Filosofia – Pensadores e Obras

ideal

(in. Ideal; fr. Ideal; al. Ideal; it. ldeale).

É a noção de origem setecentista, da encarnação acabada, mas não real, da perfeição em determinado campo. Essa noção foi claramente expressa por Kant, que a distinguiu da noção de ideia: “A virtude e, com ela, o saber humano em toda a sua pureza são ideias. Mas o sábio (do estoico) é um ideal, um homem que só existe no pensamento, mas corresponde plenamente à ideia de sabedoria. Assim como a ideia dita a regra, o ideal serve de modelo (…). Embora não se possa atribuir realidade objetiva (existência) aos ideal, nem por isso eles devem ser considerados quimeras; ao contrário, oferecem um critério à razão, que precisa do conceito do que é perfeito em seu gênero para, tomando-o como medida, avaliar e estimar o grau e a falta de perfeição” (Crít. R. Pura, Dialética, cap. III, seç. I). No domínio da estética o ideal é a figura humana (Kritik der Urteil, § 17). Esse conceito de ideal como perfeição concretizada num tipo ou numa forma de vida, mas não realizada, passou a ser comum, verificando-se toda vez que se acentua a separação entre o dever ser e o ser. Hegel, que negou esta separação, empregou a noção do ideal só no domínio da estética, visto ter concebido a arte como a “intuição concreta e a representação do Espírito Absoluto em si como do ideal” (Enc., § 556). A distância da realidade, que é a característica do ideal, é limitada por Hegel ao mundo da arte, porque nele a Ideia ou Razão autoconsciente não chega a realizar-se na sua forma própria, mas transparece, nas formas sensíveis da natureza, como o ideal que está de algum modo além dessas formas (Vorlesungen über die Ästhetik, ed. Glokner, I, pp. 112 ss.). Na religião e na filosofia, entretanto, que são as formas espirituais em que a Ideia tem realização mais elevada, a noção de ideal não tem lugar. Na filosofia contemporânea, que mesmo restabelecendo a distinção entre dever-ser e ser, própria da filosofia setecentista, recusa-se a considerar o dever-ser como já encarnado numa forma perfeita e como inatingível na realidade, a noção de ideal, caracterizada por esses dois aspectos, deixou de ser usada e foi substituída pela noção de valor. Dewey disse a propósito: “Esta noção da natureza e da função dos ideais combina num todo contraditório o que há de vicioso na separação entre desejo e pensamento (…) Segue o curso natural da inteligência ao pedir um objeto que unifique e satisfaça o desejo, e depois anula a obra do pensamento, ao considerar o objeto inefável e sem relação com a ação e a experiência presente” (Human Nature and Conduct, II, 8, p. 260).

(in. Ideal; fr. Ideal; al. Ideal, Ideellé). Esse adjetivo tem três significados fundamentais, correspondentes: 1) ao primeiro significado de Ideia, designando o que é formal ou perfeito no sentido de pertencer à Ideia. como forma, espécie ou perfeição; 2) ao segundo significado de Ideia, significando o que não é real porque pertence à representação ou ao pensamento; o próprio Hegel emprega este significado do termo quando afirma que o idealismo consiste em afirmar que “o infinito é ideal”, ou seja, não real (Wissenschaft der Logik, I, I, seç. I, Gap. II, nota 2); 3) ao termo ideal, designando o que é perfeito, mas irreal. [Abbagnano]


Denomina-se “ideal” a plena realização de uma ideia. O ideal é, portanto, alcançado, quando uma ideia logrou desdobrar-se (ao menos, aproximadamente) dentro de todas as suas possibilidades. O ideal ou se encontra existindo numa determinada essência, ou é representado como imagem teleológica remota, ainda não encarnada. No primeiro sentido, a ideia platônica é, ao mesmo tempo, ideal, visto existir como realidade supra-sensível que em si contém todas as possibilidades da mesma. Como ideal de todos os ideais aparece a ideia do bem, enquanto compreende todas as restantes ideias, como medida delas. Esta concepção reaparece, purificada, na imagem que formamos de Deus: Deus é o ideal absoluto, porque reúne em si a totalidade das perfeições (puras) no grau mais elevado, ou segundo o conjunto de suas possibilidades. Sendo assim, compreendemos que Deus apareça, na filosofia de Kant, como “Ideal transcendental”. Como já o era a ideia platônica, Deus é, antes de mais nada, o arquétipo, em conformidade com o qual foi configurado tudo o que há de terrestre e finito, pois que participa dele (exemplarismo). Tanto os ideais de nossas aspirações morais, quanto os ideais educativos, devem ser compreendidos à luz destas relações. Só logram sua plena eficácia, quando se nos apresentam num modelo concreto, a saber, num homem que se mostra plenamente perfeito, por exemplo, como Cristo que brilha, ante nós, como o ideal absoluto da santidade. — O adjetivo “ideal” pode referir-se ao substantivo “ideal”, de que se falou, significando então “conforme ao ideal”, ou pode referir-se à palavra “ideia”, assumindo então o sentido de “existir ao modo da ideia (ou somente nela)”; muitas vezes, significa apenas o contrário de “real”, tomando então a acepção de irreal ou meramente representado (realidade). — Lotz. [Brugger]


