Filosofia – Pensadores e Obras

McLuhan

McLuhan, Herbert Marshall, — Nasceu em Edmonton, Canadá. Doutorou-se emliteratura inglesa em Cambridge, e atualmente leciona na Universidade de Toronto. McLuhan começou a ser debatido em 1964, quando foi publicado seu livro Understading Media (“Como compreender os meios de comunicação”). Elevado à posição de “teórico da comunicação de massa”, e gozando das vantagens dessa posição (como o convite para aparecer nas páginas da revista Playboy), ao choque e grande interesse despertado por suas ideias seguiram-se movimentos para desacreditá-lo como charlatão. Ainda não foi feita uma análise crítica cuidadosa a respeito de suas ideias. Suas obras mais conhecidas são: The Mechanicd Bride (“A Noiva Mecânica”); The Gutenberg Galaxy (“A Galáxia de Gutenberg”); Understanding Media; The Médium is the Massage; War and Peace in the Global Village (“Guerra e Paz na Aldeia Mundial”). Costuma-se resumir suas teses afirmando-se que McLuhan pretende reinterpretar a história através de uma análise dos meios de comunicação. A um universo tribal originário,, onde a comunicação se processava oralmente e envolvedoramente, sucede-se um universo visual e linear, o universo analítico do alfabeto, que eventualmente se imporá através da imprensa. Hoje em dia, com o surgimento dos meios eletrônicos de comunicação, implanta-se a “era elétrica”, onde a tribalidade originária se reestabelece, através da “aldeia mundial” que congrega eletronicamente todos os homens.

Embora sem que ainda possamos lhe atribuir um “valor”, McLuhan deve ser compreendido entre os teóricos e pensadores pós-marxistas que, de uma maneira ou de outra, vêm nosso tempo atual como o “tempo da técnica”. Entre tais teóricos destacam-se Oswald Spengler e Lewis Munford. Spengler caracteriza seu método de análise histórica como sendo o “método fisiognômico”. A fisiognomia procura compreender os movimentos culturais através da “arquitetura” de seus produtos; a ligação entre a cultura e a produção cultural não é causal, mas sim orgânica. E, da mesma maneira que podemos reconhecer numa folha a estrutura do galho onde ela nasce, a fisiognomia procura reconhecer, no produto cultural, a “essência” da cultura que a gerou. Mumford, um arquiteto que nos seus trabalhos mais conhecidos sofreu uma evidente influência de Spengler, torna mais clara, nas suas análises, o que é o “método fisiognômico”. Mumford mostra como o universo medieval se concretiza no plano das cidades medievais: em seu centro, e dominando a cidade, as torres da igreja; à volta do casario, a muralha defensora, que marca bem os limites entre a cidade e o campo. Nas casas medievais não há divisões internas especializadas, como a cozinha e o quarto de banhos — a cidade possui um forno público e uma casa pública de banhos. Nesta estrutura Mumford pretende ler o princípio comunitário que se costuma apresentar como_ sendo o modo característico da vida medieval. Após o Renascimento e na Idade Moderna, Mumford mostra como, em paralelo à formação dos estados nacionais absolutistas, as muralhas das cidades desaparecem, o crescimento das cidades começa a ser arquitetonicamente planejado, e, ao mesmo tempo, surge o “indivíduo” — quando, dentro das habitações, se separam as “partes públicas” (salões) e as “partes íntimas” (quartos, alcovas, cozinha e salas de banho). Um fenômeno análogo a este, de individualização no concreto e generalização no abstrato, e o que se revela através da reforma agrária inglesa do século XVIII. As terras que eram, em certas épocas do ano, cultivadas comunitariamente, são divididas e atribuídas privativamente a cada um dos membros da comunidade pelos enclosure acts. A comunidade desaparece em nome de uma eficiência abstrata que deveria servir ao “bem comum” genérico, e ao mesmo tempo os membros da comunidade se tornam os indivíduos isolados que compõem a sociedade moderna. A noção de “meio de comunicação” desenvolvida por McLuhan está bastante próxima da “fisiognomia” de Spengler ou da concretização de arquétipos culturais de Mumford. A cidade é um meio de comunicação, como extensão de certa possibilidade nossa. E, ao mesmo tempo, quando nós construímos a cidade, nós moldamos o mundo dentro de uma certa concepção cultural. A transição de um movimento cultural a outro — como a transição da Idade Média à Idade Moderna — se faz destruindo-se o ambiente onde a cultura anterior se havia cristalizado, e construindo-se um novo ambiente. Como a esta destruição do ambiente corresponde, em termos existenciais, a uma destruição de nosso mundo, o membro da cultura de transição se sentirá “perdido” num mundo “absurdo”. Para McLuhan, a “dança da morte” simboliza a angústia pré-renascentista, da mesma maneira que o teatro do absurdo concretiza a angústia de nosso tempo (visto como época de transição). Como um pensador enquadrado na linhagem spen-gleriana via Lewis Mumford, McLuhan deixa de ser um fenômeno à parte, como. diversos ensaístas pretenderam compreendê-lo, e ao mesmo tempo se torna “respeitável” e um pouco menos folclórico.

Mas a maior crítica feita a McLuhan se baseia no evidente absurdo de afirmativas como “a guerra do Vietnam é um produto da televisão”, ou “Hitler foi uma consequência do rádio”. No entanto podemos compreender tais slogans (e muitos outros, como “o meio é a mensagem”) enquadrando-os não dentro da linguagem do ensaísmo tradicional, mas sim dentro da linguagem da cultura de massa. O que justificaria tais slogans é que eles foram construídos para terem validade e fácil comunicabilidade através dos veículos da cultura de massa. Atingindo e envolvendo diretamente as mitologias da cultura de massa mundial (e tanto Hitler — através, por exemplo, do culto folclórico ao nazismo que certos bandos de motociclistas da Califórnia fazem — quanto a guerra do Vietnam fazem muito realmente parte de um folclore ideológico mundial), McLuhan consegue uma surpreendente difusão para as suas ideias, cuja “verdade” poderá ser estabelecida quando as depurarmos das mitologias envolventes. Tal trabalho ainda não foi feito, e talvez ainda seja cedo para tanto.

Mesmo assim, certas ideias brilhantes podem ser descobertas dentro dos trabalhos de McLuhan. Citando Oppenheimer, McLuhan destaca a importância do amador frente ao especialista. Ora, o amador tem, hoje em dia, trabalho em áreas necessariamente sem especialidade definida, como a pesquisa operacional e a cibernética — cujos fundamentos foram postos dentro de uma visão amadorista dos problemas a serem enfrentados (e mesmo outras áreas tradicionais estão abertas aos amadores: Lewis Mumford se declara um “especialista em generalidades”, com certo sarcasmo). Revalorizando o amador, McLuhan destaca o maior deles na ciência moderna, Michael Faraday, cujo sentido físico e fantástica intuição possibilitaram o desenvolvimento por Maxwell da teoria eletromagnética. Poderia ter falado num amador como Einstein — que derrotou cérebros matemáticos do nível de Poincaré e Minkowski (a teoria da relatividade, como formalismo, já existia antes de Einstein; sua contribuição foi, basicamente, a atribuição de um sentido físico e concreto ao formalismo). A luta do amador contra o especialista, conforme apresentada por McLuhan, parece ser um reflexo da sua evidente (e irônica) luta por uma necessária renovação de ideias. O que o teria feito escolher veículos não ortodoxos para difundir as suas. E o que causa a (ineficaz) condenação do ensaísmo oficial McLuhan não pode ser compreendido enquanto não compreendermos melhor a cultura de massa contemporânea. (Francisco Doria – DCC).