Filosofia – Pensadores e Obras

Discurso sobre o Método

DISCURSO SOBRE O MÉTODO (1637), de Descartes (primeira obra filosófica escrita em francês, sendo os livros eruditos escritos até então em latim). Rejeitando toda autoridade, Descartes expõe no livro, em termos simples e acessíveis a todos (outra audácia nessa época), as quatro regras que devem permitir a cada um alcançar a verdade, por pouco que queira. Essas regras são as da certeza (“Não aceitar nunca coisa nenhuma como verdadeira, a não ser que eu a reconheça evidentemente ser tal”), da análise (“Dividir cada uma das dificuldades que examinarei em tantas parcelas quantas forem possíveis e necessárias para melhor resolvê-las”), da síntese (“Conduzir meus pensamentos com ordem, começando pelos objetos mais simples e mais fáceis de conhecer, para subir pouco a pouco como por degraus, até o conhecimento dos mais compostos. . .”) e da enumeração (“Fazer por toda a parte censos tão completos e pesquisas tão gerais, de maneira tal que eu esteja seguro de nada ter omitido”). Esse método aplicado por Descartes permitiu-lhe estabelecer uma astronomia, uma física mecânica e uma biologia mecanista (teoria dos animais-máquinas) que constituíram, para a época, progresso notável. O Discurso sobre o método marca o advento do método científico e racional próprio do pensamento moderno. [Larousse]


A primeira intenção do Discurso já se manifesta pelo título completo, e é uma intenção baconiana. Discurso do método para bem conduzir a razão e buscar a verdade nas ciências. Era exatamente o que Bacon pretendera fazer e é o que se faz aqui, mas com muito mais precisão, ordem e profundidade, e que será levado muito mais longe. Como Bacon, porém, Descartes entende voltar-se para as ciências e introduzir nelas uma disciplina nova, tomar como exemplo e como modelo as que apresentam o mecanismo mais infalível, isto é, as matemáticas, estender a investigação em todos os sentidos e levá-la ao limite, fazer com que a natureza contribua para a utilidade prática, mas em primeiro lugar para o conhecimento.

São bem conhecidas as quatro regras que ele prescreve para esse fim: não aceitar senão o indubitável, graduar as dificuldades, passar do simples ao composto, fazer “enumerações” completas.

Isto redunda em fundar o conhecimento na evidência e em proceder por indução. Através do vago da expressão, precisemos a intenção formal do novo método. Ele se baseia exclusivamente num dado comum, nessa coisa que é a mais equitativamente distribuída do mundo: o “bom-senso” ou, por outra, a razão. Nada mais será recebido — afora as verdades puramente sobrenaturais da religião, impostas pela revelação — sem que ele o aceite e estabeleça; nenhuma autoridade poderá prevalecer contra o seu veredicto negativo.

Isto era de um alcance considerável. Não só a Igreja não havia definido suficientemente os seus dogmas para abster-se de comprometer a sua autoridade em questões que nada tinham de dogmáticas, como por exemplo o movimento da terra, mas também a Escola, isto é, o ensino tradicional, inclinava-se diante de outras autoridades meramente humanas — como a de Aristóteles — negando-se a reconhecer que elas se tinham tornado obsoletas e mantinham princípios e consequências de princípios cujo conteúdo ilusório e absurdo o tempo se encarregara de mostrar. Descartes frisava que a verdadeira sabedoria consistia em submeter a uma revisão aquilo que uma velha sabedoria estabelecera em falso. Devolvendo assim a primazia a uma inteligência melhor instruída ele operava com efeito uma revolução.

Não que os seus próprios princípios tivessem toda a precisão que seria de desejar e a plena eficácia que lhes atribuía. Tem-se discutido bastante sobre a questão das ideias “claras” ou “distintas” e a parte de “subjetividade”, de temperamento pessoal que se lhes pode mesclar em cada ser pensante; já aludimos à parte de dedução que integra o processo mental e da qual este depende. Por outro lado, as “enumerações” completas são impossíveis e sempre se pode apresentar um novo fato que venha desmentir todos os outros. Porque sempre se viu os homens morrerem, concluiu-se que eram mortais; ora, isto é arbitrário, pois não se poderá falar assim enquanto não se tiver visto agir neles um princípio de morte.

Mas Descartes jactava-se de ter realizado, graças ao seu método, progressos notáveis ou curiosos descobrimentos no campo das ciências; e tinha razão. É verdade que o espírito humano, seguin-do-lhe as pegadas, começou a trilhar os caminhos de uma nova perfeição e aportou a práticas surpreendentes, bem como a novas formas da sua própria incapacidade. [Truc]