Filosofia – Pensadores e Obras

reflexão

(in. Reflection; fr. Réflexion; al. Réflexion; it. Riflessioné).

Em geral, o ato ou o processo por meio do qual o homem considera suas próprias ações. Este conceito foi determinado de três maneiras, a saber: 1) como conhecimento que o intelecto tem de si mesmo; 2) como consciência; 3) como abstração.

1) Mesmo não empregando o termo reflexão, Aristóteles admite o fato óbvio de que o intelecto “pode pensar-se” (De an., III, 429, b 9). Os escolásticos expressaram esta possibilidade com o termo “reflexão”. Tomás de Aquino diz: “Ao refletir sobre si mesmo, o intelecto entende, conforme essa reflexão, tanto o seu entender quanto a espécie por meio da qual entende” (S. Th., I, q. 85, a. 2). Desse modo, atribui à reflexão uma função específica porque o intelecto, cujo objeto é o universal, só pode entender o particular refletindo sobre si mesmo e considerando aquilo de que abstrai o universal (Ibid., I, q. 86, a. 1). Os escolásticos, porém, não consideravam a reflexão como fonte autônoma de conhecimento. Isso só acontece com Locke.

2) Com Locke inicia-se o conceito da reflexão como consciência. Segundo Locke, a segunda das duas fontes principais (a primeira é a sensação) de onde o intelecto aufere suas ideias é a reflexão, entendida como “percepção das ações exercidas por nossa alma sobre as ideias que recebeu dos sentidos: tornando-se o objeto das reflexão da alma, essas ações produzem na inteligência uma outra espécie de ideias, que os objetos exteriores não poderiam ter fornecido; tais são as ideias daquilo que se chama perceber, pensar, duvidar, crer, raciocinar, conhecer, querer, etc.” (Ensaio, II, 1, 4). Além disso, Locke também chama a reflexão de sentido interno, nada mais sendo, então, que consciência, nome com que foi frequentemente chamada pelos filósofos ingleses posteriores. A definição de Vauve-nargues, “reflexão é o poder de dobrar-se sobre as ideias, de examiná-las, de modificá-las ou de combiná-las de maneiras diferentes: ela é o grande princípio do raciocínio, do juízo, etc.” (Intr. à la connaissance de l’esprit humain, 1746, I, 2), bem como a de Leibniz, “a reflexão nada mais é que a atenção àquilo que está em nós, enquanto os sentidos não nos dão inteiramente o que já temos em nós” (Nouv. ess., Avant-propos), têm o mesmo significado: a reflexão é consciência. Era exatamente com este termo que Kant a definia: “A reflexão (reflexio) não visa aos objetos em si para chegar aos conceitos deles; é o estado de espírito em que começamos a dispor-nos a descobrir as condições subjetivas que nos permitem chegar aos conceitos. Ela é a consciência da relação entre as representações dadas e as várias fontes de conhecimento” (Crítica da Razão Pura, Anal. dos Princ, Anfibolia dos conceitos da reflexão). Além disso, Kant distinguia a reflexão lógica, que é o simples confronto das representações entre si, da reflexão transcendental, dirigida para os objetos, que contém “a razão da possibilidade da comparação objetiva das representações entre si. O objeto da reflexão transcendental, portanto, são os conceitos de identidade-diversidade, de concordância-posição, de interior-exterior, de matéria-forma, que representam o fundamento de qualquer possível confronto entre as representações” (Ibid.). O caráter ativo e criativo da reflexão, que traz à luz a verdadeira natureza daquilo que se investiga, e portanto produz tal natureza de algum modo, foi um dos pontos fundamentais da filosofia de Hegel: “Uma vez que, na reflexão, se obtém a verdadeira natureza, e esse pensamento é minha atividade, essa verdadeira natureza é do mesmo modo produto do meu espírito, isto é, do meu espírito como Sujeito pensante, de mim na minha simples universalidade, como Eu que é por sisi mesmo, da minha liberdade” (Enc., § 23). Maine de Biran também atribuiu à reflexão uma função metafísica: “Chamo de reflexão a faculdade que o espírito tem de perceber, num grupo de sensações ou numa combinação de fenômenos, as relações comuns de todos os elementos com uma unidade fundamental: p. ex.: de vários modos ou qualidades com a unidade de resistência, de vários efeitos diferentes com uma mesma causa, de modificações variáveis com o mesmo eu ou sujeito, etc.” (Fondements de la psychologie, ed. Naville, II, p. 225). Não é muito diferente o significado que Husserl lhe atribui quando afirma: “Toda cogitatiopode tornar-se objeto da chamada percepção interna e depois objeto de uma avaliação reflexa, de aprovação ou desaprovação, etc.” (Ideen, I, § 68). Neste sentido, a reflexão é aquilo que Husserl chama de percepção imanente, que constitui unidade imediata com o percebido, sendo a própria consciência (Ibid., § 68). Husserl distinguiu também a reflexão natural, que se realiza na vida comum, da reflexão fenomenológica ou transcendental, feita através da epoché universal quanto à existência ou à não-existência do mundo (Cart. Med., § 15).

