(gr. taxis; lat. ordo; in. Order; fr. Ordre; al. Ordnung; it. Ordiné).
Uma relação qualquer entre dois ou mais objetos que possa ser expressa por meio de uma regra. Esta noção, que é a mais geral, foi expressa por Leibniz pela primeira vez numa passagem do Discurso de metafísica (1668): “O que passa por extraordinário é extraordinário somente em relação a alguma ordem particular, estabelecida entre as criaturas porque, quanto à ordem universal, tudo é perfeitamente harmônico. Tanto isso é verdade que no mundo não só nada acontece que esteja absolutamente fora de regra, como também não se saberia sequer imaginar algo semelhante. Suponhamos que alguém marque uma quantidade de pontos no papel, de um modo qualquer: digo que é possível achar uma linha geométrica cuja noção seja constante e uniforme segundo certa regra, e tal que passe por todos esses pontos na mesma ordem com que foram traçados pela mão. E, se alguém traçar uma linha contínua, ora reta, ora curva, ora de outra natureza, é possível achar uma noção, regra ou equação comum a todos os pontos dessa linha em virtude da qual as mudanças da linha sejam explicadas. P. ex., não há nenhum rosto cujo contorno não faça parte de uma linha geométrica e não possa ser traçado de uma só vez por meio de certo movimento regulado. Mas, quando uma regra é muito complexa, o que lhe pertence passa por irregular. Assim, podemos dizer que, qualquer que fosse o modo como Deus tivesse criado o mundo, este teria sido sempre regular e teria uma ordem geral” (Disc. de mét., § 6). Neste sentido, a ordem consiste simplesmente na possibilidade de expressar com uma regra, ou seja, de maneira geral e constante, uma relação qualquer entre dois ou mais objetos quaisquer. A noção de ordem, neste sentido, não se distingue da noção de relação constante. Mas este é apenas o significado genérico da noção. No seu âmbito podemos distinguir três noções específicas: 1) ordem serial; 2) ordem total; 3) grau ou nível.
1) A ordem serial é própria da relação antes e depois. Aristóteles observou que esta relação recorre onde há princípio, porque neste caso as coisas podem estar mais ou menos próximas do princípio. Um antes ou um depois pode ser determinado em relação ao espaço e ao tempo, ou em relação ao movimento, à potencialidade, ou à disposição. Mesmo no conhecimento alguma coisa vem antes de outra por definição ou no sentido de que a sensação vem antes do conceito. Em geral, de duas coisas vem antes a que pode ficar sem a outra: segundo Aristóteles, essa é a expressão mais genérica dessa forma de ordem (Met., V, 1018 b 9). Aristóteles parece deste modo privilegiar como ordem serial a ordem causal, em que a causa pode subsistir sem o efeito, mas o efeito não pode subsistir sem a causa, e por isso vem depois dela: interpretação frequente na tradição filosófica. Agostinho dizia, p. ex.: “Ou demonstrais que alguma coisa pode acontecer sem causa, ou acreditais, como eu, que nada acontece sem certa ordem de causas”, identificando deste modo a noção de ordem com a de causalidade (De ord., I, 4,11). Para Spinoza, a ordem das coisas coincidia com a sua conexão causal; considerava sinônimas as duas expressões: “A ordem de toda a natureza” e “o nexo das causas” (Et., II, 7, Escol.). Kant não só fazia a mesma identificação como considerava a ordem causal como condição da ordem temporal: “Uma coisa pode ter lugar determinado no tempo só
sob a condição de se presumir, no estado precedente, uma outra coisa que ela precise seguir sempre, segundo uma regra; donde resulta, em primeiro lugar, que não posso subverter a série de tal modo que o consequente seja anterior ao precedente, e em segundo lugar que, posto o estado precedente, determinado acontecimento deve infalível e necessariamente seguir-se” (Crít. R. Pura, Anal. dos Princ., cap. II, seç. 3, Analogias da experiência). Analogamente, para Bergson, a ordem natural é “física”, “geométrica” ou “automática”, e fora dela só há ordem “vital” ou “desejada”, isto é, a ordem dos fins (Évol. créatr., 8a edição, 1911, p. 251-52).
