Filosofia – Pensadores e Obras

prova da realidade

No seu ensaio sobre Luto e melancolia, Freud acena apenas ao eventual caráter fantasmático do processo melancólico, observando que a revolta contra a perda do objeto de amor “pode chegar a tal ponto que o sujeito se esquiva da realidade e se apega ao objeto perdido graças a uma psicose alucinatória do desejo”. Importa, portanto, remeter-se ao Complemento metapsicológico à doutrina dos sonhos (que iria fazer parte, com o ensaio sobre a melancolia, junto com o qual foi publicado, do projetado volume de Preparação para uma metapsicologia) para encontrar esboçada, paralelamente a uma análise do mecanismo do sonho, uma investigação sobre o processo mediante o qual os fantasmas do desejo conseguem enganar a instituição fundamental do eu, que é a prova da realidade, e a penetrar na consciência. Segundo Freud, no desenvolvimento da vida psíquica, o eu passa por um estágio inicial, em que não dispõe ainda de uma faculdade que lhe permita diferenciar as percepções reais das imaginárias:

No início da nossa vida psíquica — escreve Freud — toda vez que provávamos a necessidade de um objeto capaz de nos satisfazer, uma alucinação nos fazia crer que de fato estava presente. Mas, nesse caso, não ocorria depois a esperada satisfação, e o insucesso teve que levar-nos bem cedo a criar uma organização capaz de permitir que distinguíssemos [48] semelhante percepção de desejo da realidade verdadeira e própria, e de, em seguida, nos tornar capazes de a evitar. Por outros termos, abandonamos precocemente a satisfação alucinatória do desejo e construímos uma espécie de prova da realidade.

Em certos casos, a prova da realidade pode ser evitada ou posta temporariamente fora de jogo. E isso que acontece nas psicoses alucinatórias do desejo, que se apresentam como reação diante de uma perda que a realidade afirma, mas que o eu deve negar por não poder suportá-la:

O eu rompe, assim, o seu vínculo com a realidade e retira do sistema consciente das percepções o próprio investimento. E através desta esquiva do real que a prova da realidade acaba evitada e os fantasmas do desejo, não removidos, mas perfeitamente conscientes, podem penetrar na consciência e vir a ser aceitos como realidades melhores. [AgambenE:48-49]