3) O terceiro conceito de reflexão considera-a como abstração, mais precisamente como abstração falseadora; esse conceito pertence ao idealismo romântico. Começou com Fichte, que viu na reflexão o ato com que o eu se considera limitado pelo objeto: “O Eu tem em si a lei de refletir sobre si mesmo como algo que preenche o infinito. Mas não pode refletir sobre si mesmo e, em geral, sobre nada, se aquilo sobre que reflete não é limitado. Portanto, o cumprimento desta lei é condicionado e depende do objeto” (Wissenschaftslehre, 1794, § 8). Como esclarecia Schelling, neste sentido a reflexão é uma abstração, porque leva a separar o objeto do Eu do próprio Eu, enquanto, na realidade, o objeto não passa de produto do Eu. “Essa separação entre ato e produto, no uso ordinário da linguagem, chama-se abstração. Portanto, como primeira condição da reflexão tem-se a abstração” (System des transzendentalen Idealismus, III, época III, I; trad. it., p. 179). Quanto a Hegel, ao mesmo tempo em que exaltava (como se viu) a reflexão como atividade que não só traz à tona, mas também produz a natureza racional das coisas que investiga, considerava falseador o intelecto reflexivo. “Por intelecto reflexionante ou reflexivo deve-se entender, em geral, o intelecto abstrator, portanto separativo, que persiste em suas separações. Fazendo face à razão, esse intelecto comporta-se como o intelecto humano comum, ou senso comum, e impõe sua visão de que a verdade repousa na realidade sensível; de que os pensamentos são apenas pensamentos (no sentido de que a percepção sensível lhes dá substância e realidade) e de que a razão, que permanece em si e por si, nada produz além de sonhos” (WissenschaftderLogik, Intr.; trad. it., I, p. 27). Em outros termos, a reflexão caracteriza-se pela separação entre conceito e realidade, o que é uma falsa abstração; ao mesmo tempo, a razão caracteriza-se pela identidade entre conceito e realidade. Assim, para Hegel, a filosofia da reflexão é a do senso comum, cujo ápice está na filosofia de Kant, que afirma a incognoscibilidade da coisa em si.

Na filosofia contemporânea, esse termo é usado principalmente no segundo significado, sendo, portanto, sinônimo de consciência (nos sentidos 1 e 2 do verbete respectivo), introspecção, sentido interior, observação interior. [Abbagnano]


A atitude mental daquele que evita precipitação em seus juízos e impulsividade em sua conduta. — A reflexão designa, especificamente, a concentração através da qual o espírito esclarece suas ideias e analisa seus sentimentos. A reflexão psicológica, ou análise de si, denomina-se introspecção. Os filósofos da reflexão, Fichte e Hegel na Alemanha, Lachelier e Lagneau na França, pensam que a reflexão permite ao indivíduo apreender-se em sua unidade espiritual, aquém da mudança e de qualquer ação no mundo: a reflexão nos permitiria atingir uma certa experiência da eternidade (Fichte); Hegel denominou esse estado “vida especulativa”, e Bergson identificou-o à experiência da “durée” (“duração”). A noção de reflexão pode, assim, ter um sentido psicológico e um sentido metafísico como intuição da realidade profunda do “eu” e do Espírito universal em nós. [Larousse]


