Filosofia – Pensadores e Obras

vida consciente

Como ser físico, o homem pertence à natureza material; partilha de toda a sua cegueira e sofre toda sua necessidade. Como ser vivo, e inclusive como animal, nada mais faz que sentir; não se dá conta ou nem sequer conhece sua existência. Dirigido, impelido, arrastado, como os animais, pelas impressões internas ou externas, por todas as determinações de um instinto cego, é ator subordinado e não espectador do universo; não se dirige em absoluto por sua própria força. Carente do poder de começar uma série de movimentos e de atos voluntários, reage e não atua. Porém, como ente dotado de uma livre potência de movimento e de ação, goza o homem de vida de relação e de consciência; subtraído da necessidade do fatum, estende sobre a natureza o domínio que tem em primeiro lugar sobre os instrumentos de sua vontade. Vive não somente da vida comum a todos os seres que sentem como ele, mas também sente que vive, e enquanto a sensação envolve realmente toda a existência animal, só o homem tem ideia de sua sensação e distingue sua individualidade; dá-se conta de seu eu ou tem consciência dele. Tem não somente relações essenciais com a natureza de que forma parte, como se apercebe de suas relações; dá-se conta delas; mais ainda, modifica-as, estende-as sem cessar, ou as cria novas, por meio do exercício dessa força agente e pensante que constitui sua natureza, sua existência e toda sua personalidade.

Falando com propriedade, o homem nada percebe ou nada conhece, a não ser enquanto tem consciência de sua individualidade pessoal, ou enquanto sua própria existência é um fato para ele mesmo, enfim enquanto é eu. O sentimento do eu é, pois, o fato primitivo do conhecimento; e como ulteriormente provamos que não depende essencialmente de nenhuma impressão recebida pelos sentidos externos, que não está essencialmente ligado a nenhuma modificação variável, acidental, embora se associe a todas, mas que é exclusivamente inerente ao exercício de um sentido íntimo particular, afirmamos que é um fato primitivo do sentido íntimo. (Essai sur les fondements de la psychologie et sur ses rapports avec l’étude de la nature, parte I, Introdução.) [Maine de Biran]