No entanto, esse privilégio conferido à ordem causal nem sempre obscurece o conceito formal da ordem serial. Tomás de Aquino de Aquino retomava a definição de Aristóteles: “Fala-se sempre de ordem em relação a alguns princípios. E assim como se fala em princípio de muitas maneiras, ou seja, segundo o lugar, como quando se fala do ponto, segundo o intelecto, como quando se fala do princípio da demonstração, e segundo as causas singulares, assim também se fala de ordem” (S. Th., I, q.42, a.3). Nesta passagem, a ordem causal é somente uma exemplificação da ordem geral. Do mesmo modo, Wolff definia a ordem como ” óbvia semelhança, graças à qual as coisas são postas umas à frente das outras ou uma depois da outra”, em que a óbvia semelhança é a constância de relação (Ont., § 472). O mesmo Kant expressava claramente o conceito de ordem serial ao identificar ordem com regularidade, como fez a propósito do conceito formal de natureza (Crít. R. Pura, § 26). C. I. Lewis observa que a ordem aritmética, que se impõe aos objetos naturais, permite que “uma infinita multiplicidade seja submetida a uma simplicidade finita de regras” (Mind and the World-Order, 1929; edição 1956, p. 363). Os matemáticos e os lógicos, a partir de Cantor, consideram como ordem uma relação delimitada de certas regras. P. ex., se assumimos a relação precede, bastam as regras seguintes para obter uma ordem simples-. 1) nenhum termo precede-se a si mesmo; 2) se a precede b e b precede c, então a precede c; 3) se a e b são dois termos diferentes quaisquer, o a precede b ou b precede a. Pode-se ter, enfim, aquilo que Cantor chamou de “conjunto bem ordenado” ao admitir uma quarta regra: em toda classe não vazia de termos há um primeiro termo, que precede todos os outros da mesma classe (cf. A. Church, Intr. to Mathematical Logic, § 55).
2) A segunda espécie de ordem consiste na disposição recíproca das partes de um todo: como notava Aristóteles, essa espécie de ordem pode referir-se ao lugar, à potência ou à forma (Met., V, 19, 1022 b 1). Esta é a ordem que os estoicos definiam, segundo relata Cícero (Tusc, I, 40, 142), como “a disposição dos objetos em seus lugares justos e apropriados”; essa definição, como é óbvio, pressupõe que seja previamente disposto, para cada objeto, o lugar justo e apropriado, com vistas ao fim a que se destina o objeto; por isso, baseia-se no conceito de fim. Se a ordem serial é essencialmente ordem causal, a ordem total é essencialmente ordem final. Foi esta ordem que Aristóteles comparou à do exército ou da casa, sobre a qual disse: “Todas as coisas estão ordenadas em torno de uma única coisa: como numa casa em que os homens livres estipularam todas as suas atividades ou a maior parte delas, enquanto os escravos pouco contribuem para o bem comum” (Met., 12, 10, 1075 a 18). É a ordem que Tomás de Aquino se Aquino chamava de “ordem dos fins” ou “dos agentes” (S. Th., I, 11, 2109 a 6), que Kant chamou de ordem moral ou reino dos fins, e Bergson de “ordem vital” (Évol. créatr., 8a ed., 1911, p. 251). Obviamente, quando essa ordem é atribuída ao mundo, considera-se o mundo, ou pelo menos sua ordem, como o produto de um agente livre.
