Hume chama “impressões” aos fenômenos psíquicos atuais, às vivências de apresentação atuais: eu agora tenho a impressão de verde. E chama ideias — restringindo agora um pouco o sentido dessa palavra — aos fenômenos psíquicos reproduzidos, às representações: eu, que tinha a impressão de verde, agora não tenho mais a impressão de verde; mas penso nela, a relembro ou a imagino, e então tenho a ideia de verde. De modo que temos impressões; mas temos muito mais ideias do que impressões. As impressões que num momento determinado temos são relativamente poucas comparadas com a porção de ideias que temos, já que de cada impressão que em nossa vida recebemos, a pegada que ficou, e que eu reproduzo mercê da memória ou da imaginação ou da associação de ideias, constitui um cabedal de ideias muito mais numeroso que o de impressões, visto que a impressão tem que ser atual. Já quando é relembrada não é impressão, mas ideia. Pois bem: daqui se deduz clarissimamente o método analítico de Hume. As impressões são o que nos é dado; não apresentam problema psicológico, nem problema metafísico algum. As impressões constituem aquilo que me é dado, aquilo que está aí; a última realidade é a impressão. Porém, as ideias apresentam um problema, que é, a saber: de quais impressões procedem? Se uma ideia é simples; se é, por exemplo, a lembrança do verde, essa lembrança do verde tem a origem claríssima de ter eu recebido antes a autêntica impressão de verde. Porém se a ideia é complexa, como a ideia de existência, a ideia de substância, a ideia de causa, a ideia do eu; se é ideia complicada, quais sã,o as impressões de que procede? Tomar essas ideias, analisá-las à procura da impressão da qual procedem, será o procedimento que levará a efeito Hume. Que encontra a impressão correspondente? Então a ideia tem já seu passaporte legítimo; é uma ideia que pode ser usada com toda tranquilidade porque tem realidade, já que procede de uma impressão sensível recebida por mim, é a reprodução de uma impressão sensível Mas suponhamos que, por muito que se procure, não se encontre a impressão correspondente a uma ideia. Pois então é uma ideia de contrabando, uma ideia que não tem passaporte, uma Ideia que não se justifica; é uma ficção imaginativa, talvez necessária, fundada talvez na lei psicológica de associação de ideias; mas seria completamente injustificado pretender que lhe correspondesse realidade alguma. Porque, como dizíamos antes, realidade para Hume, é impressão. Uma ideia para a qual não se encontre a impressão da qual é oriunda, é ideia que carece por completo de realidade. [Morente]