Tomando o termo em sentido lato (1), de acordo com a acepção que já adquiriu foros de cidadania na psicologia empírica, vivência é todo fato de consciência, na medida em que seu sujeito se apreende a si mesmo (de modo reflexo ou não reflexo) como encontrando-se numa determinada situação psíquica. Assim compreendida, a capacidade vivencial distingue os homens e os animais das plantas, as quais vivem sem “viver” a sua vida.
Vivência (2), em sentido estrito e relevante, é exclusiva do homem. Pode caracterizar-se como atitude global valorativa da “alma toda”, na unidade, profusão e profundidade de suas disposições espirituais, ante a plenitude de sentido e de valor que, anteriormente a toda reflexão, refulge de modo concreto num ser objetivo. Muitas vezes esta vivência, este “viver por excelência”, contrapõe-se unilateralmente, como estado meramente emocional e passivo, à atitude intelectual e ativa. Contudo não há autêntica vivência sem pensamento. Distingue-se ela, decerto, da reflexão racional, discursiva e abstrata, porque no momento do “viver” intenso o valor objetivo é apreendido de maneira concreta e desprovida de reflexão. Mas a vivência distingue-se também (pela relação com o valor) da mera fome de sensações, bem como (pela peculiaridade e força vital operativa da vivência séria) do sentimento lúcido, superficial ou apaixonado, do vago sentimentalismo e de um nebuloso estado de ânimo. Nem sempre é um “sentir-se empolgado” meramente passivo; pelo contrário, não raro se une, e até estreitamente, a um tender ativo para uma meta, a uma vontade ativa de plasmação, a uma tensão para agir. Consoante na vivência total se salientam como maior intensidade os aspectos emocionais, intelectuais ou imaginativos, assim ela será mais receptiva ou produtiva, mais sintética ou mais orientada para os contrastes; e consoante a vivência de dirigir predominantemente para o formal ou para o conteúdo do objeto valioso, assim há lugar para distinguir diferentes tipos de vivência. A genuína vivência, requer certa elasticidade psíquico-somática, concentração da alma, maturidade de evolução e possibilidade de ser atraído por “valores”, de sorte que não só lhe são obstáculos a mera fome de excitações, a atitude crítico-cínica e muitas formas de debilidade psicopatológica, como também, via de regra, uma vivência profunda não se apresenta antes da adolescência senão em formas precursoras e imaturas.
O cuidado e o cultivo das formas imaturas da genuína e intensa vivência, em sua típica peculiaridade e em suas possibilidades de desenvolvimento e de degeneração, são da máxima transcendência, tanto para melhor compreender a criança e o jovem, como para estimular seu progresso espiritual, sendo uma das tarefas primordiais da educação a de habilitar o ser humano para uma vigorosa vivência do valor. — Willwoll. [Brugger]
Chama-se na psicologia atual ao fato de experimentar, de viver algo, diferentemente da apreensão, do tomar posição de algo que está fora da consciência. Na vivência não há apreensão propriamente dita, porque o apreendido e o vivido são uma e a mesma coisa, e por isso as vivências são consideradas habitualmente como experiências afetivas. Só mediante a análise pode uma vivência ser desprendida do experimentado nela, na medida em que a apreensão se apresenta desde o primeiro momento como um movimento da consciência para algo heterogêneo, tanto se isso é constituído por um objeto sensível como por um inteligível.
O primeiro que investigou com amplitude a natureza das vivências foi Dilthey. A vivência é, para este autor, algo revelado no processo anímico dado na experiência interna; é um modo de existir a realidade para um certo sujeito. A vivência não é, portanto, algo dado, somos nós que penetramos no interior dela, que a possuímos de uma maneira tão imediata que até podemos dizer que nós somos a mesma coisa.
Na fenomenologia, definida precisamente por Husserl como uma descrição das essências que se apresentam nas vivências puras, o fluxo do vivido é anterior ao físico e ao psíquico, que se encontram dentro dele. As vivências, entendidas como unidade de vivência e de sentido, devem ser descritas e compreendidas mas não explicas mediante processos analíticos ou sintéticos, pois são verdadeiramente unidades e não só agregados de elementos simples. A vivência é efetivamente vivida, isto é, experimentada como uma unidade dentro da qual se inserem os elementos que a análise decompõe, mas a vida psíquica não é constituída unicamente por vivências sucessivas, antes estas e os elementos simples, juntamente com as apreensões, se entrecruzam continuamente. Por outro lado, as vivências decompõem-se, por assim dizer, em vivências particulares e subordinadas, que podem interromper-se no curso temporal sem deixarem de pertencer a uma mesma vivência mais ampla e fundamental. Assim, por exemplo, pode dar-se inclusivamente uma vivência que se repete ao longo de uma vida e à qual se incorporam múltiplos elementos, engrandecendo-a e enriquecendo-a, juntamente com outras vivências que penetram na anterior, mas que pertencem a unidades diferentes. [Ferrater]
Uma ciência, uma disciplina, um “fazer” humano qualquer, recebe seu conceito claro, sua noção precisa, quando já o homem domina este fazer. Só se sabe o que é filosofia quando se é realmente filósofo. Que quer dizer isto? Isto quer dizer que a filosofia, mais do que qualquer outra disciplina, necessita ser vivida. Necessitamos ter dela uma “vivência”. A palavra “vivência” foi introduzida no vocabulário espanhol pelos colaboradores da Revista de Ocidente, como tradução da palavra alemã Erlebnis. Vivência significa o que temos realmente em nosso ser psíquico; o que real e verdadeiramente estamos sentindo, tendo, na plenitude da palavra “ter”.
Vou dar um exemplo para que se compreenda bem o que é “vivência”. O exemplo não é meu, é de Bergson.
Uma pessoa pode estudar minuciosamente o mapa de Paris; estudá-lo muito bem; observar um por um os diferentes nomes das ruas; estudar suas direções; depois pode estudar os monumentos que há em cada rua; pode estudar os planos desses monumentos; pode revistar as séries das fotografias do Museu do Louvre, uma por uma. Depois de ter estudado o mapa e os monumentos pode este homem procurar para si uma visão das perspectivas de Paris mediante uma série de fotografias tomadas de múltiplos pontos. Pode chegar dessa maneira a ter uma ideia bastante clara, muito clara, claríssima, pormenorizadissima, de Paris. Semelhante ideia poderá ir aperfeiçoando-se cada vez mais, à medida que os estudos deste homem forem cada vez mais minuciosos; mas sempre será uma simples ideia. Ao contrário, vinte minutos de passeio a pé por Paris são uma vivência. [Morente]