Filosofia – Pensadores e Obras

materialismo dialético

A teoria que explica a gênese do espírito a partir dos fenômenos materiais. — O materialismo dialético não considera absolutamente o espírito como um simples reflexo da natureza, como faz o materialismo dogmático; é “dialético” no sentido em que o espírito e a natureza se explicam um pelo outro, constituem uma totalidade originária, cujas formas concretas vão da impressão sensorial à consciência mais alta, passando pela sensação cinestésica (sensação orgânica do movimento), pelo reflexo, pela inteligência animal; depois, pela reação reprimida, da qual nascem a consciência, a linguagem e finalmente a inteligência e o pensamento por conceitos. Nesse sentido Lenine escrevia que “os conceitos são os mais elevados produtos do cérebro, que é, ele próprio, o mais elevado produto da matéria”. O materialismo dialético é então uma vasta teoria da evolução que explica o homem e os fenômenos espirituais (como o conhecimento, a religião) a partir do movimento material que está na origem da sensação. Em outros termos, a dialética se apresenta como um método científico para o conhecimento de como a vida nasce da matéria e como o espírito jorra da vida: dessa maneira a interpretam os marxistas soviéticos como Kammari, ou o Dicionário filosófico de Loudine e Rosenthal. Essa teoria possui, entretanto, certos limites: entre cada momento do desenvolvimento, que vai da sensação ao pensamento, existem “pulos qualitativos”, isto é, entre a sensação e o reflexo, o reflexo e o pensamento, existe uma diferença de natureza que o materialismo acha-se impotente para explicar e que não pode senão constatar. Em outros termos, o materialismo dialético reconhece o fato de uma diferença de natureza entre a matéria e a vida de uma parte, a vida e o espírito de outra parte (quando fala de “pulos qualitativos”), mas supõe hipoteticamente uma continuidade de desenvolvimento. Exprime menos uma lei científica que uma hipótese filosófica. Esta hipótese filosófica não tem nenhuma utilidade em si mesma; expressa antes um ideal da ciência. A dialética materialista não prova o materialismo; exprime principalmente uma fé prévia na verdade do materialismo. (V. epifenômeno, marxismo, materialismo.) [Larousse]


O materialismo dialético é a união do materialismo clássico com a dialética de Hegel, e representa o núcleo filosófico do marxismo. Com ele aflora à superfície a possibilidade, que em Hegel só se encontra em estado latente, de uma concepção materialista. Se para Hegel a natureza era mero “ser-fora-de-si”, Feuerbach, Marx e Engels, invertendo os termos, convertem a consciência em mero reflexo da natureza. No materialismo dialético soviético de nossos dias, que é o que de modo especial temos em vista neste artigo, somente duas disciplinas filosóficas se encontram até certo ponto organizadas: a doutrina do ser e a do conhecimento. A primeira descreve as leis do movimento da matéria; a segunda, seu reflexo na consciência. As restantes disciplinas filosóficas foram substituídas pelas respectivas ciências positivas limítrofes, sob o patrocínio do método dialético.

Quando a física moderna passou a formular novas definições da matéria, Lenine enclausurou-se num “conceito filosófico” da mesma. “A única propriedade da matéria, a cuja aceitação está ligado o materialismo filosófico, é a de ser realidade objetiva, a de existir fora de nossa consciência (noutro lugar escreve: “independentemente dela”). Mas, ao afirmar isto, pretende defender de maneira categórica que só existe um tipo independente de ser: a matéria. Há, porém, ainda outra propriedades dessa realidade absoluta a saber, a infinidade e o movimento, ambos no espaço e tempo, a indestrutibilidade, a incriabilidade e principalmente a perceptibilidade sensível, embora em certos casos só mediata.

