O que a era moderna pensa do domínio público, após a espetacular ascensão da sociedade à dignidade pública, foi expresso por Adam Smith quando, com desarmante franqueza, ele mencionou “essa desafortunada raça de homens comumente chamados homens de letras” para os quais “a admiração pública (…) é sempre uma parte considerável da recompensa (…), na profissão médica; talvez parte ainda maior na profissão jurídica; e quase toda a recompensa na poesia e na filosofia” [A riqueza das nações, Livro I, Capítulo 10 (p. 120 e 95 do v. I, ed. Everyman)]. Nessas palavras fica evidente que a admiração pública e a recompensa monetária têm a mesma natureza e podem substituir uma à outra. A admiração pública é também algo a ser usado e consumido, e o status, como diríamos hoje, satisfaz uma necessidade como o alimento satisfaz outra: a admiração pública é consumida pela vaidade individual da mesma forma como o alimento é consumido pela fome. Obviamente, desse ponto de vista, a prova da realidade não está na presença pública de outros, mas antes na maior ou menor premência das necessidades, cuja existência ou inexistência ninguém pode jamais atestar senão aquele que as sente. E tal como a necessidade de alimento tem sua base demonstrável de realidade no processo vital, é também óbvio que a angústia da fome, inteiramente subjetiva, é mais real que a “vanglória” como Hobbes chamava a necessidade de admiração pública. Contudo, ainda que essas necessidades, por algum milagre da simpatia, fossem compartilhadas por outros, a sua própria futilidade as impediria sempre de estabelecer algo tão sólido e durável como um mundo comum. Assim, o que importa não é que haja falta de admiração pública pela poesia e pela filosofia no mundo moderno, mas sim que essa admiração não constitui um espaço no qual as coisas são salvas da destruição pelo tempo. Ao contrário, a futilidade da admiração pública, consumida diariamente em doses cada vez maiores, é tal que a recompensa monetária, uma das coisas mais fúteis que existem, pode tornar-se mais “objetiva” e mais real.
Em contraste com essa “objetividade” cuja base única é o dinheiro como denominador comum para a satisfação de todas as necessidades, a realidade do domínio público depende da presença simultânea de inúmeros aspectos e perspectivas nos quais o mundo comum se apresenta e para os quais nenhuma medida ou denominador comum pode jamais ser concebido. Pois, embora o mundo comum seja o local de reunião de todos, os que estão presentes ocupam nele diferentes posições, e, assim como se dá com dois objetos, o lugar de um não pode coincidir com o de outro. A importância de ser visto e ouvido por outros provém do fato de que todos veem e ouvem de ângulos diferentes. É esse o significado da vida pública, em comparação com a qual até a mais fecunda e satisfatória vida familiar pode oferecer somente o prolongamento ou multiplicação de cada indivíduo, com os seus respectivos aspectos e perspectivas. A subjetividade da privatividade pode prolongar-se e multiplicar-se na família e até tornar-se tão forte que o seu peso se faça sentir no domínio público; mas esse “mundo” familiar jamais pode substituir a realidade resultante da soma total de aspectos apresentados por um objeto a uma multidão de espectadores. Somente quando as coisas podem ser vistas por muitas pessoas, em uma variedade de aspectos, sem mudar de identidade, de sorte que os que estão à sua volta sabem que veem identidade na mais completa diversidade, pode a realidade do mundo aparecer real e fidedignamente. [ArendtCH, 7]