A doutrina segundo a qual não existe outra substância além da matéria. Opõe-se ao espiritualismo, que tem no espírito a substância de toda a realidade. Materialismo e espiritualismo são doutrinas “ontológicas” sobre a natureza do “ser” ou da realidade; sua oposição não deve ser confundida com a do idealismo e realismo, que são doutrinas “gnoseológicas” (v. gnoseologia) sobre o fundamento do conhecimento. — De maneira geral, o materialismo rejeita a existência da alma, do além e de Deus. Quanto ao pensamento, faz disso um “dado segundo”, conduzindo-o a fatos puramente materiais (Demócrito) ou negando-o como realidade e vendo nele uma espécie de ilusão (um “epifenômeno”), ou ainda explicando sua gênese a partir da matéria (materialismo dialético). O materialismo recusa-se a reconhecer a especificidade do psíquico (liga, por ex., a descoberta espiritual de uma ideia a uma reação físico-química no cérebro) e considera o conhecimento do homem como um simples prolongamento do conhecimento da natureza. Interdita-se, assim, toda tomada “compreensiva” das realidades espirituais e humanas. (V. epifenômeno, marxismo, materialismo dialético.) [Larousse]
Só a partir do momento em que se estabeleceu uma clara separação entre a realidade pensante e a realidade não pensante (Para Descartes “extensa”) se pôde falar de materialismo, nome que conviria, pois, às doutrinas dos que afirmam que só há um dos dois citados tipos de realidade: a realidade material ou material-extensa. O materialismo sustenta que qualquer realidade é de caráter material ou corporal. Embora a restrição do uso de materialismo a certas tendências da época moderna tenha alguma razão de ser, pode usar- se retroativamente o nome materialismo para designar doutrinas anteriores ao materialismo moderno. Em rigor, o materialismo – chama-se epicurismo, corporalismo ou de qualquer outro modo – é uma doutrina muito antiga:… Como filosofia, os caracteres próprios do materialismo, melhor dizendo, de cada doutrina materialista, podem ser diferentes. Com efeito, não é a mesma coisa, em princípio, o materialismo dito teórico que o materialismo dito prático. Nem sempre são equivalentes, embora muitas vezes se sobreponham, o materialismo como doutrina e o materialismo como método. Do ponto de vista histórico, o conteúdo de uma doutrina materialista depende, em grande parte, do modo como se defina ou entenda a matéria que se supõe ser a única realidade. Assim, o materialismo de Demócrito ou Epicuro é diferente do chamado materialismo dos estoicos, ou do materialismo mecanicista de Hobbes.
É comum a todas as doutrinas materialistas o reconhecer os corpos materiais como a realidade. Nesse sentido, a matéria a que os materialistas se referem é aquilo a que pode chamar-se matéria corporal – e não simplesmente a matéria como distinta da forma. É típico em quase todos os materialistas entender a matéria ao mesmo tempo como fundamento de qualquer realidade e como causa de qualquer transformação. A matéria não é então só o informe ou o indeterminado mas também o formado e o determinado. O conceito de matéria inclui o conceito de todas as possíveis formas e propriedades da matéria, ao ponto de o reconhecimento da matéria como a única substância não eliminar, mas com frequência pressupor, a adscrição ao material das notas de força e energia. Na ciência natural, o materialismo é um princípio de investigação que de modo algum deve alargar-se até ao campo gnoseológico e muito menos até ao campo metafísico. Na consideração da história chama- se materialismo – materialismo histórico – à doutrina defendida por Marx e Engels, segundo a qual não é o espírito, como em Hegel, que determina a história, mas que toda a vida espiritual é uma superstrutura da estrutura fundamental das relações econômicas de produção representam.
A estas notas cabe acrescentar a conhecida definição de Comte, que concebe o materialismo como a explicação do superior pelo inferior. Esta explicação, convém sobretudo ao materialismo corporalista, revela, porém, mais a tendência geral do materialismo que a própria entranha desta concepção, isto é, revela sobretudo a teoria dos valores do materialista. Pois a explicar o superior pelo inferior, o materialismo não quer dizer que o primeiro valha menos do que o segundo, mas de fato adscreve a este último um valor potencial superior ao primeiro, pois da matéria procede quanto depois vai surgir dela e, de certo modo, atribui à matéria as caraterísticas do espírito e da consciência. A matéria é então o fundamento de qualquer possibilidade mas de uma possibilidade inteiramente indeterminada, pois a partir do momento em que supõe que o processo de evolução da matéria é de certo modo livre, esta liberdade desprende-se do material e acaba forçosamente por se sobrepor a ele. [Ferrater]
O materialismo, enquanto mundividência, professa a redutibilidade total do real à matéria ou a forças inteiramente sujeitas às condições da matéria. Segundo o materialismo racionalista (mecanicismo), a realidade toda é inteiramente concebível segundo o número e medida, ao passo que o materialismo mítico ou biológico descobre no acontecer material um mistério para nós incompreensível (a vida), o qual todavia não alude a nenhum princípio independente da matéria. — Professam um materialismo parcial aqueles que, em qualquer domínio, reduzem o supramaterial ou formal ao material, negando dessa maneira a sua peculiaridade, p. ex., a teoria mecanicista da vida (vitalismo). — O materialismo antropológico apresenta-se em duas formas: ou como negação da alma, a qual é reduzida a matéria e a suas mutações físico-químicas, ou como negação da independência ontológica da alma relativamente à matéria (espírito). — O materialismo dialético combina a concepção do real como pura matéria com a dialética de Hegel. De sua aplicação à vida social resulta o materialismo histórico, segundo o qual a essência primordial da história é constituída pelos processos econômicos, dos quais dependem, como puros fenômenos consequentes ou concomitantes, os acontecimentos da história do espírito (marxismo, ideologia). — O materialismo fecha os olhos à realidade, visto que passa por alto a peculiaridade do supramaterial e de suas leis próprias. Ao repercutir na vida, desagrega a cultura e a moralidade.
Enquanto o materialismo como doutrina nega a priori o supramaterial, o materialismo como método prescinde provisoriamente do supramaterial para tentar explicá-lo por suas condições materiais. Não se entenda aqui por material somente a matéria espácio-temporal, mas tudo aquilo que em cada caso é inferior em frente ao superior. Como muitas coisas que nos aparecem como originárias e supramateriais podem ser reduzidas a seus elementos constitutivos materiais e outras dependem, pelo menos, de condições materiais, não se pode negar validade restrita ao modo de explicação material. Contudo o axioma ilimitado, segundo o qual o superior deve ser explicado pelo inferior, é falso, por converter um método parcial em método total. A redução à matéria deve ser complementada pela consideração do elemento formal, pois só esta é capaz de compreender a peculiaridade do objeto, sua forma (Gestalt). — A confusão da realidade com a perceptibilidade mostrou ser o caminho para o materialismo, já que, em consequência dela, se confunde também a realidade material com a realidade em geral. VIDE espiritualismo, biologismo, antropologia. [Brugger].