O automovimento de matéria perfaz-se de acordo com as leis da dialética. Segundo elas, todo existente (tese) encerra em si contradições que impelem à luta e, consequentemente, ao desenvolvimento ou evolução. Esta vai do inferior ao superior, da matéria inanimada à vida, à sensação, à consciência. A súbita mudança da tese é preparada por modificações quantitativas que podem ir-se produzindo até um certo ponto máximo, natural para cada coisa (p. ex., aquecimento da água até ao ponto de ebulição). Mas, ultrapassando-se este limite, origina-se, num “salto dialético”, um ser inteiramente novo (p. ex., vapor de água) como negação do primeiro (antítese). A negação da negação conduz, em seguida, à terceira fase (síntese), a qual, por seu turno, representa um novo começo: o processo dialético prossegue eternamente seu caminho

A epistemologia do materialismo dialético contém duas afirmações: a consciência brota, mediante o salto dialético, da matéria menos organizada, e reproduz exatamente o ambiente que a rodeia. Segundo Lenine, nossas percepções (e, em sentido lato, também nossos conceitos) são “reflexos” de um mundo exterior, cuja realidade se pressupõe como evidente. Uma vez que o ser, por hipótese cheio de contradições, não é apreensível por meio da lógica e de seu princípio de contradição (princípio de contradição), e atendendo, por outro lado, a que nenhuma enunciação dotada de sentido pode renunciar à lógica formal, o materialismo dialético empenha-se em criar uma nova lógica “dialética”, no intuito de representar em forma não contraditória o ser repleto de contradições. O único critério para avaliar a justeza do conhecimento é a praxis (a ação), ou seja, a técnica, a indústria e, de modo peculiar, a luta pelo comunismo. Dado que a evolução fundamental do universo, evolução independente da humana vontade, se processa também na mesma orientação, a encorporação consciente neste movimento corresponde à realidade, sendo “correta” no duplo sentido do termo russo Pravda (verdade e justiça). A praxis (ação) é dirigida pelo “partido”, o qual conhece, da melhor maneira possível, o caminho que conduz ao fim e, consequentemente, profere o veredicto supremo em todos os domínios da vida e do saber. De tudo isto fluem estes dois postulados metodológicos fundamentais do materialismo dialético: unidade de teoria e praxis (ação) e partidarismo da filosofia. O materialismo dialético repudia, como “objetivismo”, a investigação puramente objetiva, imparcial.

O materialismo dialético serve para justificar teoreticamente a concepção materialista da história: o materialismo histórico. Também a vida social, como todo e qualquer ser, alberga em si necessariamente contradições. As “forças produtivas” (os instrumentos e a habilidade dos produtores), constantemente aperfeiçoadas, entram em conflito com as “condições de produção” (a forma da propriedade), originando assim um transtorno da “superestrutura ideológica” (política, filosofia, direito, arte, religião), transtorno que, por sua vez, se repercute de novo na “base econômica” (ideologia). A princípio, o conflito processa-se quantitativamente lutas de classes entre os possuidores dos meios de produção e os assalariados) até que, atingindo seu ponto máximo natural, produz, mediante o salto dialético (revolução), uma ordem social nova, oposta à precedente. Supõe-se que, por esta forma, uma comunidade comunista primitiva se converteu no regime social da antiga escravidão; e esta, em feudalismo, em capitalismo e (provisoriamente só na antiga U.R.S.S.) em “socialismo”. No socialismo cessa a luta de classes, porque a moderna forma social de produção coincide com a forma social da propriedade e, por conseguinte, deixou de haver classes antagônicas. Aqui, a dialética essencial a todo ser manifesta-se unicamente na “crítica e autocrítica”. A partir desta fase, a humanidade passará a um estado final paradisíaco: o comunismo propriamente dito.

