já, é o ser e só quando se nega este “aparece” o nada. Outros defenderam que só pode falar-se com sentido do ser uma vez que, como afirmava Parmênides, só o ser é e o não ser não é. Outros ativeram-se á tese de que do nada não advém nada; afirmar o contrário equivaleria a destruir a noção de causalidade e a de que as coisas poderiam surgir do acaso. Finalmente outros, como Platão, tentaram ver qual é a função que pode desempenhar uma “participação do nada” na concepção dos entes que são, ou declararam, como Aristóteles, que tanto a negação como a privação se dão dentro de afirmações, uma vez que do não ser pode afirmar-se que é. Em geral, pois, os filósofos gregos enfrentaram o problema do nada principalmente do ponto de vista do ser.
O pensamento cristão substituiu o princípio segundo o qual do nada não advém nada pelo princípio segundo o qual do nada advém o ser criado. A concepção de que Deus criou o mundo do nada transformou inteiramente as bases da especulação filosófica e teve grande influência na filosofia moderna.
Kant assinala que o conceito supremo de que costuma partir uma filosofia transcendental é a divisão entre o possível e o impossível. Mas qualquer divisão supõe um conceito dividido e há que remontar a este. Esse conceito é o conceito de objeto em geral (prescindindo de que se trate de um algo ou de um nada). A ele se irão aplicar os conceitos categoriais e, de acordo com cada um deles, haverá diversos tipos de nada. O sentido ontológico da privação e da negação foi acentuado por Hegel quando, mesmo no começo de A CIÊNCIA DA LÓGICA, manifesta que o ser e o nada são igualmente indeterminados: Com efeito, “o ser, o imediatamente determinado é, na realidade, um nada” e “o nada tem a mesma determinação ou, melhor dizendo, a mesma falta de determinação que o ser”. Segundo Hegel, esta identificação é possível porque se esvaziou previamente o ser de toda a referência com o fim de alcançar a sua pureza absoluta; assim purificado, do ser diz-se o mesmo que do não ser e, portanto, o ser e o nada são a mesma coisa. A absoluta imediatez do ser coloca-o no mesmo plano que a sua negação e só o devir poderá surgir como um movimento capaz de transcender a identificação da tese e da antítese.
Bergson assinala, por seu lado, que a metafísica sempre rejeitou a duração e a existência como fundamentos do ser pelo fato de os considerar contingentes. Daí as tentativas sempre fracassadas de deduzir da essência a existência. Esta dificuldade fica solucionada, segundo Bergson, quando se demonstra que a ideia do nada é uma pseudo-ideia, quando se nota que não se pode nem imaginá-la nem pensá-la e que o pensar só suprime uma parte do todo e não o próprio todo, isto é, só suplanta um ser por outro ser. A representação de um objeto como inexistente acrescenta algo à ideia do objeto: acrescenta-lhe a ideia de exclusão. Daí que haja mais e não menos na ideia do objeto concebido como inexistente que na do objeto concebido como existente.
Diferente da de Bergson é a ideia de Heidegger sobre o nada. Heidegger não pergunta porque é que se afirma que há um nada, mas porque é que o não há. O nada não é, para Heidegger, a negação de um ente, mas aquilo que possibilita o não e a negação. O nada é o elemento dentro do qual flutua, esbracejando para se sustentar, a existência. Este nada descobre-se na têmpera existencial da angústia. Assim, o nada é aquilo que torna possível o transcender do ser. Aquilo que implica – não lógica mas ontologicamente – o ser. Por isso há uma potência do nada sem a qual não haveria liberdade. Pensadores de tendência lógica- analítica criticaram esta concepção que proposições tais como “o nada aniquila” significam logicamente o mesmo que “a chuva chove”. Tais teses acerca do nada serão rebeldias inaceitáveis às regras sintéticas da linguagem. Cabe dizer que Heidegger não pretende formular proposições acerca do nada. Isto vê-se claramente na exposição de Sartre. Este aceita e corrige as análises de Heidegger, sustentando que o ser pelo qual o nada vem ao mundo deve ser o seu próprio nada. Para esses autores, pois, só a liberdade radical do homem (entendida no caso de Sartre como nada) permite enunciar significativamente essas proposições. Sartre diz, explicitamente, que o problema da liberdade condiciona o aparecimento do problema do nada, pelo menos na medida em que a liberdade é entendida como algo que precede a essência do homem e a torna possível, isto é, na medida em que a essência do ser humano está suspensa da liberdade. O suposto íntimo de Heidegger e Sartre seria o da “impotência da lógica para enfrentar semelhante problema, pois a lógica apareceria só no momento em que houvesse um ser enunciador, que se tornaria possível precisamente, porque transcendido do nada. [Ferrater]