VIDE princípio de razão suficiente
A propósito da inteligibilidade ou da verdade do ser, leva-se em conta frequentemente um princípio que não se encontra de maneira explícita em Tomás de Aquino, o princípio de razão de ser: “Todo ser, dir-se-á, possui sua razão de ser”. Que sentido se pode dar validamente a esta fórmula que é o objeto de tantas contestações e que, não se pode negar, se liga, quanto às suas origens, ao racionalismo leibniziano?
Tomemos como ponto de partida esta outra fórmula que é autenticamente de Tomás de Aquino: “Todo ser é verdadeiro”, isto é, todo ser possui uma ordenação essencial à inteligência: “Todo ser é inteligível”, poder-se-ia dizer. Esta última fórmula exige que seja bem precisada. É evidente, com efeito, que a inteligibilidade de que se trata somente seria perfeita em relação a um ser perfeito, ou perfeitamente ser, isto é Deus. Os seres criados, constituídos de ser e não-ser, guardarão necessariamente diante da inteligência uma certa opacidade. Se, portanto, quisermos evitar de cair em um racionalismo inconsiderado, deveremos dizer: “Todo ser é inteligível enquanto é ser”. Qual é, agora, o fundamento desta inteligibilidade do ser? Não há outro senão este: o ser possui “sua razão de ser”, que é ao mesmo tempo o que determina o ser a ser, e o que o torna inteligível.
Realizemos um passo a mais. Esta razão de ser, o ser pode possuí-Ia de maneira suficiente em sisi mesmo, ou em virtude de sua própria natureza; o vermelho, o quadrado, por exemplo, são o que são porque têm tal essência -mas pode também ocorrer que um ser não possua sua razão suficiente de ser em sisi mesmo ou em sua essência; que tal homem seja efetivamente branco não resulta de sua natureza. Neste último caso, dir-se-á que este ser deve ter sua razão de ser em um outro que será sua causa. É o que afirma Tomás de Aquino (Contra Gentiles, Il, c. 15) : “Tudo o que convém a uma coisa, sem que seja por ela mesma, lhe convém por uma certa causa, como a brancura ao homem”.
Omne quod alicui convenit non secundum quod ipsum est, per aliquam causam convenit ei, sicut album homini.
Por que deve ser assim? Tomás de Aquino prossegue: “O que não tem causa é primeiro e imediato e deve ser por si e segundo o que é”.
Quod causam non habet, primum et immediatum est; urde necesse est ut sit per se et secundum quod ipsum.
Assim, ou o ser é por si e por essência aquilo que é, ou é por um outro. De onde se conclui, quanto ao nosso princípio, com esta fórmula:
“Todo ser, enquanto é, possui sua razão de ser em si ou em um outro”.
A bem dizer, exprimindo-se dessa maneira, dois tipos de explicações bem diferentes são abrangidos. No plano da essência, dir-se-á que as propriedades têm sua razão de ser na essência do sujeito ao qual se reportam: assim, a igualdade a dois retos dos ângulos de um triângulo resulta da natureza desta figura; a aptidão do homem a receber um ensinamento se deve à sua natureza racional. No plano do ser concreto ou da existência, encontra-se a explicação causal propriamente dita: tal ser não existe por si, — o ser contingente — esta árvore, esta pedra, tem a razão de ser de sua existência em um outro que é sua causa e isto segundo as diversas linhas da causalidade. Desta constatação resulta que o princípio de razão de ser é um princípio analógico, isto é, somente deve ser aplicado proporcionalmente aos diferentes tipos de explicação. Ao se esquecer disto, corre-se o risco de cair no mais intemperante nacionalismo. [Gardeil]