O âmago do materialismo dialético é constituído pela absolutização de uma “matéria” que se move no espaço e no tempo, ou seja, em última instância, de um devir sem causa. Tal concepção é insustentável. O espírito, caracterizado pela independência que, de acordo com o seu ser, possui relativamente à matéria, não pode provir desta mediante qualquer “evolução”, por dialética que esta seja. Além disso, a ontologia do materialismo dialético pode fundamentar, quando muito, um realismo; nunca, um monismo. Nem a definição de matéria, apresentada por Lenine, é logicamente compatível com o monismo, pois que deixa subsistir a matéria independentemente da consciência, e fora dela, permitindo, portanto, uma dualidade. Por outro lado, uma realidade contraditória em si mesma é um absurdo (princípio de contradição). — Os conceitos bolchevistas de vero, de bom e de belo, estão subordinados, não à verdade objetiva, mas, de maneira puramente pragmática, a uma ideologia política arbitrária, não confirmada pela evolução real, visto que a União Soviética “socialista”, com sua vasta camada de funcionários socialmente privilegiados, está muito longe de ser uma sociedade sem classes. Em resumo, o materialismo dialético e o materialismo histórico são os fundamentos teórica e praticamente insustentáveis de um desumano sistema de opressão. — Falk. [Brugger]


(in. Dialectical materialism; fr. Matérialisme dialectique; al. Dialektischer Materialismus; it. Materialismo dialetticó).

Entende-se por essa expressão a filosofia oficial do comunismo enquanto teoria dialética da realidade (natural e histórica). Mais que de materialismo, trata-se na realidade de um dialetismo naturalista, cujos princípios foram propostos por Marx (v. dialética), desenvolvidos por Engels e depois, mais ou menos servilmente, seguidos pelos filósofos do mundo comunista, que são os únicos seguidores dessa filosofia. Segundo Engels, Hegel reconheceu perfeitamente as leis da dialética, mas considerou-as “puras leis do pensamento”, já que não foram extraídas da natureza e da história, mas “concedidas a estas do alto, como leis do pensamento”. Porém, “se invertermos as coisas, tudo se tornará simples: as leis da dialética que, na filosofia idealista, parecem extremamente misteriosas, tornam-se logo simples e claras como o sol” (Anti-Dühring, pref.). Segundo Engels, são três as leis: 1) lei da conversão da quantidade em qualidade e vice-versa; 2) lei da interpenetração dos opostos; 3) lei da negação da negação. A primeira significa que na natureza as variações qualitativas só podem ser obtidas somando-se ou subtraindo-se matéria ou movimento, ou seja, por meio de variações quantitativas. A segunda lei garante a unidade e a continuidade da mudança incessante da natureza. A terceira significa que cada síntese é por sua vez a tese de uma nova antítese que dará lugar a uma nova síntese (Engels, Dialektik der Natur, passim). Segundo Engels, esse conjunto de leis determina a evolução necessária — e necessariamente progressiva — do mundo natural. A evolução histórica continua, com as mesmas leis, a evolução natural. O sentido global do processo é otimista. A organização da produção segundo um plano, como se realizará na sociedade comunista, destina-se a elevar os homens acima do mundo animal, em termos sociais, tanto quanto o uso de instrumentos de produção o elevou em termos de espécie. Como se vê, o materialismo dialético de Engels nada mais é que a teoria da evolução (que nos tempos de Engels festejava seus primeiros triunfos), interpretada em termos de fórmulas dialéticas hegelianas, com prognósticos extremamente otimistas.

Costuma-se considerar que o materialismo histórico e o materialismo metafísico são partes integrantes do materialismo dialético. Sobre o primeiro, v. capítulo à parte. Quanto ao segundo, foi mais enfatizado por Lênin e pelos comunistas russos do que Marx e Engels. Lênin assim resumia as teses do materialismo: 1) Há coisas que existem independentemente de nossa consciência, independentemente de nossas sensações, fora de nós. 2) Não existe e não pode existir diferença alguma de princípio entre o fenômeno e a coisa em si. A única diferença efetiva é a que existe entre o que é conhecido e o que ainda não o é. 3) Sobre a teoria do conhecimento, como em todos os outros campos da ciência, deve-se raciocinar sempre dialeticamente, ou seja, nunca supor que nosso conhecimento seja invariável e acabado, mas analisar o processo graças ao qual o conhecimento nasce da ignorância ou o conhecimento vago e incompleto torna-se mais justo e preciso” (Materialismus und Empiriokritizismus, 1909; trad. it., p. 75). Como se vê, tampouco essas teses expressam uma concepção materialista, mas constituem uma reivindicação do realismo gnosiológico. [Abbagnano]