O termo ideal pode ser compreendido em vários sentidos:

1) como uma projeção de uma ideia; 2) como o modelo, jamais atingido, de uma realidade; 3) como o perfeito no seu gênero; 4) como uma exigência moral; 5) como uma exigência da razão pura; 6) como a forma de ser de umas certas entidades. Aqui trataremos especialmente dos dois últimos sentidos.

Como exigência da realidade pura, o idealismo não se dá, segundo Kant, no campo da experiência. Os ideais têm um uso regulador, quer dizer, servem de normas para a ação e o juízo, dirigem e encaminham a razão.

Como forma de ser de certas entidades, o termo ideal usa-se para adjectivar um determinado objeto, os chamados objetos ideais, entre os quais costumam contar-se as entidades matemáticas e as lógicas. Tem-se dito com frequência que as determinações de tais objetos são principalmente negativas: intemporalidade, inespacialidade, ausência de interação causal, etc. Com isso não se pretendeu negar o ser dos objetos ideais, mas chamar a atenção para o fato de os objetos ideais serem num sentido diferente do que são os objetos reais. Estabelecida tal distinção, no entanto, não se resolveram todos os problemas: em primeiro lugar, é preciso saber ainda qual é o seu tipo de ser; em segundo, é necessário estabelecer que relação mantêm os objetos ideais com os reais. No pensamento contemporâneo, a questão do ser dos objetos ideais tem sido objeto de muita discussão, principalmente por parte dos filósofos da matemática e dos fenomenólogos, os quais têm investigado respectivamente o problema da “existência matemática” e o das significações ideais. Tendo desaparecido a antiga e arreigada confiança de que os princípios da matemática podem ser – e devem ser – apreendidos mediante intuições firmes e indubitáveis, houve que reformar os princípios da matemática – e da lógica -, e com isso pôr-se de novo o problema. As posições adotadas a esse respeito têm sido múltiplas. Comum a todas parece ser um acordo muito geral em desembaraçar toda a espécie de posições de tipo psicológico.

Um dos primeiros autores que adotou uma atitude antipsicológica foi Husserl, especialmente ao tratar da questão das “unidades ideais de significação”, as quais devem apresentar-se desprendidas dos “laços psicológicos e gramaticais que as envolvem”. Nas doutrinas contemporâneas tem-se prestado particular atenção ao problema da natureza do ser ideal, das caraterísticas do ideal, da diferença entre o ideal e o real; ou entre o ideal, o irreal e o real, etc.

Tem-se salientado o caráter apriorístico dos objetos ideais; o ideal é idêntico à “aprioridade ideal”. Isso não quer dizer que os objetos ideais sejam imanentes à mente que os apreende; tais objetos são tão “em si” como os objetos reais, mas o seu ser, ou melhor dizendo, o seu “modo de ser” é diferente do seu “modo de serreal. Ora bem, quando se trata de circunscrever este ser com maior precisão, choca-se com múltiplas dificuldades, pois as únicas caraterísticas que parecem aceitáveis são as negativas – inespacialidade, intemporalidade, inatualidade, inexperienciabilidade, etc.

No que diz respeito ao termo idealidade, pode dar-se os significados de “caraterística do ideal”, ou dos objetos ideais, “reino do ideal ou conjunto dos objetos ideais”. Hegel considera que a idealidade não é experimentável por completo mediante a negação da existência finita; a idealidade pode ser chamada por isso “a qualidade da infinitude”. Não é algo que se encontre fora da realidade, mas sim que o conceito de idealidade “consiste expressamente em ser a verdade da realidade; quer dizer, a realidade como o posto e o em si se mostra como a idealidade”. [Ferrater]