Para Aristóteles, uma única questão definiu desde sempre o estatuto do Pensamento Filosófico em tudo que ele pensa: a questão da realidade realizando-se nas realizações do real. O primeiro capítulo do Sétimo Livro da Metafísica nos lembra:
E assim, pois, o que tanto outrora, como agora, como em qualquer hora se procurou e nunca se encontrou uma saída, foi o questionamento da questão, o que é o ser de qualquer sendo…
Na Filosofia o Pensamento se concentra em ser, todo e somente, o questionamento desta questão da essência de tudo que é. É desta atenção inveterada que a Filosofia recebe tanto sua especificidade irredutível como sua virtuosidade sem fim, como a temeridade incrível de sua pretensão. È aí também que aparece a exaustão e o limite insuperável de seu esforço de pensar.
Na avalanche da questão filosófica tudo é levado de roldão pela tríplice radicalidade do questionamento. A envergadura do empenho de pensar se estica até às fronteiras do Nada e do não ser, cobrindo a totalidade do real. Toda a questão filosófica se estende entre o ser e o nada. Por isso não é possível escapar ao alcance de sua atropelada. Mas não se trata de uma totalidade extensiva, apenas. É também o questionamento mais profundo do Pensamento. Pois não se contenta com muito. Quer tudo. Somente o satisfaz o último fundamento e o derradeiro porquê. O porquê do porquê não o atrai. É um marcar passo no mesmo nível. Por isso apenas um porquê é capaz de levá-lo à plenitude de seu viço interrogativo: o porquê que extingue a necessidade de outro porquê e abole a possibilidade de ulterior questionamento. Com e por ser a mais extensa e profunda, a questão filosófica exige também um questionamento originário. É um questionamento matinal. Remonta à primeira manhã, “à aurora dos dedos de rosa” da aventura ocidental: aparecimento, comparecimento e desaparecimento contemporâneo da terra, do homem, do mundo e do céu: dia e noite da história do Ocidente.
Por isso tudo, a questão filosófica do Pensamento não é uma questão entre muitas outras. É a única questão, por ser ao mesmo tempo a mais universal e a mais concreta, a mais simples e a mais difícil, a mais indeterminada e a mais determinante. É a questão que mais nos tem, atém e detém, a única que, em sua obscuridade mesma, esclarece e nutre todas as demais questões. Sendo a questão extra-ordinária, tem por instância o ser, fundo de sustentação (hy-archei) de todo é, de todo era, de todo será: o verbo mais ordinário e banal, a experiência mais corriqueira e comum, a primeira palavra das línguas ocidentais, em que desde sempre a Linguagem nos é concedida.
A audácia da questão filosófica não conhece limites. O Pensamento se entrega todo a questionar. A interrogação é levada até aos confins das possibilidades interrogativas e corta para si mesma qualquer ajuda que não advenha da própria interrogação. Isto significa: na Filosofia, pelo tremor da vertigem interrogativa, o próprio real cambaleia em toda a sua extensão. Falta-lhe o chão e se apresenta a finitude do questionamento. Abre-se o abismo do Nada, que o questionamento não consegue exorcizar de todo. O Nada nunca deixa de constituir a terra natal de todo questionamento, a fonte de qualquer interrogação, a própria possibilidade de arrancar e mover-se de sua audácia de pensamento. [Carneiro Leão]