Desprezando o sentimento comum favorável à existência do livre arbítrio, muitos sistemas desde a antiguidade atribuíram ao ato humano, sob uma forma ou outra, a fatalidade ou o determinismo. Encontram-se estas teorias diferentemente fundamentadas.
Para uns, o homem não é livre porque submetido ao destino, ou porque nada mais é que uma engrenagem de um Todo cujo movimento é, em sisi mesmo, necessário. De um ponto de vista teológico, afirmar-se-ia que a liberdade é contrária à presciência ou à predestinação divina. Para outros, a liberdade, se existe, seria diretamente contrária ao princípio de causalidade, ou ao princípio de conservação de energia, ou então negaria a regularidade das leis da natureza: do ponto de vista da ciência, impor-se-ia manifestamente um determinismo sem falhas.
Não devemos considerar aqui certas concepções que se originam propriamente de uma filosofia geral e que só encontram respostas adequadas em metafísica. Interessa-nos aqui uma só forma de determinismo, a que está em relação mais imediata com a psicologia. Seu exame terá a vantagem de valorizar, de maneira nova, a doutrina acima elaborada.
O determinismo psicológico. Esta doutrina parece ter tido sua expressão mais acabada em Leibniz. este tomou seu ponto de partida na crítica da liberdade de indiferença. Louvada, ao que parece, por Descartes, esta teoria consiste em reconduzir a liberdade à indiferença com relação aos diversos motivos que solicitam a escolha, ou ao estado de equilíbrio perfeito onde se encontra a vontade com relação aos motivos. Sob o efeito de uma iniciativa absolutamente pura, esta faculdade faria sua escolha e isto seria o ato livre. Leibniz não escondeu que esta assim chamada indiferença face aos diversos motivos do querer era tão-somente uma ilusão. Minha vontade, em realidade, é solicitada diferentemente pelos diversos motivos: uns são mais fortes que outros. Definitivamente será o motivo mais forte que a arrastará. E isto tanto com relação à nossa vontade, como também em relação à vontade divina que só pode querer o melhor. Todavia, merece sempre o qualificativo de livre.
Não nos pertence discutir, detalhadamente, esta engenhosa teoria. Oportuno é dizer aqui que, apesar de suas intenções, parece não escapar ao determinismo: é necessariamente o motivo mais forte que se imporá. O próprio mundo será o melhor possível: as possibilidades de outra escolha ou de outros mundos são assim completamente teóricas.
Contra tais alegações é preciso manter, com Tomás de Aquino, que se nossa vontade não se determina sem motivo, não é necessariamente determinada por um motivo que seria o mais forte, surgindo este, aliás, como uma hipótese gratuita. Em nossa psicologia concreta, há, por deliberação preliminar, o exame de diversos motivos de escolha que nos solicitam. Depois, o sujeito para em um deles e se decide: a decisão assim tomada depende bem do motivo que a fundamenta realmente e que aparece, então, como o melhor, mas só se impõe à minha vontade porque esta se fixa sobre ele e o escolhe. Em última análise, tal motivo foi efetivamente o mais forte: mas porque eu o quis. Há, ao mesmo tempo, determinismo racional e autodeterminação espontânea. O ato livre não pode ser salvo e não pode ser justificado de outra maneira.
Se na psicologia do ato livre não se deve reconhecer o motivo mais forte no sentido leibniziano, convém distinguir móveis diversos ou condições de escolha. Eis os discernimentos que Tomás de Aquino, a este respeito, nos propõe no De Malo (cf. q. 6, art. único).
Considerado como procedente da vontade ou em seu exercício, o ato livre é interiormente condicionado só por Deus. Este ainda, em sua moção transcendente, respeita a indiferença fundamental da potência que conserva assim o senhorio de seu ato.
Considerado agora do ponto de vista da especificação ou como dependente da inteligência, e posto à parte o caso do bem absoluto que é absolutamente necessitante, o ato livre pode, de três maneiras, ver-se solicitado, mais em um sentido que em outro: 1. por um motivo que efetivamente o arrasta; 2. pelo fato de que se considera tal circunstância do ato antes que tal outra; 3. em razão das disposições do sujeito que fazem com que tal objeto apresente maior ou menor interesse: o que é arrastado por um movimento passional ou levado por um hábito, será conduzido naturalmente a julgar segundo este movimento ou em conformidade a este hábito: assim, um mesmo objeto não fará a mesma impressão ao homem em cólera e ao homem que está calmo, ao virtuoso e ao viciado, ao sadio e ao doente. Toda a questão infinitamente complexa do condicionamento afetivo de nossas escolhas deveria ser compreendida sob esta luz. Todavia, fora dos casos onde a violência das paixões tira à razão toda a posse de si, a vontade, em face dos bens contingentes, conserva seu poder fundamental de se determinar ou de não se determinar. [Gardeil]