3) Finalmente, o terceiro conceito de ordem é de grau ou nível. Tomás de Aquino já fazia a distinção entre ordem como hierarquia e ordem como grau individual da própria hierarquia: “No primeiro sentido” — dizia ele — “a ordem compreende diversos graus; no segundo, é um único grau, de tal maneira que se fala de várias ordens de uma única hierarquia” (S. Th., I, q. 108, a. 2). Neste segundo sentido, a ordem é simplesmente o grau, o plano ou o nível de uma ordem total. [Abbagnano]
O mundo apresenta-se, ao homem, ordenado em seus múltiplos aspectos, pelo que os Gregos o chamaram kosmos. Embora perturbada e, por vezes, interrompida, a ordem é todavia o que prepondera, principalmente no domínio da natureza (ordem da natureza). No domínio lógico e moral, ao homem foram dadas somente as normas da ordem, tendo-lhe sido imposta como tarefa a realização da ordem em sou pensar e querer (ordem lógica e moral). Ele é criador da ordem na plasmação do mundo que o circunda (ordem cultural). — Dizemos que reina a ordem, onde uma pluralidade de membros, elementos ou partes, é governada e dominada por uma lei, sentido ou unidade. Os elementos constitutivos podem ser seres independentes, p. ex., os soldados de um exército, ou dependentes, como os membros e funções de um organismo. — A ordem está conceptualmente próxima da totalidade. Não obstante, seu conceito é mais vasto que o de totalidade, pois que só falamos de totalidade quando os elementos de uma ordem formam unidade pela sua reunião (como as pedras de um montão), ao passo que há também ordens, nas quais os elementos não se juntam para constituir um todo (como na série ilimitada dos números 1, 2, 3 . . .). Exemplo convincentíssimo de ordem é, para nós, o organismo. Mas justamente ele mostra também que a ordem não é equivalente de uniformidade ou monotonia. Quanto mais dominarem numa multiplicidade o sentido e a unidade, tanto mais desaparece a uniformidade, na qual a multiplicidade é superada só à primeira vista, externamente, e não desde o interior. Tampouco se deve equiparar a ordem ao estático. A ordem pode realizar-se, tanto de um modo estático quanto dinâmico, como acontece, p. ex., no organismo e na ordem ética.
Uma vez que o ente existe na medida em que é uno em sisi mesmo (unidade) e em geral aparece com uma certa pluralidade só em suas realizações finitas, a totalidade do real manifesta-se como uma gradação ontológica (graus do ser) intimamente ordenada; porque a unidade pura do Ser subsistente pré-contém em si, de modo eminente, toda a multiplicidade das perfeições finitas. Mas a ordem do ente finito não se mostra só na união, pelo ato de existir substancial, de todos os princípios do ser (princípios do ser ) que constituem um ente, mas também na união de todos os entes, mediante as variadíssimas relações que, em última instância, os remetem à unidade do Ser subsistente.
Após haver sido preparado pelas concepções de Platão sobre o reino das ideias, o conceito de ordem abriu caminho principalmente no neo-platonismo. Assim, Plotino colocou no cimo do ser o “Uno”, do qual descende toda perfeição, em escala ordenada, para os demais seres. Esta ideia neo-platônico-augustiniana foi não menos decisiva do que o aristotelismo para a síntese metafísica elaborada por S. Tomás de Aquino e aplicada aos domínios particulares do ser. — Brugger.
Como disposição ou conformidade, a ordem é, segundo Aristóteles, uma das formas ou classes da medida. Deve entender-se esta, contudo, em sentido ontológico e não só como conformidade especial de coisas entre si ou das partes entre si de uma coisa. Por isso, Aristóteles vincula a ordem enquanto disposição ao hábito e supõe que a diferença fundamental entre ambos reside na menor permanência do primeiro. A partir deste ponto de vista, pode então dizer-se também que a ordem é uma determinada relação recíproca das partes. É esta a opinião que se atribui a Santo Agostinho e a S. Tomás, apesar de estes dois autores não conceberem sempre do mesmo modo a noção de ordem. Para Santo Agostinho, a ordem é um dos atributos que faz que o criado por Deus seja bom. Deus criou as coisas segundo forma, medida e ordem. A ordem é uma perfeição. Do ponto de vista metafísico, a ordem é a subordinação do inferior ao superior, do criado ao criador; supõe uma hierarquia ontológica.
