Filosofia – Pensadores e Obras

potências sensíveis

É evidente que as potências sensíveis são potências orgânicas, isto é, dependem ao mesmo tempo da alma que lhes é princípio, e do corpo onde se incarnam sob forma de órgãos bem determinados: a mais elementar análise da sensação o testemunha. Assim, a alma, quando separada do corpo, não possui mais suas potências sensíveis, a não ser de modo radical, e não pode mais exercer atos sensíveis.

Não sendo potências puramente espirituais, não podem os sentidos refletir perfeitamente sobre si mesmos, e não têm assim o conhecimento distinto de sua atividade. Um certo poder de reflexão é todavia reconhecido, no peripatetismo, a um sentido particular, o sensus communis, e assim é possível falar de uma certa consciência sensível.

A fisiologia dos órgãos dos sentidos não deixa de interessar a Aristóteles. Mas é evidente que suas alegações, por mais engenhosas que sejam, precisam ser seriamente controladas e completadas. Uma de suas concepções mestras neste domínio era a de que os sentidos, para estarem em condição de receber uma certa forma, deveriam estar privados dela; assim a pupila era feita de água, o que a tornava capaz de ser impressionada por todas as coisas.

Além da potência sensível e de seu órgão, além outrossim do objeto que a determina, é necessário, para que haja sensação, que exista um certo “meio” intermediário.

A existência deste parece repousar sobre uma dúplice constatação. Antes de tudo, no caso de ao menos três sentidos (vista, ouvido e olfato) este meio aparece como um fato; o órgão está separado do objeto sensível por um certo intervalo de ar ou de água que manifestamente desempenha um papel de transmissão. Em segundo lugar, é evidente que suprimindo-se o meio pode desaparecer a sensação: o objeto colorido colocado diretamente sobre o olho não é mais percebido; aproximado demais do ouvido, o objeto sonoro apenas provoca uma audição confusa. Evidencia-se, portanto, que a ação do objeto sensível tem necessidade de se refratar em um meio para poder estar em condição de afetar convenientemente o órgão. É bastante curioso observar que Aristóteles tenha estendido esta teoria aos sentidos do tacto e do gosto, para os quais, ao contrário dos precedentes, parece impor-se o contato corporal direto com o objeto sensível. Aí também o meio ainda existe e não é outra coisa que a carne, pois os órgãos não estão na superfície, mas no interior.

Do mesmo modo que os órgãos, devem os meios estar em condições de neutralidade com relação às formas que recebem: assim o “diáfano”, meio correspondente à vista, é incolor e, semelhantemente, o meio do som é insonoro. No caso do tacto e do gosto, para os quais o meio é a carne, matéria necessariamente qualificada, dir-se-á que existe um certo equilíbrio em qualidades, uma “mediedade”, que será receptiva de tudo o que for “excesso” no reativo exterior: assim, a mão que é temperada (isto é, nem quente nem fria) pode receber o calor e o frio dos objetos que a tocam.

Qual é exatamente o papel do meio nesta psicologia da sensação? Sem dúvida alguma, antes de tudo o papel de transmissão. Mas servia também, na concepção dos antigos, para proteger os órgãos dos sentidos, aos quais poderia ser nocivo o contato com o objeto. Certos comentadores atribuíam igualmente ao meio uma função de espiritualização das formas, em vista de sua recepção pelos sentidos. Seria graças a ele que estas formas se tornariam sensíveis em ato. [Gardeil]