Em 1910, Cassirer publica “Substância e Função”. Nesse trabalho, através de seguro domínio da história da ciência, ele realiza uma investigação sobre o conhecimento matemático, geométrico, físico e químico, a fim de mostrar que esses conhecimentos não buscam o comum, isto é, a substância, e sim a lei, a relação, isto é, a função. Relações e funções instituem os entes matemáticos e constituem as expressões geométricas. No conhecimento científico e também no conhecimento comum encontramos muito mais do que dados sensíveis. Olhamos as coisas através de pontos de vista, teorias, leis, isto é, relações.
Em suma, o desenvolvimento do pensamento científico nos leva a passar do conceito de substância ao de função. A metafísica de Aristóteles falava de mundo de coisas das quais era preciso abstrair as características comuns, a essência. Mas, por um lado, enquanto esse método levou a toda uma massa de estéreis resultados (entre outras coisas, não há garantia alguma de que o comum seja o essencial), por outro lado, viu-se que as ciências progrediram porque se matematizaram (na matemática não entra o conceito de substância, senão o de função): progrediram porque deixaram de buscar substâncias e voltaram-se para a busca de relações funcionais entre os objetos.
E assim como as funções matemáticas não se obtém por abstração, mas constroem-nas o pensamento, da mesma forma também os pontos de vista, as teorias ou relações funcionais que instituem e vinculam os objetos do conhecimento científico (e do conhecimento comum) são produtos do pensamento, que tornam “possível a priori” o conhecimento, estabelecendo suas condições de possibilidade. E o fato de que a ciência consiste em teorias por relações construídas pelo homem e que os objetos da ciência sejam instituídos por esses pontos de vista, por essas teorias, não significa de modo algum cair no subjetivismo.
Escreve Cassirer: “Nós não conhecemos os objetos, como se eles fossem dados e determinados como objetos, antes e independentemente de nosso conhecimento. Ao contrário, nós conhecemos objetivamente, já que, no transcorrer uniforme dos conteúdos da experiência, criamos determinadas delimitações e estabelecemos determinados elementos duráveis e determinados nexos entre eles.” [Reale]