Filosofia – Pensadores e Obras

inevidência

Inevidência relativa e absoluta.

Em que relação está o objeto do ato de fé com nossa pessoa humana, quer dizer, com nós os homens, que realizamos estes atos de ? Já vimos que no ato de fé é essencial que o objeto seja inevidente. Se fosse evidente, não haveria ato de fé, mas juízo de razão. Pois bem: esse objeto inevidente, porque é inevidente? Também podemos dar uma resposta a essa pergunta dizendo: é inevidente porque não está presente diante de mim com presença integral. Já explicamos o que é essa presença integral com que está o objeto evidente diante de mim e com que não está o objeto inevidente. Assim, pois, o objeto inevidente é inevidente porque, ao menos parcialmente, está longe de mim, não está em mim, se encontra “ausente”. A inevidência do objeto provém de sua “ausência”. Mas são vários os modos de estar ausente um objeto: 1o. por estar em outro lugar do espaço; 2o. por estar em outro momento do tempo; 3o. por exceder a capacidade do meu entendimento. E dentro deste último caso podem distinguirse duas possibilidades: a) que exceda acidentalmente minha, capacidade intelectual; b) que exceda essencialmente minha capacidade intelectual. Ponhamos exemplos que façam intuitiva a classificação: as notícias que recebo e leio das particularidades geográficas etc, de uma ilha do Pacífico — que eu nunca visitei — são acreditadas por mim; realizo sobre elas um ato de fé; o objeto é inevidente porque está ausente: e está ausente porque se encontra em outro lugar do espaço. As notícias que obtenho e leio, numas “Memórias” históricas, de acontecimentos passados, são também objeto de , objeto inevidente porque está ausente, está em outro momento do tempo. As notícias que leio da composição íntima do átomo, cujos elementos são eléctrons, prótons etc, constituem para mim um objeto de , porque a estrutura do átomo é um objeto que está ausente do meu campo mental e está ausente porque excede a capacidade de meu entendimento; mas se excede minha capacidade intelectual é porque eu não fiz longos e penosos estudos prévios que me teriam dado a formação intelectual conveniente para ampliar minha capacidade até conter em presença integral este objeto, a estrutura do átomo; se tivesse feito longos e penosos estudos, dito objeto não excederia minha capacidade intelectual; portanto excede não essencialmente, mas só acidentalmente. Por último, pelo contrário, a notícia que tenho recebido de que Deus é um em essência e trino em pessoas, é para mim um objeto de , porque a essência da Santíssima Trindade não está presente diante de mim com presença integral; está ausente para mim, e excede minha capacidade intelectual não por acidental falta de preparação de minha pessoa, mas por essencial impossibilidade de ter, homem algum, “presente” nesta vida a Santíssima Trindade.

Podemos, pois classificar também os atos de segundo as modalidades dessa “ausência”, que caracteriza os objetos inevidentes. Consideremos, porém, os dois princípios de classificação que encontramos para os atos de . Segundo o primeiro, os atos de se classificam pela autoridade, absoluta ou relativa, do declarante. Conforme o segundo, os atos de se classificam pela “ausência” do objeto. Esta ausência manifestou-se-nos de quatro modos: ausência no espaço, quando o objeto não está no lugar em que eu estou; ausência no tempo, quando o objeto não está no momento em que eu estou; ausência mental acidental, quando o objeto não está acidentalmente na área de minha capacidade intelectual; e ausência mental essencial, quando o objeto”, por sua própria essência, não pode estar na área de minha capacidade intelectual. Os três primeiros modos de ausência mantêm entre si uma relação de afinidade. Os três são, em princípio, remediáveis, ou, dito de outro modo, não são absolutos, não representam uma ausência absoluta. Se eu não visitei nunca a ilha do Pacífico, de que me fala meu amigo, posso, todavia, ir visitá-la; não existe nenhuma impossibilidade absoluta de que a visite. Se eu não “entendo” agora a teoria físicomatemática das estruturas atômicas, posso, todavia, chegar a entendê-la; não existe uma impossibilidade absoluta de que algum dia a entenda. Se eu não presencio agora os acontecimentos históricos passados, é claro que sendo como é o tempo, irreversível, não posso esperar que chegue um dia em que possa eu retornar ao passado histórico; porém a impossibilidade de eu retornar ao passado não significa no objeto histórico uma “ausência absoluta”’, porque outros homens houve que estiveram presentes, outros homens como eu perceberam o fato como. “evidente”. A atual “ausência” desse objeto histórico passado é, pois, embora irremediável, relativa; não absoluta. Em suma: nesses três modos de ausência, o caráter atualmente inevidente do objeto o é somente “para mim”. Mas pode ser compensado por outras mentes, tão humanas quanto a minha, nas quais o objeto é ou foi evidente. Em definitivo, os três atos de sobre objetos relativamente ausentes são retificáveis, comprováveis sempre por outros tantos atos de juízo racional que outros tantos homens realizam agora ou podem realizar quando quiserem ou realizaram no passado. Ao contrário, o objeto que está ausente com ausência “essencial” não pode chegar a estar presente em nenhum intelecto humano e nunca esteve presente em nenhum. Por isso podemos reduzir a dois os quatro grupos em que, segundo o princípio do objeto, classificamos os atos de . E teremos no primeiro grupo os atos de cujo objeto está “relativamente” ausente, e no segundo grupo os atos de cujo objeto está “absolutamente” ausente. Mas então vemos com perfeita clareza que as duas classificações que estruturamos, segundo os dois princípios de classificação são perfeitamente coincidentes. Os atos de feitos sobre declarações de autoridade relativa se identificam com os atos de em objetos “relativamente” ausentes. Em troca, os atos de feitos sobre declarações de autoridade absoluta se identificam com os atos de em objetos “absolutamente” ausentes. A autoridade relativa do declarante — humana — refere-se sempre a objetos ausentes com ausência relativa. A autoridade absoluta do declarante — Deus — refere-se a objetos ausentes com ausência absoluta. Por isso coincidem tão perfeitamente as duas classificações. [Morente]