Em sentido lato e pouco rigoroso, reflexão (1) significa meditação comparativa e examinadora, contraposta à percepção simples ou aos juízos primeiros e espontâneos sobre um objeto. Inclui-se aqui também a “reflexão ontológica”, de que falam alguns escolásticos modernos, considerando-a como um re-dobrar-se ou volver-se para o objeto conhecido. Contudo, a reflexão ontológica, como método da metafísica, pode, outrossim, ser entendida num sentido mais preciso e profundo, na medida em que a operação mental que do ente abstrai o ser (como objeto peculiar do saber metafísico) (abstração) significa, ao mesmo tempo, uma volta do espírito à sua essência mais íntima. — Esta volta (reflexio = reflexão) é o sentido próprio do vocábulo. Assim, reflexão (2) designa, antes de mais nada, um voltar-atrás (um re-dobrar-se) da atenção, que desde os objetos exteriores, que são os primeiros conhecidos na atitude natural, se dirige à atividade psíquica própria e ao modo de existência que a tais objetos corresponde só enquanto objetos desta atividade. O conceito de reflexão é, pois, afim do conceito de consciência. Contudo, à simples consciencialização dos atos próprios, à “consciência concomitante”, com razão não se dá ainda o nome de reflexão, mas só recebe este nome a atenção explícita a tais atos e ao sujeito dos mesmos, ao eu. Escolásticos modernos há que designam também esta reflexão como intenção segunda, em contraposição à ação de dirigir o olhar para os objetos externos, considerada como intenção primeira. Na escolástica clássica, estas expressões designam, não o ato de se volver para o objeto ou para o ato próprio, mas sim o conceito que se forma, em virtude dessa volta; intenções primeiras são, por conseguinte, os conceitos abstraídos dos objetos da intuição; intenções segundas são os conceitos formados em virtude da reflexão, conceitos de reflexão; denominam-se preferentemente intenções segundas os conceitos formados em virtude da reflexão lógica. Com efeito, importa distinguir entre a reflexão psicológica, ou seja, a reflexão dirigida aos atos próprios e ao eu, e a reflexão lógica, dirigida ao modo (abstrato) de pensar e às relações lógicas dadas com ele, correspondentes aos objetos só enquanto pensados; estes formam as “intenções segundas”, que constituem o objeto da lógica e são, enquanto tais, só entes de razão, p. ex., a subordinação dos conceitos segundo gêneros e espécies (predicáveis). A expressão “consciência reflexa” usa-se, às vezes, como sinônimo de reflexão; em sentido estrito, denota, não a pura consideração dos atos próprios, mas sua peculiar expressão mental num conceito (conceito de reflexão) ou juízo (juízo de reflexão, juízo consciência!). A reflexão, particularmente na perfeição que obtém na consciência reflexa, pertence apenas à inteligência, ao passo que a simples consciencialização dos atos próprios compete também à sensibilidade. — De Vries. [Brugger]


A definição usual de reflexão – compreendida num sentido puramente psicológico – é de abandono da atenção ao conteúdo intencional dos atos para se voltar sobre os próprios atos. A reflexão seria, de acordo com isto, uma espécie de inversão da direção natural ou habitual dos atos, com o que se criariam as condições necessárias para a reversão completa da consciência e a consecução da consciência de si mesmo. Já nesta concepção estão implícitos, todavia, multitude de problemas que transbordam a fronteira da psicologia. evidente que, embora qualificada de psicológica, a reflexão do sujeito sobre os atos inclui uma ideia da consciência e do problema do conhecimento que não pode limitar-se em todos os casos à psicologia. Na verdade, é o problema do conhecimento que permite uma análise completa de todas as questões relacionadas com os atos reflexivos. Isto aconteceu sobretudo na ideia de reflexão sustentada por Locke e Hume: O primeiro define a reflexão como sentido interno, como algo contraposto essencialmente à sensação; a reflexão significa, por isso, “aquela notícia que o espírito adquire das suas próprias operações, e do modo de as efetuar, em virtude do que chega a possuir ideias destas operações no entendimento”.

