Filosofia – Pensadores e Obras

teses tomistas

A fim de evitar a discordância e a confusão na exegese da doutrina de Santo Tomás, que frequentemente se apresentava como um amontoado de contradições, Pio X preconizou, em junho de 1914, que se ensinassem os principia et pronunciata maiora doctrinae S. Thomae. Professores tomistas propuseram, então, à Sagrada Congregação dos Estudos, vinte e quatro teses fundamentais que, depois de examinadas pela Congregação, foram submetidas ao Papa, que as aprovou, considerando que continham os princípios básicos e os pontos capitais da doutrina do Santo Doutor. Em 1917, foi aprovado e promulgado por Bento XV o Código de Direito Canônico, no qual se estabelece que os princípios, o método e a doutrina de Santo Tomás devem ser religiosamente seguidos. Além de outras fontes, o Código indica o decreto da Sagrada Congregação que aprovou as vinte e quatro teses como pronunciata maiora doctrinae Sancti Thomae.

A teses são as seguintes: Ontologia (I a VII); Cosmologia (VIII a XII); Biologia e Psicologia (XIII a XXI); Teodicea (XXII a XXIV).

Tese I) A potência e o ato dividem o ser de tal modo que tudo aquilo que é, ou é ato puro ou é ato necessariamente composto de potência e ato, como princípios primeiros e intrínsecos.

II) O ato, porque é perfeição, só é limitado pela potência, que é (uma) capacidade de perfeição. Por consequência, na ordem em que o ato é puro, só o pode ser universal e único; enquanto finito e múltiplo, entra em verdadeira composição cem a matéria.

III) Portanto, na absoluta razão do ser, em sisi mesmo, subsiste apenas Deus, único e simplicíssimo, e todas as demais coisas que participam do ser têm uma natureza na qual o ser se acha limitado, e estão constituídas cu compostas de essência e de existência, como de princípios realmente distintos.

IV) A noção de ente (ou de ser) aplica-se a Deus e às criaturas, não de maneira unívoca, nem tampouco puramente equívoca, mas analógica, com analogia de atribuição e de proporcionalidade.

V) Há, além disso, em toda criatura, composição real de um sujeito subsistente com outras formas acrescentadas secundariamente, chamadas acidentes; e essa composição não se compreenderia se o ser não fosse recebido por uma essência distinta dele próprio.

VI) Além dos acidentes absolutos, há um acidente relativo, como uma tendência para algo. Embora tal tendência (para alguma coisa) não signifique propriamente uma coisa inerente a um sujeito, tem, muitas vezes, sua causa nas coisas e, por isso mesmo, uma real entidade, distinta do sujeito.

VII) A criatura espiritual é absolutamente simples, em sua essência. Mas dela permanece uma dupla composição: a da essência com a existência e a da substância com os acidentes.

VIII) A criatura corpórea, quanto à sua própria essência, é composta de potência e ato, e essa potência e esse ato, da ordem da essência, chamam-se matéria e forma.

IX) Nenhuma das duas partes tem o ser por si, nem se produz, nem se corrompe por si; tampouco cabe em um predicado, a não ser por redução, enquanto princípio substancial.

X) Embora a extensão em partes iguais seja uma consequência da natureza corpórea, não é a mesma coisa, em um corpo, ser substância e extensão corpórea. A substância, enquanto tal, é indivisível, não à maneira do ponto, mas à maneira dos seres estranhos à ordem da dimensão. A quantidade, origem da extensão na substância, é verdadeiro acidente, incapaz de entrar na categoria de substância real.

XI) A matéria assinalada pela quantidade é o princípio da individuação, ou seja, da distinção numérica (impossível nos espíritos) pela qual um indivíduo, da mesma natureza específica, distingue-se de outro.

XII) Em virtude da mesma quantidade, o corpo se circunscreve ou se acomoda a um lugar, de tal sorte que, desse modo circunscrito, nenhuma potência, seja de que classe for, pode fazer que haja outro corpo no mesmo lugar, ao mesmo tempo.

XIII) Os corpos se dividem em duas categorias: a dos vivos e a dos que carecem de vida. A forma substancial dos vivos, chamada alma, requer certa disposição orgânica, ou seja, partes heterogêneas, para que haja, no mesmo sujeito, uma parte que move e outra que é movida por si.

