A etnografia moderna desmentiu o preconceito marxiano, de acordo com o qual “nenhum objeto poderá ter um valor se não for uma coisa útil”, e a ideia na qual ele se baseava, a de que o motivo psicológico da vida econômica seria o princípio utilitário. O exame das formas arcaicas da economia mostrou que a atividade humana não é redutível à produção, à conservação e ao consumo, e que o homem arcaico, pelo contrário, parece dominado, em toda a sua ação, por algo que pôde ser definido, embora talvez com algum exagero, como princípio da perda e do gasto improdutivo. [A tentativa mais rigorosa para definir esse princípio e para fundamentar nele uma ciência da economia encontra-se no ensaio de Bataille sobre “La notion de dépense” (La Critique Sociale, n. 7, janeiro de 1933), retomado e desenvolvido mais tarde em La part maudite (1949). De fato, Mauss, cujo magistral “Essai sur le don” (L’année sociologique, 1923-1924) está na raiz das ideias de Bataille, não contrapunha simplesmente a prodigalidade ritual e o potlach ao princípio utilitarista, mas, com maior sabedoria, mostrava a inadequação desta oposição para compreender os comportamentos sociais.]
Os estudos de Mauss sobre o potlach e sobre a prodigalidade ritual não revelam apenas (o que Marx ignorava) que o dom, e não a permuta, é a forma originária do intercâmbio, mas põem em evidência uma série de comportamentos (que vão desde o dom ritual até à destruição dos bens mais preciosos) que, do ponto de vista do utilitarismo econômico, aparecem inexplicáveis, e em base aos quais se diria que o homem primitivo só pode atingir [83] a condição a que aspira mediante a destruição ou a negação da riqueza. O homem arcaico também doa porque quer perder; e sua relação com os objetos não é regida pelo princípio da utilidade, mas por aquele do sacrifício. Por outro lado, as pesquisas de Mauss mostram que, nas sociedades primitivas, a “coisa” nunca é simplesmente objeto de uso, mas, dotada de um poder, de um mana, como acontece com os seres vivos, está profundamente enredada na esfera religiosa. Onde a coisa foi subtraída à sua ordem sagrada originária, são sempre o dom e o sacrifício que intervém para restituí-la à mesma. Tal exigência predomina de forma tão universal que um etnógrafo pôde afirmar que, nas culturas primitivas, os deuses existem apenas para proporcionar uma estrutura à necessidade humana de sacrifício e de alienação. [AgambenE:83-84]