Operações que é preciso compreender num sentido amplo, não apenas como ações da mente sobre as suas ideias, mas também como alguma espécie de paixão surgida delas. Por meio da reflexão adquirem- se, segundo Locke, as ideias ou representações gerais. Por sua vez, Hume classifica as impressões em duas categorias. Sensações e reflexões.. As sensações surgem, segundo ele, originariamente da alma por causas desconhecidas. Quanto às reflexões, “derivam em larga medida das nossas ideias, e isto do seguinte modo: uma impressão bate primeiramente nos sentidos e faz-nos aperceber calor ou frio, sede ou fome, prazer ou dor, de uma espécie ou outra. Desta impressão surge uma cópia tomada pelo espírito que permanece depois de a impressão desaparecer. A isto chamamos ideia. Quando volta à alma, esta ideia de prazer ou dor produz as novas impressões de desejo e aversão, esperança e temor, que podem ser chamadas propriamente impressões de reflexão, porque derivaram dela. Estas são copiadas pela memória e pela imaginação e convertem-se em ideias, que talvez deem origem por sua vez a outras impressões e ideias. De modo que as impressões de reflexão são apenas antecedentes das suas correspondentes ideias, mas consequentes das impressões de sensação, e derivadas delas.” (TRATADO). Ainda quando nenhum conhecimento era possível, segundo Locke e, sobretudo Hume, sem referência à impressão originada, nenhum destes filósofos tentou desenvolver uma teoria radicalmente reducionista da reflexão, e as suas análises desta foram antes de tipo fenomenológico. Em contraposição, alguns outros conceberam a reflexão como essencialmente redutível à sensação ou, melhor dizendo, ao ato de atenção à sensação, surgido por sua vez de sensações.. As dificuldades psicológicas e, sobretudo, gnoseológicas postas pelo problema da reflexão foram recolhidas por Kant, que chama reflexão à “consciência da relação entre as representações dadas e as nossas diferentes fontes de conhecimento”; daí o trânsito da reflexão transcendental, pela qual se determina a origem sensível ou intelectual da comparação das representações dadas.

Pode advertir-se, pelo que se disse, que, além de o conceito de reflexão incluir quase sempre variadíssimas questões pertencentes a várias esferas, o seu significado costuma variar grandemente de acordo com o predomínio dado por cada filósofo a uma esfera determinada. Em rigor, a significação do conceito adota, conforme os casos, uma rotação preponderantemente metafísica, lógica, psicológica, ou gnoseológica-transcendental. Assim, por exemplo, a concepção da reflexão adotada pelo idealismo pós-kantiano, e em particular por Fichte, é de índole quase exclusivamente metafísica: a reflexão é então a posição do Eu sobre si próprio. Qualquer coisa de semelhante acontece com Hegel. Este trata a reflexão na doutrina da essência. A reflexão surge quando uma aparência fica como que alienada da sua própria imediato.. Em vez da pura imediatez da coisa dão-se na reflexão relações não imediatas. A reflexão apresenta algo diferente algo diferente do que transparece diretamente da coisa, e como este algo, na medida e que relaciona e fundamenta a coisa, é essência, a doutrina da reflexão é, como atrás apontamos, parte da doutrina da essência. A reflexão equivale, em Hegel, em grande parte, a relação ou a sistema de relações.. As categorias da reflexão são por isso categorias relacionais.. A reflexão pode ser reflexão proponente, reflexão exterior e reflexão determinante… A reflexão proponente é a meramente relacional e, por isso, relativa, mas trata-se de uma relação fundamental. A reflexão exterior é a que constitui o ponto de partida para a determinação da coisa como essência. A reflexão determinante é a síntese das reflexões proponente e exterior e é a base para quaisquer ulteriores determinações da coisa – as chamadas por Hegel determinações reflexivas, tais como a identidade, a diferença, a oposição, etc.

A fenomenologia tem feito também um largo uso do conceito de reflexão, especialmente Husserl tentou concebê-lo, por assim dizer, neutralmente como o conjunto de atos que tornam evidentes as vivências. A reflexão husserliana não é, portanto, meramente uma reflexão psicológica interna, mas uma operação que inclui a apreensão imanente das essências. [Ferrater]