XIV) As almas da ordem vegetativa e sensitiva não podem, por si mesmas, nem existir nem ser produzidas, mas são unicamente ao modo do princípio que dá ser e vida ao vivente, de tal sorte que, pelo simples fato de corromper-se o composto, elas também se corrompem, acidentalmente, por causa de sua dependência onímoda da matéria.

XV) A alma humana, ao contrário, subsiste por si mesma, é criada por Deus no momento em que pode ser infundida no sujeito suficientemente disposto e, por sua natureza, é incorpórea e imortal.

XVI) A mesma alma racional de tal modo se une ao corpo, que é sua única forma substancial, e por ela tem o homem o ser de homem, e de animal, e de vivo, e de corpo, e de substância, e de ser. Por conseguinte, a alma confere ao homem todo grau essencial de perfeição, e, além disso, comunica ao corpo o ato de ser com que (ela) existe.

XVII) Duas ordens de faculdades, orgânicas e inorgânicas, emanam da alma humana, por resultado natural; o sujeito das primeiras, às quais pertence o sentido, é o composto, e, das segundas, a alma apenas. O entendimento é, pois, uma faculdade intrinsecamente independente dos órgãos.

XVIII) A intelectualidade segue, necessariamente, a imaterialidade, e de tal sorte que os graus da intelectualidade se medem pelos graus de afastamento da matéria. O objeto próprio da intelecção é o ser em sisi mesmo, e em geral; mas o objeto próprio do entendimento humano, no atual estado de união, circunscreve-se às essências abstraídas das condições materiais.

XIX) Recebemos, pois, nosso conhecimento das coisas sensíveis. Mas, como o sensível não é o inteligível em ato, deve-se admitir, na alma, além do entendimento formalmente inteligente, uma virtude ativa que abstraia os fantasmas das espécies inteligíveis.

XX) Por meio dessas espécies inteligíveis, conhecemos diretamente os universais, com os sentidos alcançamos os singulares e também com o entendimento, mas, nesse caso, voltando-nos para as imagens; e, ao conhecimento das coisas espirituais, nos elevamos pela analogia.

XXI) A vontade segue o entendimento, não o precede, e apetece necessariamente aquilo que lhe é apresentado como um bem que sacia por completo o apetite; elege, porém, livremente entre aqueles outros bens cuja apetência depende de um juízo variável. A eleição segue, por conseguinte, o último juízo prático e, à vontade, cabe determinar qual seja o último.

XXII) Conhecemos a existência de Deus não por intuição imediata, nem por demonstração a priori, mas a posteriori, quer dizer, pelas criaturas, remontando dos efeitos às causas; partindo das coisas que se movem sem ter em si mesmas um princípio suficiente de movimento, até chegar ao primeiro motor imóvel e necessário; subindo, dos efeitos causados e das causas subordinadas à causa sem causa, ou primeira; deduzindo, dos 6eres corruptíveis, indiferentes à existência, a absoluta necessidade de um ser absolutamente necessário; à vista das inúmeras criaturas limitadas no ser, no viver e no entender, nos persuadimos que não podem ser, nem nada de semelhante, sem o primeiro e o essencial, temos que chegar ao ser essencial e infinito, vivo e inteligente em grau supremo; por fim, a ordem sublime do universo não pode conceber-se racionalmente sem um supremo ordenador que encaminhe todas as coisas ao seu fim.

XXIII) A essência divina, por identificar-se com a máxima e infinita atualidade do ser, que é o próprio ser subsistente, retamente assim se nos apresenta, como constituída em sua razão metafísica, o que nos permite nela ver a razão de sua perfeição infinita.

XXIV) Pela própria pureza de seu ser, Deus se distingue de todas as coisas finitas. Disso se infere, em primeiro lugar, que o mundo só por criação pode proceder de Deus; e que, além disso, nenhuma virtude criadora, que alcança e tem por termo de sua ação o ser enquanto Ser, pode comunicar-se, nem por milagre, à natureza finita; e, por último, que nenhum agente criado pode influir no ser de qualquer efeito, sem receber a moção da causa primeira. [Corbisier]