Também Maimônides insiste na existência de uma hierarquia de esferas ou inteligências que medeiam entre Deus e as criaturas. Desta esferas ou inteligências, a última é o intelecto ativo que inclui nas almas racionais possuidoras de intelecto passivo. A natureza não tem inteligência nem faculdades ordenadoras, esta organização emana de um princípio intelectual e é obra de um ser que imprimiu essas faculdades em tudo o que possui uma faculdade natural.
A definição de ordem dada por S. Tomás – determinada relação recíproca das partes – pressupõe a hierarquia ontológica a que Santo Agostinho se refere. Mas, Em S. Tomás, a noção de ordem está ligada à de lugar, inclui algum modo do antes e do depois. A ordem seria então “a disposição de uma pluralidade de coisas ou objetos de acordo com a anterioridade e a posteridade em virtude de um princípio”. A relação das partes relativamente a um espaço – que é, para os modernos, a primeira imagem suscitada pela palavra ordem – está na concepção clássica vinculada e até subordinada à relação relativamente à classe à qual pertencem as partes e, em última análise, relativamente á ideia.
Seja como for, parece haver uma diferença notória entre a concepção medieval da ordem e muitas das concepções modernas. O conceito moderno de ordem refere-se a uma relação de realidades entre si; no medieval, há relação completamente distinta do real com a sua ideia. Na época moderna, por conseguinte, a ordem sofre um processo de desontologização e de quantificação que a converte numa disposição geométrica e numérica e, naturalmente, a partir do predomínio da análise, sempre redutível à última. É certo que, em alguns casos, a ordem dentro do pensamento moderno é entendida novamente num sentido muito próximo do grego e do medieval. Para Leibniz, que o mundo esteja ordenado significa primeiramente que está, por assim dizer, ontologicamente hierarquizado. Há ordem porque há um princípio de ordenação segundo o qual cada coisa está no seu lugar. Isso não quer dizer que Leibniz tenha em conta apenas a ordem ontológica, quer antes dizer que esta ordem é o fundamento de todas as demais espécies de ordem – física, matemática, etc. É interessante verificar que, neste como em muito outros aspectos, Leibmiz procura unir o pensamento tradicional ao pensamento moderno; a ordem é uma hierarquia, mas também uma série e, se quiser, é uma hierarquia porque é uma série, e qualquer série é de algum modo hierárquica.
Aquilo a que poderia chamar-se “desontoligização” da ideia de ordem na idade moderna não equivale a dizer que, em toda a idade moderna, a ideia de ordem é independente da de hierarquia ontológica. Por um lado, há excepções. Por outro, muitos pensadores modernos continuam a ter em conta a ideia de ordem como ordem do ser. Mas de acordo com certa tendência para valorizar as questões do conhecimento em relação às questões da realidade, é como se a ordem fosse, primeiramente, para muitos autores modernos, uma ordem do conhecer. Além disso, tem- se menos em conta a ordem sobrenatural para insistir na ordem natural. A ordem, em suma, parece residir nas próprias coisas enquanto são conhecidas. Daí a passagem da ideia de ordem à de regularidade e de uniformidade da natureza.
No que diz respeito à noção de ordem como noção primeira ou exclusivamente formal, diremos que se define ordem como a disposição de um conjunto de entidades. Exemplos de ordenação de conjuntos de identidades são: a ordem dos números naturais, a ordem dos pontos numa linha. De um modo mais formal, define~e-se a ordem como a relação entre membros de uma classe segundo a qual alguns membros precedem outros. Os membros chamam-se com frequência elementos: diz-se, pois, que há ordem entre elementos de um conjunto. As noções usadas na teoria lógica e matemática da ordem são noções que pertencem à doutrina das relações. [Ferrater]